Agora não é só ‘oposição’, é falta de legitimidade

Quem achava que o governo Temer iria 'acertar' deve estar morrendo de vergonha. A hipótese que começou longínqua já se mostra impossível. Não se esqueça do bordão: 'Dilma não tinha mais condições de governar'. Temer está tendo? A errância com o primeiro escalão continua homérica

Brasília- DF 23-05-2016 Presidente interino, Michel Temer, durante entrega da meta fiscal 2016 ao presidente do senado Renan Calheiros. Foto Lula Marques/Agência PT
Brasília- DF 23-05-2016 Presidente interino, Michel Temer, durante entrega da meta fiscal 2016 ao presidente do senado Renan Calheiros. Foto Lula Marques/Agência PT (Foto: Jean Menezes de Aguiar)


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O governo Temer não enfrenta uma situação normal da democracia, à qual há uma situação e uma oposição. Não se trata nem de o PT 'qualificar' uma parcela (apenas!) da oposição atual, no sentido de se vê-lo 'aguerrido' como oposição. Este traço é possível a qualquer partido político. Mais, deveria ser desejável a todos. E a toda a sociedade. Talvez assim o Brasil tivesse outra cara, ciclovias não desabassem; metrôs e estádios de futebol não tivessem valores obscenos; um governo Temer não pagasse a fatura do golpe de aumentar em 58 bilhões a festa canalha dos salários das 'autoridades' públicas num Brasil endividado etc.

Numa 'contabilidade' de quem considera o momento atual um 'golpe' e quem não considera, abstraia-se o Partido dos Trabalhadores da equação. Isso mesmo, pense na questão de quem defende ter havido um golpe, sem (!) o PT. Quando se faz isso, 'aparecem' pessoas alheias a esse partido de imensa importância intelectual, acadêmica, política, social afirmando ter havido, sim, um golpe – perdoe-se o 'palavrão'. Pessoas de dentro e fora do Brasil. Até o papa advertiu sua preocupação.

Utilizando-se uma lógica formalista e simplória, do mesmo modo que a rede Globo guia messianicamente a vida e a ideologia de muitos no país – e se se veem felizes assim problema deles -, figuras ilustres e ao mesmo tempo estranhas ao PT poderiam 'servir' como uma instigação intelectual a outro tipo de gente. A quem tenha uma 'curiosidade' por opiniões abalizadas, análises fundamentadas e ideias ancoradas em conhecimento e saber.

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Essas tais pessoas abalizadas há indistintamente dentro e fora da política; na esquerda e na direita. Mas como se quis e se quer o reducionismo de dizer que quem chama o momento atual de golpe é 'gente do PT', o argumento parece se sustentar. Talvez pessoas do próprio PT estejam se surpreendendo com vozes absolutamente estranhas ao partido e jornais pelo o mundo, dizendo que no Brasil está em curso um golpe.

Talvez essa 'onda' passe. As pessoas aqui 'parem' de falar em golpe. Ou simplesmente se cansem. Não se pode esquecer que se trata de brasileiro, uma gente até aqui adormecida em alguma coisa esplêndida que não se sabe bem ainda o que é.

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Quem achava que o governo Temer iria 'acertar' deve estar morrendo de vergonha. A hipótese que começou longínqua já se mostra impossível. Não se esqueça do bordão: 'Dilma não tinha mais condições de governar'. Temer está tendo? A errância com o primeiro escalão continua homérica.

Uma diferença é crucial: um governo ruim e um governo ilegítimo. Ruindade é juízo de valor e aí ache-se o que se quiser de Dilma ou Temer. Mas ao lado dessa diferença substancial, há uma formal, e muito difícil de ser manejada: a linha que não deveria ser tênue, neste momento atual, entre golpe e não golpe; entre existência de crime de responsabilidade e não existência.

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O afastamento de um presidente num regime presidencialista é a afetação jurídica mais grave que há na Constituição da República. A uma democracia, ao voto e à sociedade, podendo se tornar gravosa se não estiver muito clara. O impeachment, já se disse, é constitucional enquanto remédio hiperdrástico. Mas a cada dia que passa se fala menos nos crimes e mais no famigerado 'conjunto da obra'. Como se conjunto fosse motivo de impedimento. Não é.

Uma oposição atual poderá 'migrar', agudizando o discurso, na sua qualidade de resistência relativamente ao governo Temer, do ruim e errante para o ilegítimo. O erro num governo cuja legitimidade não se duvida já é péssimo. Mas o erro num governo atacado até por pessoas insuspeitas, de legitimidade, deixa de ser um erro, passa a ser uma infâmia democrática.

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Não adiantará Temer pousar de constitucionalista, o que até lhe 'protege' um pouco. Não adiantará 'falar' em público com traquejo melhor que Dilma. Seu ar de engomadinho, milimétrico, e racê atende a muitos numa sociedade conservadora. Mas o Brasil não precisa mais de jaquetões.

O desastrado ministério, que jurava correção, seriedade e ética até aqui já revela muito. Principalmente para quem lê as subnarrativas do jogo do poder.

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Sempre sobraram ideologias e 'lados' para todo gosto, direita, esquerda, apolíticos e eternos surpresos. Essa escolha sempre foi 'legítima' a qualquer um, abstraindo-se Brecht e a alienação safada dos apolíticos. Mas neste momento de análise difícil, de golpe sutil travestido de constitucional, observar vozes da cultura, do saber e de fora do PT pode ser um indicativo muito interessante sobre a nada sutil tragédia que está sendo este momento brasileiro.

Cada dia que passa fica mais distante a caracterização de um crime de responsabilidade praticado por Rousseff. E Temer tem se incumbido disso, mostrando de sobra que 'governo erra'. Mas ao mesmo tempo, quis-se mudar o contexto sociológico: sairia o crime de responsabilidade do ato principal e entraria na narrativa de enfrentamento um possível 'acerto' do governo Temer, como que gerando uma felicidade social instantânea, dando-se a notar que 'agora sim tudo está melhor'. Esta hipótese foi para o brejo. Não conseguiu se sustentar, ante os desastres ministeriais do próprio.

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Mesmo que o Senado 'resolva' que há crime, o problema para a história não será este resolvimento, mas o tranco democrático que o país já viveu e continua a viver. O PT segue admitindo que Dilma errou pouco; um erro grosseiro da legenda que parece não querer se tornar adulta de vez. Mas nada disso justifica a pernada do impeachment. Mesmo que sob o ponto de vista 'formal', de procedimento, o Supremo tenha validado.

O que chamam de golpe cada dia fica mais difícil de ser compreendido, mas cada dia fica mais fácil. Difícil porque o tempo deveria serenar tudo com seu poder. Mas mais fácil porque a tentativa de se mostrar um novo Brasil com Temer, falha diariamente.

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Se o 'tempo' de Dilma era um, o de Temer é outro. O de Temer seria o tempo da 'correção do erro'. Mas sua sucessão de erros está para lá de grosseira.

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