Ainda há tempo para o compromisso histórico antifascista?

Já é passada a hora de liberais, democratas e socialistas dos mais variados matizes políticos e ideológicos firmarem um compromisso histórico antifascista, por meio do qual sejam colocadas em suspenso as suas divergências, em nome de um bem maior – o valor universal da democracia



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Não vivemos ainda sob um regime ditatorial, nem tampouco sob um regime democrático.

Na verdade, vive-se um cenário de crise política que se foi agudizando no país desde os protestos de junho de 2013 até a eleição de Jair Bolsonaro em outubro de 2018, passando pelo impeachment de Dilma Rousseff em agosto de 2016.

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Porém, tal crise política aberta nos idos de 2013 se inflexionou entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2020, quando foi demonstrado aceleradamente que o atual governo federal estava mesmo disposto a cumprir a promessa de destruir tudo aquilo que fora arduamente construído desde o ano de 1985, isto é, o Estado de direito democrático.

No decorrer de catorze meses, assistiu-se no Brasil a um deslocamento político do regime, responsável pela pavimentação da passagem de uma situação de “crise” a uma condição de “emergência”, cuja característica central é a afronta aos pilares formais da nossa democracia política e o aniquilamento dos direitos e garantias sociais presentes na Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, e na Constituição Federal, de 1988.

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Pelas mãos de Bolsonaro e seu clã, foram dadas inúmeras voltas no parafuso da regressão política e social, que visa a transformar os direitos humanos numa letra morta, da mesma maneira que seus defensores em almas e corpos mortos, literalmente.

Então, de maneira imprevista, eis que a condição de emergência política vivida no país é potencializada pela emergência sanitária decorrente da chegada ao Brasil da pandemia da Covid-19, a qual, por sua vez, vê-se igualmente potencializada pela emergência política, num jogo de alimentação e retroalimentação sem fim, que, por fim, agudiza a emergência social e econômica já presente há tempos entre nós com um cenário de recessão e desemprego desenfreados.

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Com isso, encontramo-nos diante de uma nova conjuntura política que, mediante seu desenlace, determinará o futuro de inteiras gerações de brasileiros e brasileiras.

A depender da forma como enfrentaremos e superaremos essas “múltiplas emergências”, poderemos ter diante dos nossos olhos o renascimento da esperança de construção de um Estado social de direito, fundado nos valores da liberdade, igualdade e respeito à diversidade, ou então o revigoramento de duas das nossas feridas históricas que nunca cessaram de sangrar: a desigualdade e violência crônicas resultantes de séculos ininterruptos de escravidão e concentração fundiária; o autoritarismo levado a cabo no curso da nossa experiência republicana.

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Fazendo livre uso dos conceitos elaborados pelo filósofo francês Jacques Rancière, eu diria que, na segunda metade da década de 2010, deixamos de ter no Brasil um “governo democrático da democracia” até o ponto de passarmos a ter, sob o comando de Bolsonaro, um “governo autoritário da democracia”, que flerta ininterruptamente com a ditadura.

Num curto espaço de tempo, o Brasil poderá retomar o desejável (ainda que imperfeito) caminho do “governo democrático da democracia”, bem como a nefasta estrada de uma ditadura aberta, que viole sistematicamente os direitos humanos.

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O jogo está sendo jogado, mas parece estar chegando próximo dos seus minutos finais. São muitas as variáveis que condicionarão o seu resultado final, mas parece não haver dúvidas de que será fundamental para o desenlace da partida a capacidade de articulação de uma ampla Frente Democrática, que agregue o maior número possível de atores sociais e políticos em torno da defesa e manutenção das regras do jogo democrático estabelecidas no decorrer da Nova República.

Já é passada a hora de liberais, democratas e socialistas dos mais variados matizes políticos e ideológicos firmarem um compromisso histórico antifascista, por meio do qual sejam colocadas em suspenso as suas divergências, em nome de um bem maior – o valor universal da democracia.

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Ainda há tempo, mas ele escorre entre os dedos.

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