Advocacia e a distribuição da Justiça
O Ministério Público pode ter acesso a todas as provas, mas nós advogados, mesmo com procuração, temos de requerer vistas ao "todo poderoso magistrado", aquele mesmo que a lei federal diz que não subordina advogados. Promotores e magistrados podem circular livremente pelos Tribunais, no horário que for preciso, enquanto nós advogados só podemos circular em horário de expediente, a todo o momento se identificando com a carteira profissional e com algum constrangimento muitas vezes
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Pesquisa do jornalista Alessandro Cristo, publicado no site CONSULTOR JURÍDICO denominada "Justiças Estaduais não dão conta do trabalho", nos põe a refletir sobre a (i) Judicialização da Política, (ii) o excessivo protagonismo do Ministério Público e do Poder Judiciário e (iii) a injustificável mitigação do papel da sociedade civil e da Advocacia no processo de construção da Democracia.
O Poder Judiciário crê ter um poder que não tem. Crê que pode distribuir justiça prescindindo da advocacia. Esse é um dos maiores equívocos contemporâneos, pois o Poder Judiciário tem o monopólio da jurisdição, mas não da Justiça.
Os números apresentados no trabalho citado mostram que o aumento de questões judicializadas nas últimas décadas não pacificaram as relações sociais e, a meu juízo, demonstram a impossibilidade da paz nas interações sociais ser alcançada sem a participação da sociedade e da advocacia.
Bem, há vários aspectos a serem considerados antes de qualquer conclusão.
Assistimos no Brasil a uma espécie de "judicialização" da política de alta intensidade, que desequilibra e desarmoniza a relação entre os poderes.
Há muitos exemplos dessa afirmação. Por exemplo, quando o STF regulamentou o sistema partidário e eleitoral, retirou-se a possibilidade do debate a partir do Congresso Nacional. A inércia do Legislativo está abrindo espaço cada vez maior para a regulação pelo Judiciário de temas que demandariam debate; a regulação de temas pelo STF, sem participação da sociedade, não pacifica e aumenta o stress institucional.
Vivemos hoje no Brasil uma radicalização da judicialização da política, em função das competências que o Judiciário tem avocado para si e da omissão do legislativo. Penso que essa seja a mais complexa questão a ser resolvida, por uma razão muito simples: quando o Poder Judiciário supre a omissão dos outros poderes ou altera decisões e interfere na execução de políticas públicas, a sociedade e o cidadão individualmente não tem instância para recorrer, ademais, a "Judicialização da Política" conduz à "politização da justiça" comprometendo a própria democracia.
É certo que na Judicialização vemos métodos judiciais em disputas tipicamente políticas, o que pode ser justificado de duas formas.
A primeira justificativa estaria na ampliação das áreas de atuação dos tribunais pela via do poder de revisão judicial de ações legislativas e executivas, baseado na constitucionalização de direitos e dos mecanismos de checks and balences, e a segunda justificativa estaria no fato, inegável, de que passaram a fazer parte das estruturas do Poder Executivo e do Poder Legislativo mecanismos e procedimentos tipicamente judiciais (Tribunais de Contas e Comissões Parlamentares de Inquérito, por exemplo).
O problema pode estar no excesso e no sistema hibrido de controle de constitucionalidade.
No Brasil convivem os controles difuso e concentrado de constitucionalidade, e seria essa dualidade sistêmica que também possibilitou o fenômeno da judicialização da política, com contornos desconhecidos nas democracias maduras, pois vemos minorias derrotadas majoritariamente na arena política buscarem no Judiciário revogar as decisões da maioria.
Esse quadro compromete e conflita com valores democráticos.
Em que extensão esse fenômeno conflita com a Democracia? O Professor Rogério Bastos Arantes afirma que os impactos dessa expansão são indesejáveis, pois dentre outras coisas aumenta a incerteza do valor das decisões políticas.
