Antoine de Saint-Exupéry ou O Pequeno Príncipe
O problema é que o essencial é invisível aos olhos, como falava o Pequeno Príncipe. E ainda tem que cativar, cativar, cativar, ao infinito
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Antoine de Saint-Exupéry nasceu em 29 de junho de 1900 e deve ter falecido em 31 de julho de1944. Escrevemos “deve” porque em 31de julho de 44 foi a última vez em que ele foi visto, quando pilotou um avião saído da Córsega para observar os movimentos das tropas nazistas na segunda guerra mundial.
Ele foi, é um escritor de fama mundial, mas não pela qualidade literária de obras como Terra dos Homens, Voo Noturno e outras. A sua maior glória veio de O Pequeno Príncipe, um dos 10 livros mais lidos em todo o mundo até hoje. Esse livrinho, que somente chega a 70 páginas com espaços largos para desenhos e generosa diagramação, vendeu mais de 140 milhões de exemplares, traduzidos para mais de 300 idiomas em todo o mundo.
Chega a ser uma desgraça que um bom autor seja lembrado em função de páginas ausentes da melhor literatura. Á primeira vista, seria um livro para crianças. Mas não. O Pequeno Príncipe é um livro que, em lugar de falar a crianças, infantiliza pessoas. Nele, podemos ver (e eu tive o exercício da paciência em reler o texto):
“Para dar-lhes uma ideia das dimensões da Terra, eu lhes direi que, antes da invenção da eletricidade, era necessário manter, para o conjunto dos seis continentes, um verdadeiro exército de quatrocentos e sessenta e dois mil quinhentos e onze acendedores de lampiões...
Todo o universo muda de sentido, se num lugar, que não sabemos onde, um carneiro, que não conhecemos, comeu ou não uma rosa ... Olhem o céu. Perguntem: Terá ou não terá o carneiro comido a flor? E verão como tudo fica diferente ... E nenhuma pessoa grande jamais compreenderá que isso tenha tanta importância!
Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz.
A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.
E esta reflexão, que foi repetida à náusea por madames, misses e candidatas a miss entre lágrimas comovidas:.
“O essencial é invisível aos olhos”.
Mas perguntamos: um livro tem o dom de tornar infantil um adulto? Então corrigimos a frase para pior: “O Pequeno Príncipe” dava oportunidade e desenvolvia os grãos idiotas que existiam e existem nas pessoas. Desenvolvia-os de tal forma, que o cronista e compositor Antônio Maria registrou-o em um texto antológico de 1963:
“Não se pode ainda estimar a extensão do mal que causou à sociedade carioca a edição brasileira de Le Petit Pince…
Pobres senhoras, estarrecidas, perplexas pois acabavam de comprovar que as raposas falavam. La Fontaine estava coberto de razão. E a raposa de Exupéry dizia coisas lindas.
O cronista que vos escreve sentiu o hálito e viu, nas réstias de luz, a saliva das citações noturnas de Exupéry. Era no Vogue. Sempre a raposa. A raposa que falava e dizia muito que era preciso, antes, cativar. Aquelas cento e tantas mulheres desamparadas a dizer que era preciso cativar. Cento e tantas mulheres sem pai e sem mãe, e o verbo infinito degradando minhas intenções, dilacerando meus nervos. Cativar. Cativar. Cativar. Cativar.
– Você precisa me cativar.
Isso durou, em clamor crescente, até 1955, quando o Vogue pegou fogo”.
Ainda bem que entre os 10 livros mais lidos do mundo em todos os tempos, O Pequeno Príncipe perde para o Dom Quixote, que vem a ser, para a nossa felicidade, o primeiro mais lido, com nada mais, nada menos do que 500 milhões de exemplares vendidos mundo afora.
Mas eu acho que todo autor, uma vez que jamais poderá ser Miguel de Cervantes, bem que gostaria de ser uma espécie de Exupéry. Se possível, com melhor literatura. O problema é que o essencial é invisível aos olhos, como falava o Pequeno Príncipe. E ainda tem que cativar, cativar, cativar, ao infinito.
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