Apoio da Globo a Lula era previsível
"Pode-se dizer que a Globo, pela primeira vez, ficou do lado certo de uma eleição... Ou mais ou menos isso", escreve Eduardo Guimarães
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Nas horas que antecederam a entrevista do ex-presidente Lula ao Jornal Nacional, na Globo News, os apresentadores debatiam entre si qual seria a melhor estratégia para ele sobrepujar Bolsonaro. Mas esse não foi o primeiro sinal de que à Globo só restaria rever sua rejeição irracional ao ex-presidente -- nem que por conta de seus próprios interesses.
Em primeiro lugar, voltemos a 2018. A entrevista de Bolsonaro a William Bonner e Renata Vasconcellos, também na campanha do primeiro turno daquele ano, só faltou ter pancadaria entre entrevistadores e entrevistado. Bolsonaro beirou os ataques pessoais a eles.
Naquele ano, a Globo chegou a dedicar uma edição inteirinha do Jornal Nacional para pressionar pela prisão de Lula e por sua consequente retirada da eleição presidencial. A mídia corporativa, o mercado financeiro, o grande empresariado e o topo da pirâmide social queriam eleger Geraldo Alckmin. Bolsonaro só virou opção após o então tucano derreter na campanha.
Em 2018, Bolsonaro substituiu Alckmin na preferência de banqueiros, empresários e das classes A e B, mas não na preferência da mídia -- Globo à frente. Os grandes meios de comunicação, à exceção de mercenários como a Record e o SBT, tinham muito claro o que seria Bolsonaro no cargo. E não precisaram nem de capacidade premonitória para entender quanto Bolsonaro seria nefasto para o país, se fosse eleito. A sua trajetória política, sua homofobia, misoginia, racismo e pendores autoritários e golpistas eram escandalosamente conhecidos à época.
Pode-se dizer que a Globo, pela primeira vez, ficou do lado certo de uma eleição... Ou mais ou menos isso, pois apesar de não ter ficado a favor de Haddad ela ficou contra Bolsonaro. Mas parou de atacar Haddad. Sobretudo agora que Lula estava preso.
Mas a Globo se arrependeria de não ter apoiado Haddad mais explicitamente. Se tivesse recuado dos ataques a Lula e ao PT em 2018, talvez hoje não estaria tão ameaçada por Bolsonaro. Com efeito, de 2019 para cá ele ameaçou a emissora 21 vezes de lhe tirar a concessão.
I - A gênese da volta de Lula por cima
Quando o escândalo da Vaza Jato eclodiu, em 2019, dali em diante foi possível a este que escreve projetar onde tudo aquilo iria dar. As revelações do The Intercept Brasil eram tão contundentes que inviabilizariam a manutenção da prisão de Lula. Dizer isso, porém, custou-me caro. Incontáveis vezes fui acusado de "vender ilusões para ganhar cliques" no Blog da Cidadania, site que edito.
Com as revelações da Vaza Jato sobre as conspirações de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e cia. contra o Supremo Tribunal Federal, ficou claro que o STF cairia em si e daria ao então juiz da 13a vara federal de Curitiba o tratamento adequado.
Em 2016, o Tribunal recolocou em pauta a prisão em segunda instância, que então já visava impedir a sucessão do golpista Michel Temer por Lula dois anos mais tarde. Mas quando o STF descobriu que a Lava Jato era um monstrengo descontrolado e cheio de delírios de poder, resolveu cumprir o artigo 5º, inciso LVII da CF, que reza que “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Impressionante que ditame constitucional tão cristalino fosse ignorado pela cúpula do Judiciário, mas barrar o PT valia qualquer loucura.
II - A suspeição de Sergio Moro
Com a Vaza Jato, porém, logo o STF enxergou o jogo todo -- podem acusar o Tribunal de tudo, menos de ter gente burra vestindo suas togas. E, assim, a suspeição de Moro passou a ser favas contadas no STF, o que parecia impossível em uma Corte que raríssimas vezes considerou um magistrado suspeito. Quanto mais o então todo-poderoso Sergio Moro.
