Encontro fatal

Que leve para os templos o seu gosto “terrivelmente evangélico”. Se assim agir, teremos no colo, ou no Tribunal, um mal menor

(Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)


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Na sua formalidade sisuda, mostrou-se interessante – e mesmo significativa – a seção do STF para a posse do mais novo de seus integrantes, o ex-chefe da AGU André Mendonça. Ali sentavam, à mesa, as autoridades da República: os presidentes da Câmara e do Senado, o Procurador-Geral e, olhando bem, o próprio Jair Bolsonaro, bonitinho, comportado, de máscara e tudo, ao lado de Luiz Fux, representando o alto comando da Corte. Havia, também, outras importantes presenças, incluindo, para apenas citar um, o Presidente da OAB Felipe Santa Cruz. Duas ausências dignas de nota: os ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Tratava-se de um encontro no qual todas as peças da engrenagem pareciam azeitadas para que nada, nenhuma surpresa de última hora, pudesse interferir. 

 O evento devia transmitir a ideia de um relacionamento perfeito entre os poderes, particularizando-se, no Supremo, a função de árbitro, sério e decisivo cada vez que surgem polêmicas na administração. E não importa frisar quem manda. O afeto de cada um em relação aos outros precisa se revelar natural, como se houvesse sido determinado por uma vontade superior: a Constituição. A intensidade do amor, melhor dizendo, do poliamor entre eles, convém que se afirme ao longo dos dias, em vez de se desgastar por razões de vaidade. Na cerimônia de posse, seguindo-se a fortes contestações, dentro e fora do Senado, ao causídico “terrivelmente evangélico”, havia um quê a mais de indagação a respeito do comportamento das pessoas. Não nos esqueçamos de que Bolsonaro se recusava a se vacinar e resistia ao uso das máscaras, achando tudo isso supremamente ridículo para um cabra macho da sua estirpe. No dia, felizmente, mostrou-se de um comportamento exemplar, escondendo o rosto como ordenam as disposições sanitárias. 

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 Não há como não lembrar, de repente, do filme Atração fatal, de Adrian Lyne, de 1987, tendo como protagonistas Michael Douglas e Glenn Close. Embora não haja nele uma situação de referência direta, ali se descreve um relacionamento conturbado por uma forte atração física acompanhada de frustrações e mal-entendidos. Não estamos muito longe do que se passou, no ano em vias de término, quando até um ex-Presidente, Michel Temer, achou-se conveniente convocar para a acalmar os ânimos. O atual mandatário estava a ponto de cometer loucuras para se afirmar junto a um dos juízes e, se possível, poupar-se de punições. Dava-se por favas contadas que um ocupante do Palácio do Planalto deve se colocar acima da lei e escapar imune a quaisquer acusações. Com duas ou três palavras (afinal nomeara para o cargo Alexandre de Moraes), Michel Temer ilustrou o que se espera de um político habituado a superar conflitos, ao contrário do atual, de sangue quente e avesso a repreensões.

Na película de Lyne, Glenn Close, como se sabe, sugeria um demônio vestido de saia, tão predominante se fazia no relacionamento. Aqui, o Supremo veste a toga para que ninguém se confunda sobre suas atribuições e a dose extra de dignidade em cada uma de suas posturas. Aos eleitos cumpre obedecer a critérios de compostura. No poliamor dos três poderes, se as partes ignorarem os rituais de seus respectivos territórios, ocorre uma guerra, o que não interessa a ninguém. Por isso, o dia da posse tinha de se provar inquestionável, até na recepção de um indivíduo que anunciava polêmicas. Ele entrou no recinto disposto a reconhecer que as suas atribuições são de perfil laico. Que leve para os templos o seu gosto “terrivelmente evangélico”. Se assim agir, teremos no colo, ou no Tribunal, um mal menor.

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