Acredito que há um outro efeito trágico: a excessiva judicialização da política passa a visão equivocada de que a sociedade civil é incapaz de defender seus interesses organizadamente e que as instituições políticas são insatisfatórias no cumprimento do seu papel representativo, uma visão elitista, pois não estimula a participação popular e a construção de estruturas capazes de transformar democraticamente a realidade, eternizando a ideia de que a sociedade precisa ser tutelada.
Estamos perante um fenômeno novo no processo político brasileiro: uma hiperconcentração de poder e legitimidade no Judiciário e um esvaziamento dos demais Poderes, além da relativização da necessidade de interação da sociedade civil e da mitigação da importância da advocacia.
Afirmo que a hiperconcentração de poder e legitimidade no Poder Judiciário esvazia não apenas os demais Poderes, esvazia o necessário movimento e envolvimento da sociedade civil nas questões políticas, fato que pode ser absolutamente problemático, pois temos visto decisões, tanto do Juízo monocrático, quanto dos tribunais, alterando o resultado das urnas, das mais diversas maneiras.
O risco desses "superpoderes" do Poder Judiciário é que, na prática, ele pode cada vez mais decidir subjetiva e ideologicamente, o que é uma tragédia. E não sou eu apenas que afirmo isso, Débora Alves Maciel e Andrei Koerner na obra "Da Organização dos Poderes" concordam.
Um poder judiciário autoproclamado plenipotenciário, ao lado de um Ministério Público que quer ser "poder da república", fazem um esforço enorme em desqualificar a advocacia e relativizar o artigo 133 da Constituição, o qual prevê que "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Sabemos que sem advogados independentes não há democracia porque os direitos individuais, as liberdades ficam à mercê da sorte e com a política judicializada o autoritarismo fica próximo.
Temos, portanto, um Judiciário fazendo política (sem debate e sem voto), um legislativo acovardado e omisso, além de um executivo tutelado por um ministério público esquizofrênico.
Nesse contexto a advocacia é o campo de ação necessário a defender os direitos fundamentais e as liberdades, mas ela vem sendo criminalizada e, reiteradamente, são violadas as garantias dos advogados, no exercício do direito de defesa dos interesses e direitos de seus clientes (quem vive a advocacia e da advocacia sabe a que estou me referindo e sabe que essa é uma tragédia institucional e estrutural grave).
A busca excessiva de solução para questões juridicamente relevantes através do judiciário leva ao ajuizamento de novos processos, mas a judicialização não pacifica as relações e interações sociais das várias categorias.
Acredito que enquanto o Poder Judiciário não cumprir a constituição, enquanto não tratar a Advocacia como função essencial integrante do sistema de distribuição da Justiça, todas as iniciativas de distribuição da Justiça nascerão fadadas ao retumbante fracasso, assim como não há legitimidade sem o envolvimento da sociedade civil.
No passado conflitos eram, em sua grande maioria, resolvidos nos escritórios dos advogados sem o concurso da estrutura estatal; o advogado era o primeiro juiz da causa, funcionando, na prática, como um pacificador e as partes eram tratadas como parte da solução, aliás, na sociedade está sempre a solução e não nos escaninhos da burocracia do Estado, tão cheia de certezas e ciosa pela manutenção e ampliação de privilégios.
A Lei Federal afirma que "não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público", mas as diferenças de tratamento entre advogados e promotores são gritantes. Nas audiências na Justiça Federal, por exemplo, o Ministério Público senta à direita do magistrado, por que? O MP não é um poder é, como a advocacia, função do Poder Judiciário.
A diferença de tratamento é monstruosa e reflete viés autoritário. O Ministério Público pode ter acesso a todas as provas, mas nós advogados, mesmo com procuração, temos de requerer vistas ao "todo poderoso magistrado", aquele mesmo que a lei federal diz que não subordina advogados. Promotores e magistrados podem circular livremente pelos Tribunais, no horário que for preciso, enquanto nós advogados só podemos circular em horário de expediente, a todo o momento se identificando com a carteira profissional e com algum constrangimento muitas vezes. Relativizar as prerrogativas da advocacia é relativizar as liberdades e direitos fundamentais.
O fato é que a advocacia está sob risco e quando a advocacia está sob risco a própria democracia está na berlinda.
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