Dizer que Moro seria considerado suspeito, contudo, custou-me caro de novo -- assim como me custou caro escrever um artigo, em 2013, dizendo que aquelas manifestações terminariam em golpe. Novamente fui acusado de buscar "cliques" a qualquer preço.
Após a soltura de Lula devido a uma reviravolta no STF que surpreendeu a todos -- menos aqueles que enxergaram o jogo -- ao revogar a prisão em segunda instância, estava claro que a suspeição de Moro e a reversão da força da Lava Jato no STF eram absolutamente previsíveis.
III - Os direitos políticos de Lula
Ora, se Lula fosse libertado e Moro fosse considerado suspeito, previsível era que o ex-presidente recuperaria seus direitos políticos, pois Moro suspeito anularia as dezenas de processos que ele instaurou a pedido da força-tarefa de Dallagnol e cia. Mas dizer que Lula recuperaria seus direitos políticos voltou a me custar caro. Voltaram as acusações sobre a busca por audiência ao custo de "venda de ilusões".
E nem vou falar de quanto me custou dizer que os EUA, agora sob Biden, não aceitariam o golpismo e o negacionismo de Bolsonaro e iriam agir para enquadrá-lo, pois ele fazia no Brasil o que Donald Trump fizera por lá.
IV - O apoio da Globo à terceira via
Tampouco havia dificuldade em concluir que o homem que não parava de ameaçar a Globo seria combatido por ela. Então, a previsão impositiva era de que a Globo, num primeiro momento, buscaria refúgio contra Bolsonaro naquela que também previsivelmente estaria fadada ao fracasso: a "terceira via".
Ora, o país estava sendo esmagado pela loucura bolsonarista. Negacionismo, golpismo, racismo, misoginia, homofobia, armamentismo, culto à ignorância e uma incompetência administrativa sobrenatural fizeram o povo não querer saber mais de experimentalismos. Era previsível que o povo iria querer Lula de volta.
Além do que, a condenação de Moro pelo STF e o rompimento com Bolsonaro acabaram com suas possibilidades eleitorais até para cargos menores que o de presidente.
V - O apoio da Globo a Lula
Como era previsível, agora sem grandes resistências e acusações, a terceira via não decolou, o que tornava impositivo concluir que, após cair a ficha da Globo, a ela só restaria Lula. Mas essa previsão enfureceu a muitos. Como era possível um blogueiro progressista achar que algo de bom como apoio a Lula poderia partir da Globo?
Simples: era possível porque, sem Lula, Bolsonaro se reelegeria facilmente e cumpriria a promessa de destruir a Globo -- já que ele não sabe construir, mas destruir é com ele mesmo. Muitos foram os que ele destruiu, inclusive. Nas artes conspiratórias e de exploração da miséria humana, Bolsonaro é imbatível.
Eis por que, na noite histórica de 25 de agosto de 2022, a Globo até ensaiou alguma dureza com Lula, mas era óbvio que daria a ele um tratamento diferente do que deu a Bolsonaro. Assim, enquanto este começou a sabatina no JN sendo acusado de mentiroso e golpista, Lula começou sendo redimido por William Bonner, que começou afirmando que ele não devia mais nada à Justiça por Moro ter sido considerado suspeito ao julgá-lo.
Como este escrevinhador sempre diz, para conseguir projetar cenários até meio óbvios é preciso olhar e enxergar, escutar e ouvir. Não houve nada de espetacular na previsão de que a Globo teria que mudar em relação àquele que é o único que pode derrotar um Bolsonaro armado com bilhões de dinheiro público e a máquina federal.
Era tudo muito previsível. Dramaticamente previsível. Historicamente previsível. Afortunadamente previsível. Vivas, pois, à democracia, à verdade, à Justiça e, claro, vivas a Luiz Inácio Lula da Silva, esse gigante que nos separa do abismo e para quem ainda não há substituto visível, se é que algum dia haverá.
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