Alta de juros: a política monetária e a reprodução da miséria

O argumento do Banco Central vira pó diante de uma realidade que pede mais do que uma análise de dados

(Foto: Divulgação)


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O neoliberalismo selvagem que se instalou no Brasil durante o mandato de Jair Bolsonaro, somado aos anos que se sucederam ao golpe contra a presidenta Dilma Rousseff deve ainda produzir efeitos sinistros como os que vivemos durante o deliberado apagão sanitário da pandemia, a volta do país ao mapa da fome ou o genocício contra os Ianomâmis. O desgoverno Bolsonaro, dado o seu alto potencial corrosivo, deve ainda suscitar um volumoso trabalho de interpretação sobre seus impactos na vida dos brasileiros e na história do país. Mas não é só. O mundo todo assistiu estarrecido a atuação do governo, não apenas perigoso internamente, mas como elevado risco em escala planetária, especialmente no enfrentamento desumano e negacionista no pior momento da pandemia

Após a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro de 2022, e depois dos acampamentos golpistas na porta dos QG, que resultaram em diversos atos terroristas que culminaram no vandalismo na Praça dos Três Poderes, o que percebemos ao longo das últimas semanas é um esmorecimento da imagem ameaçadora e do temor coletivo que o Brasil enfrentou recentemente. A alta de juros como política de enfrentamento à pobreza é exemplo disso. O Bolsonaro e o bolsonarismo jamais podem cair no esquecimento. Caso tivesse sido eleito, o Brasil já estaria sob a sombra maligna de uma destruição ainda mais avassaladora em todos os campos que já vinham sendo destruídos, embora sob os freios da Câmara e do Senado e, especialmente, dos pacotes econômicos de viés eleitoreiro. 

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O problema central de um governo que não assume o Estado mas, ao invés disso, entrega-o aos interesses pantagruélicos do mercado é de que a própria essência de governo se vê desidratada, esvaziada, corrompida. Os inúmeros decretos criminosos são as sinapses de um cérebro economicista desregulado e voraz - em tudo responsável pelo acúmulo de capital do empresariado rico e dos banqueiros e o acirramento da desigualdade econômica e social. A influência das empresas e do setor financeiro no governo é a ante sala da fome e da estagnação econômica.

Diante disso, o assunto que recentemente voltou a tomar as páginas dos jornais, o dos elevados juros do Banco Central, apresenta-se sob o argumento de que, ao manter a taxa básica de juros a 13,75% ou 7,5% reais acima da inflação, esta permaneceria baixa, contribuindo, assim, para o bem-estar social - especialmente como política direcionada aos mais pobres. Um argumento no mínimo frágil diante de um cenário econômico nada otimista, já que mesmo com os juros nas alturas, a prática não tem mostrado uma queda significativa na inflação. O argumento do Banco Central vira pó diante de uma realidade que pede mais do que uma análise de dados. O comportamento que deve ser levado a sério no estado de bem-estar social é o da condição de vida digna, e não o do mercado.

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Finalmente, diante do amplo conjunto de informações que o Comitê de Política Monetária (Copom) utiliza para balizar sua decisão, especialmente a partir do cenário macroeconômico e suas consequências, o que o Banco Central faz é seguir a cartilha neoliberal que visa desinstalar o Estado abrindo fatias cada vez mais expressivas para o enriquecimento da iniciativa privada. A resposta de que os juros altos são justificados pela contenção da inflação é uma resposta já sem validade, justamente porque parte de um pressuposto economicista sem vínculo com uma realidade que é, no mínimo, mais complexa do que a apresentada. 

Trata-se de uma variável isolada em um contexto que pede uma leitura rigorosa de um cenário que deve levar em conta a história recente, por exemplo, ao considerar o contexto pós-golpe e o desgoverno Bolsonaro e o desmonte do bem-estar social. Seja por ironia ou eufemismo, a afirmação de que a elevação dos juros confirma a preocupação com o bem-estar é no mínimo leviana diante do que ocorreu no Brasil nos últimos anos com a volta do país ao Mapa da Fome, sintetizado pela espantosa imagem da fila do osso de Cuiabá, em 17 de Julho de 2021. 

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É preciso, finalmente, que o governo Lula possa exercer seu mandato livre dos ruídos e assombros do que restou da ausência de governo nos últimos anos - com total protagonismo do mercado. A democracia não pode e não deve ser constrangida aos interesses do capital. 

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