Ainda há juízes em Berlim e em Brasília?

"A judicialização da política, fenômeno sociopolítico, pode comprometer a ação de dizer o Direito, enfraquecer e desequilibrar as instituições"

(Foto: Ag. Brasil / Marcello Casal Jr.)


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Em 1745, o todo-poderoso Frederico II, rei da Prússia, mandou construir o castelo de Sans-Souci e, durante a construção do castelo um dos seus áulicos queria espantar para longe do novo castelo um vizinho, era um modesto moleiro.

Para esse áulico o moinho ofendia a bela paisagem que cercava a construção. Apesar das ameaças do representante de Frederico II, o moleiro permaneceu irredutível e não mostrava temer as ameaças.

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A questão chegou aos ouvidos do rei, que resolveu conversar com aquele homem simples, que lhe pareceu tão corajoso e perguntou a ele: “qual o motivo de ele não ter medo de ninguém, nem do rei”; ele respondeu: “ainda há juízes em Berlim”.

Noutras palavras, se necessário o moleiro lutaria contra o rei na Justiça, ele acreditava na lei. 

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Gosto de pensar que essa história revela a importância da consciência cidadã das pessoas e que no Brasil há muitos heroicos moleiros, que confiam nas instituições, no Estado e nos Poderes.

Mas e quando um dos poderes se mostra exageradamente mais forte que os demais? Bem, ocorre um desequilíbrio que deve ser sanado, além de termos de refletir sobre as causas. 

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Atualmente o Judiciário vive seu momento de protagonismo, com reflexos na política.  

O fundamento sobre o qual se assenta o Direito está na vontade do povo, assim a Justiça deve ser feita em nome da república, governada por leis, as quais devem ser elaboradas por mandatários do povo, eleitos para isso (daí a importância do processo eleitoral, ele é elemento político fundamental, e a competência é do Judiciário e não pode sofrer interferências do exército ou dos outros poderes).

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A judicialização não ocorre só no Brasil, o Judiciário vem ocupando um lugar privilegiado no processo decisório da maioria dos países democráticos ocidentais, algumas vezes alterando a vontade popular das urnas e outras interferindo na construção e execução de políticas públicas.  Isso não é bom, pois a judicialização é fenômeno de expansão do Judiciário na vida política do país.

Por aqui a "judicialização" da política ocorreu pela omissão do Legislativo e pelo viés autoritário do atual governo federal, isso abriu espaço para o protagonismo do Judiciário, o que ameaça o equilíbrio entre os Poderes se perdurar por muito tempo.

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O efeito imediato da inércia ou abuso dos demais poderes é a efetiva participação do Judiciário nos processos decisórios de natureza Política, o que a princípio é muito positivo (pois, o Judiciário ocupa função estratégica no controle dos demais e teria independência e imparcialidade necessárias), contudo, os efeitos de médio e longo prazo não são bons. 

Procuro aqui refletir sobre os efeitos na Jurisdição, no contexto de ativismo e da Judicialização da Política, especialmente se pensarmos que uma democracia só é possível em um país regido por leis e não por juízes, prefeitos, governadores, parlamentares ou pelo seu presidente. 

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E quem afirma que diante de uma lei ruim um juiz poderia chegar a um resultado melhor ou mais justo digo: isso não é democracia.  E não estou sozinho, o ministro da Suprema Corte dos EUA, Antonin Scalia, em palestra no seminário Direito e Desenvolvimento entre Brasil e EUA, realizado pela FGV Direito Rio, no Tribunal de Justiça fluminense afirmou exatamente isso, para ele a função do juiz é ser fiel ao que o povo decidiu através de seus representantes, o que estaria nas leis e na Constituição do país. Se há leis ruins as decisões dos juízes serão ruins, daí a importância do processo eleitoral e a necessidade de a sociedade civil atuar politicamente junto ao parlamento e aos parlamentares. O Ministro Scalia diz ser contra o que ele chamou de “aristocracia de juízes”.

Algo parecido com o que aconteceu na URSS após a revolução de 1.917 onde a burocracia tornou-se a casta dirigente, ignorando a participação popular. Não se pode afastar do centro da decisão a própria sociedade, o povo.

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O citado ministro da suprema corte dos EUA explicou que há uma tendência forte por lá em crer que um juiz deve fazer o bem sem aplicar a lei, mas esse pensamento afasta o Judiciário da democracia, por isso os juízes não são e não podem ser os redatores da lei, a lei emerge do processo democrático, da sociedade civil e da independência dos poderes. 

Compartilho essa ideia de que a judicialização da política, fenômeno sociopolítico, pode comprometer a ação de dizer o Direito, enfraquecer e desequilibrar as instituições, assim como a relação entre os poderes, a própria democracia e muito especialmente o poder de articulação e influência da sociedade civil no processo decisório institucional.  

A sociedade civil é o campo de ação humana, de interação social influenciada pela economia, subordinada a um Estado, e que tem por características a pluralidade, publicidade e privacidade, ela representa a ação legitima de contestação social, é o campo onde a sociedade associa-se em redes e essas redes constituem um campo de luta e uma arena onde se forjam alianças, identidades coletivas e valores éticos que buscam influenciar o Estado na elaboração e execução de políticas públicas, sempre através da participação popular, seu elemento legitimador e a Judicialização da Política, na minha maneira de ver, se contrapõe às ações e práticas necessárias e típicas da sociedade civil, pois com ela a participação popular, as ações políticas, o debate, a busca de solução negociada dos conflitos é substituída por métodos tipicamente judiciais em disputas cuja natureza originária é tipicamente política.

E que fique claro, não estou criticando STF, pois atualmente ele tem se portado heroicamente na defesa do Estado social e democrático de Direito, frente a sanha autoritária do presidente da república e da omissão do legislativo. 

Enfim, há juízes no Brasil e um deles é o ministro Alexandre de Morais.

Essas são as reflexões.

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