ANTIFAS – o movimento e a necessidade de resistir nas ruas
Embora os efeitos políticos possam ser complexos, a pauta de domingo é legítima por ela mesma, justificada por perigos que conclamam a atos de resistência física. O sentido dela que mais importa está além de qualquer análise mais conjuntural de estratégia. Diferente do que parecem supor, os defensores do fascismo não são e nunca foram os donos da rua.
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No dia 25 de maio, cidadãos dos Estados Unidos da América
iniciaram uma onda de protestos em reação ao assassinato
de George Floyd, homem negro que foi asfixiado por um policial branco, na cidade de Minneapolis. O protesto se espalhou por 75 cidades, segundo levantamento do jornal
The New York Times. Junto ao movimento “Black Lives
Matters” (“vidas negras importam”) chamou a atenção a
bandeira dos “antifas”, apontados por Donald Trump como
responsáveis pelos eventos que aconteceram no dia 31 de
maio, próximos à Casa Branca.
Grupos antifascistas nos Estados Unidos e na Europa
existem, em maior ou menor intensidade, desde os anos 30
do século passado, quando Hitler ainda nem tinha subido ao
poder, e se mantiveram no pós-guerra, período que é
considerado por historiadores como seu auge organizativo.
Como se tratava de vários grupos, havia direcionamentos
de táticas distintas. Enquanto uns se preocupavam em
expurgar os ideais fascistas dentro da burocracia europeia
dos países ocupados, sobretudo na Alemanha, exigindo a substituição de todo o corpo burocrático, outros se concentravam em caçar criminosos nazistas e partidários
nazistas clandestinos.
Há registros de que teriam desaparecido no final de 1945, após a divisão do mundo em blocos políticos. Tiveram algumas aparições na década de 90.
Mas o que se tem hoje não tem nenhuma conexão
histórica prática com o movimento do qual leva o nome.
Pelo pouco que se tem de informação, os movimentos que
se autointitulam “antifas” na atual quadra não partem de
uma coordenação ou método, são heterogêneos, não
possuem líderes, sede ou outras características que os
definam como corpo social organizado.
Aqui no Brasil, movimentos de rua ditos desordenados, sem
direção política clara, tiveram seu apogeu nas
manifestações de junho de 2013, sobre as quais ainda há
muita divergência no campo da esquerda de interpretações
sobre origem e caráter. De todo modo, o movimento
mundial atual aqui se inicia com a manifestação de torcidas
organizadas de clubes de futebol em São Paulo e vai se espalhando pelo país, com um protesto marcado para o próximo domingo (07).
Contudo, diferente dos atos ocorridos em 2013, o atual
movimento faz o repúdio a uma visão de mundo que se filia
ao fascismo. Em tempos de emergência de saúde pública mundial e de ascensão de um pensamento excludente,
autoritário, preconceituoso, que estimula discursos de ódio
e tem sustentação no governo eleito, a marca “antifa”
transformou-se rapidamente em uma guerra de símbolos
nas redes sociais, muito importante na disputa de
narrativas.
Quando ideias ganham força de ação e movimento de
massa precisam ser analisadas, mesmo que com os poucos
elementos de que se disponha. A preocupação da direita com os “antifas”, tentando enquadrá-los como terroristas,
emoldurados por projetos de lei e pela fala do próprio Jair
Bolsonaro que, fazendo coro com Donald Trump, os
chamam de “marginais”, na preocupação de que o
movimento cresça, demonstra a significância que eles
assumem neste momento. As ameaças de seguidores do presidente nas redes, inclusive com “dossiês”, procuram impor o medo e o recuo dos que pretendem se manifestar.
Por outro lado, elegê-los como condutores de mudança
social ou entender que existe um padrão de atuação no todo, além de não ser um tipo de resposta que se mostra
suficiente, traz o risco de uma posição que, pela
superficialidade, acabe se tornando um erro de leitura com
probabilidade alta de gestar sérios equívocos no futuro. Os “antifas” têm potencial de aglutinar camadas urbanas e
jovens e podem ser efetivos em convocar para o ativismo
contra a extrema-direita. O que não se pode é confundi-los
com movimentos sociais de massas, entidades e coletivos
da sociedade civil organizada.
Minha posição sobre 2013 é que não foi um movimento de
direita em seu nascedouro. Foi diversificado, difuso e
confuso, plural e individual ao mesmo tempo. Contudo, pelo
seu caráter antipolítico e rejeição a bandeiras e
organizações, foi o germe para o surgimento e consolidação
de movimentos de direita, como MBL, Vem Pra Rua e outros,
que dele se alimentaram e colheram frutos. Criaram as
bases para o que viria nos anos seguintes com o “fora
Dilma” no centro-sul do país.
Do ponto de vista das entidades e partidos de esquerda, os
cuidados na adesão aos atos do próximo domingo, dia 07
de junho, para que seja uma manifestação pacífica, no
sentido de inibir infiltrados, devem ser triplicados. Entender
os riscos e agir para evitá-los ou minimizá-los, sem
desprezar o fato de que pode haver, entre os próprios
manifestantes, a exemplo dos “black blocs” em 2013, ou
simpatizantes deles, os que defendem a depredação de
lojas e agências bancárias como tática de luta.
O afastamento desse tipo de ação é crucial. Bem assim,
atentar para a atuação violenta das polícias, que têm
claramente assumido lado nas manifestações.
De todo modo, nenhuma análise prévia tem o condão de
cercar todas as possibilidades. O fato é que o avanço da
escalada de autoritarismo não mais pode ser tolerado sem
reação. Com todos os cuidados de saúde pública
determinados pela Organização Mundial de Saúde (OMS),
entendendo os limites, é preciso mostrar que a maioria da
população não quer um governo com as práticas de Jair Bolsonaro, que ameaça todas as instituições democráticas,
que convoca hordas a irem armadas para as ruas, que
menospreza a vida humana.
Embora os efeitos políticos possam ser complexos, a pauta de domingo é legítima por ela mesma, justificada por perigos que conclamam a atos de resistência física. O sentido dela que mais importa está além de qualquer análise mais conjuntural de estratégia. Diferente do que parecem supor, os defensores do fascismo não são e nunca foram os donos da rua.
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