Adriano ou Bolsonaro: quem é o verdadeiro chefe do Escritório do Crime?
Os segredos enterrados no porão da milícia criminosa deverão vir à tona. O mais notório dos crimes imputados ao Escritório do Crime, o assassinato de Marielle e Anderson em 14 de março de 2018, poderá ser finalmente esclarecido, diz o colunista Jeferson Miola
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A denúncia do vínculo dos Bolsonaro com as milícias atravessa os tempos. Mas foi a partir dos assassinatos de Marielle e Anderson que ficou bem caracterizada a conexão deles com o Escritório do Crime, a milícia de assassinos de aluguel que controla o território de Rio das Pedras, zona oeste da cidade do Rio.
Por uma das incríveis coincidências que rondam os Bolsonaro, o ex-PM Ronnie Lessa, integrante do Escritório do Crime preso com a acusação de ser o autor dos disparos em Marielle e Anderson, residia no condomínio Vivendas da Barra, onde Carlos e Jair Bolsonaro também residem.
Até agora, imaginava-se que o clã Bolsonaro e o Escritório do Crime fossem organizações distintas e independentes, que “apenas” mantinham parcerias, negócios e acordos operacionais entre si.
Imaginava-se, também, que o chefe do Escritório do Crime seria Adriano da Nóbrega, o miliciano executado em operação policial no interior da Bahia quando se escondia, por coincidência, na casa de um vereador do PSL, partido pelo qual Bolsonaro concorreu na eleição de 2018.
As provas reunidas no inquérito criminal do MP/RJ levam a crer, entretanto, que o Escritório do Crime pode pertencer ao clã Bolsonaro. Não surpreenderia a revelação de que o verdadeiro chefe do Escritório do Crime, o capo di tutti capi, pode ser Jair Bolsonaro, e não o miliciano Adriano da Nóbrega.
Ao destrinchar o esquema, o MP/RJ descobriu a engrenagem hierarquizada e ramificada da organização, o modus operandi, seus principais operadores. A sede era o gabinete do Flávio Bolsonaro na ALERJ, onde o então deputado federal Bolsonaro despachava assiduamente às sextas-feiras.
Queiroz, lotado no gabinete do Flávio até ser desligado em 15/10/2018 com o conveniente vazamento da operação Furna da Onça da Lava Jato, se desempenha como capataz do Bolsonaro; é o homem de confiança que exerce funções de tesoureiro, conselheiro político, “gerente de recursos humanos” e coordenador de ações especiais como planejar a fuga e o esconderijo do miliciano Adriano.
Foi nesta condição de autoridade no esquema que, mesmo fugindo da justiça, ele foi chamado para interceder “junto a milicianos que atuam nas favelas do Rio das Pedras, Tijuquinha e Itanhangá”. Note-se que quem foi requerido para resolver desavenças entre integrantes do bando foi Queiroz, o capataz e “gerente de RH”, e não Adriano da Nóbrega, como corresponderia se ele fosse, efetivamente, o verdadeiro chefe da milícia.
Queiroz era o responsável pelo recolhimento do salário dos funcionários-fantasmas lotados nos gabinetes do Flávio na ALERJ e do Jair na Câmara dos Deputados, como das próprias filhas e da mãe e da esposa do miliciano Adriano da Nóbrega [o inquérito ainda não traz dados sobre eventual ocorrência desta prática também nos gabinetes do Carlos e do Eduardo].
Era o tesoureiro Queiroz quem geria as finanças e creditava valores nas contas dos Bolsonaro, como os R$ 24 mil para a 1ª dama Michelle. Ele também realizava os pagamentos das despesas familiares – sempre em dinheiro vivo – como, por exemplo, mensalidades escolares das filhas do Flávio e planos de saúde da família do Flávio.
Além de fazer caixa com salários de funcionários-fantasmas, o tesoureiro Queiroz também recolhia os recursos provenientes de negócios imobiliários ilegais, restaurantes de fachada etc.
O MP/RJ descobriu depósitos de R$ 400 mil feitos por Adriano nas contas bancárias do Queiroz que devem ter origem nestas fontes adicionais de renda da organização. Ora, se Adriano fosse o chefe do Escritório do Crime, porque repassaria tamanha quantia a Queiroz?
O inquérito criminal documenta diálogo do Adriano com a esposa que deixa implícito que o miliciano podia ser, na realidade, um assalariado informal da milícia pela função de coordenador do braço armado do bando.
Depois da prisão do Queiroz, o advogado e amigo do clã que “conhece tudo que tramita na família Bolsonaro”, Frederick Wassef – em cuja casa Queiroz ficou escondido por quase 1 ano – indicou o advogado Paulo Emílio Catta Preta para defender Queiroz. Por outra incrível coincidência que ronda os Bolsonaro, Catta Preta foi também advogado de defesa do miliciano Adriano da Nóbrega.
Queiroz é a chave de acesso à totalidade do sistema criminoso que pode ruir e arrastar o presidente Bolsonaro para a ruína política e penal. Diante do inquérito bem fundamentado com um acervo de provas contundentes, dificilmente Bolsonaro deixará de ser acusado, condenado e, finalmente, preso, se as instituições de fato “funcionarem normalmente”.
As revelações do inquérito criminal justificam os motivos para tamanha ousadia e atrevimento do clã Bolsonaro em manter Queiroz escondido e fora do alcance da polícia e da justiça por tanto tempo.
Os segredos enterrados no porão da milícia criminosa deverão vir à tona. O mais notório dos crimes imputados ao Escritório do Crime, o assassinato de Marielle e Anderson em 14 de março de 2018, poderá ser finalmente esclarecido.
O jornalista Humberto Trezzi escreveu que quando foi interventor federal na segurança pública no Rio, “Braga Netto ganhou dos amigos a reputação de ter o CPF, nome e endereço de cada miliciano no Rio”. É difícil acreditar que os militares desconheciam na época os antecedentes do clã Bolsonaro. E é impossível que continuem desconhecendo isso ainda hoje.
O Congresso precisa instalar urgentemente o processo de impeachment do Bolsonaro na Câmara e de cassação do Flávio Bolsonaro no Senado. Isto é o mínimo que se espera do Congresso, se quiser recuperar um mínimo de dignidade, decência e respeito.
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