Alexandre de Moraes acertou e errou nas ações contra plataformas
Exercer soberania digital não é punir, controlar, taxar e prender. É participar, compartilhar, oferecer e educar.
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As plataformas precisam ser reguladas. Isso é indiscutível. Regular as plataformas, contudo, é diferente de “regular as redes”. Quando se usa o termo “regular as redes” normalmente se está pensando em regular o “mundo digital” de uma forma mais abrangente e não apenas os agentes capitalistas que ali estão postados gerando e se apropriando de valor. É preciso que se entenda que está se tentando lutar contra duas forças estruturantes da sociedade atual. Por um lado, temos o já conhecido capitalismo. Sistema que por mais de dois séculos tem se esquivado da maior parte das tentativas de regulação e que criou todo um ideário sobre “livre mercado”, “livre iniciativa”, “livre pensar” e outras relações teóricas com a ideia de “liberdade” que servem de escudo contra regulação social.
Por outro lado, estamos falando do mundo digital. Um espaço recente de ação humana que tem se desenvolvido numa velocidade muito maior do que a nossa capacidade de adaptação social tem conseguido acompanhar. São, portanto, dois vetores de transformações estruturais que independem em grande medida da vontade dos sujeitos. Se uma pessoa, uma cidade ou um país decidir não utilizar, produzir ou comprar qualquer produto que opere no mundo digital, provavelmente isso impactará no grupo que decidiu e não no mundo digital.
O que quero sublinhar é que, assim como ocorreu com o capitalismo, as transformações operadas em todas as instâncias da nossa vida a respeito das questões digitais não poderão ser desfeitas. Da mesma forma como hoje, quase ninguém mais vive sem se conectar à internet, o mundo digital se tornará a matriz de existência da humanidade em muito breve tempo. Não há retorno. Se estamos agora preocupados com o grau de informação (e desinformação) a que estamos submetidos, isso vai aumentar. Se estamos preocupados com o nível de vigilância que estamos sofrendo ... isso vai aumentar. Se você está impressionado como o mundo digital pode alterar percepções, posicionamentos políticos, morais e etc., infelizmente, tenho que dizer, que isso vai aumentar.
A situação é como uma avalancha. Quem está ali não tem o poder de ordenar que aquele movimento pare, ou mesmo seja revertido. Por mais estranho que isso possa parecer, o que conhecíamos como “soberania” no século XX, simplesmente não funciona no século XXI. O exercício dos poderes de Estado no século XX, que garantia a decisão EM ÚLTIMA INSTÂNCIA para o poder judiciário é apenas uma sombra do que já foi. Se no século XX, soberania tenha a ver com cercear, punir, coordenar, taxar e controlar, no século XXI, a soberania digital só pode ser exercida em parte e está mais ligada à ideia de usufruir, participar, direcionar e educar.
É necessário que se entenda esta última parte, para que não se pense que estamos em uma posição de derrota. Se as forças do século XXI não conseguem mais ser contidas pelas instituições moldadas pelos séculos XVIII, XIX e XX, então não há nada a fazer? Há, mas é preciso entender de que forma fazer. Nesse sentido é que afirmo que Alexandre de Moraes acertou e errou na questão do enquadramento das plataformas sociais ao Estado brasileiro.
Acertou na postura de indignação e na certeza de que é preciso regulá-las. Errou, na forma como fez.
Temos alguma forma de proibir o Google, o Facebook ou mesmo o Telegram de enviar mensagens ou direcionar sentidos aos seus usuários? Não, não temos. Em tese, eles são obrigados a “cumprir ordem judicial”. Mas, sabe-se há muito, que lei sem espada é conversa fiada. E a espada da punição do velho mundo material do século XX não funciona no mundo digital do século XXI. Na prática estas plataformas podem se dizer aderentes às ordens judiciais e continuarem a ter os comportamentos que julgamos reprováveis sem que sequer nós compreendamos. O que quero dizer é que não temos como restringir as ações das plataformas no mundo digital. Podemos impor multas, fechar o serviço aqui ou acolá, por um tempo determinado, mas não se pode controlar o mundo digital.
O grande absurdo feito por Google e mais recentemente pelo Telegram (que tem um histórico de indisciplina mesmo na Rússia quando desobedeceu a ordem de Putin) foi ter usado sua força de impulsionamento para aumentar a abrangência da sua posição contra o PL 2630 e (talvez) diminuir as posições favoráveis. O que fez Alexandre de Moraes? Resolveu proibir as plataformas de fazer isso. Não entro aqui no mérito de que se isso é ou não “cerceamento da liberdade de expressão”. Acho que não é. Mas a forma de agir deveria ser propositiva e assertiva e não restritiva e punitiva. Se o verdadeiro problema não é a posição em si (se contra ou a favor do PL) que as plataformas possam ter, mas sim o enorme disparate entre a abrangência na sociedade destas posturas frente à força das bigtech, o melhor teria sido que o STF tivesse atacado o segundo problema e não o primeiro.
Uma ordem do STF para que o Google mantivesse PELO MESMO TEMPO, NA MESMA POSIÇÃO e com A MESMA ABRANGÊNCIA na sua plataforma de buscas tanto o texto integral do PL quanto a posição de duas ou três entidades A FAVOR DO PL teria sido muito mais frutífera do que a tentativa de controle do conteúdo. A ordem de ofertar mais informação resolve o problema da discrepância de abrangência das informações conflitantes e não transparece para a sociedade como cerceamento. O STF teria oferecido à sociedade mais e melhores argumentos para a decisão, trabalhando em sentido contrário ao que suspostamente fazem as bigtech. E essa decisão seria mais facilmente rastreável para que soubéssemos se a plataforma estava cumprindo o determinado.
Da mesma forma com o Telegram. A ordem deveria ser que a plataforma mandasse para todos os seus usuários, em forma, número e tempo idênticos à sua posição contrária ao PL, um ou dois textos a favor da lei e mesmo a própria letra da lei. Fazendo isso, o STF demonstraria que seu problema não é com a opinião contrária, mas com o apagamento de opiniões divergentes que precisam ser entendidas e debatidas pela sociedade.
Exercer soberania digital não é punir, controlar, taxar e prender. É participar, compartilhar, oferecer e educar. Essa é a única forma que temos de entrar no século XXI, entrar no mundo digital pela porta da frente.
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