Adianta derrubar Maduro?
"O 23 de fevereiro fracassou, para a oposição e os EUA, na Venezuela. Maduro resistiu e decidiu romper relações com a Colômbia de Iván Duque, sabujo dedicado do Império. Nossa imprensa oligárquica, que não conseguiu esconder sua torcida pela morte de Chávez, no golpe de 2002, agora não consegue ocultar sua decepção", diz o colunista Marcelo Zero. "Mas o fracasso do dia 23 não significa o fracasso do golpe. Os EUA e seus miquinhos amestrados continuarão a forçar a derrubada de Maduro por todos os meios"
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O 23 de fevereiro fracassou, para a oposição e os EUA, na Venezuela. Maduro resistiu e decidiu romper relações com a Colômbia de Iván Duque, sabujo dedicado do Império. Nossa imprensa oligárquica, que não conseguiu esconder sua torcida pela morte de Chávez, no golpe de 2002, agora não consegue ocultar sua decepção. Achava que o golpe deste ano já estava consumado.
Mas o fracasso do dia 23 não significa o fracasso do golpe. Os EUA e seus miquinhos amestrados continuarão a forçar a derrubada de Maduro por todos os meios.
Ante isso, cabe indagar: alguém é tonto o suficiente para achar que a derrubada pela força de Maduro resolverá alguma coisa? A Venezuela se pacificará com um golpe contra o presidente eleito? Guaidó, um títere desconhecido dos venezuelanos, poderá conduzir uma transição política exitosa? A oligarquia venezuelana, talvez a pior da América do Sul (e olha que a concorrência é acirrada), tem algum compromisso com a manutenção da democracia substantiva implantada pelos bolivarianos?
No Brasil, disseram que bastava derrubar Dilma Rousseff para que tudo se resolvesse em poucos meses. De no que deu. Hoje o país está entregue a neofascistas descerebrados, a crise econômica, social e política se arrasta e o Brasil, extremamente fragilizado, tornou-se um pária internacional.
Pois bem, o cenário que se seguiria a uma derrubada pela força de Maduro seria pior, muito pior.
A Venezuela sempre foi um país profundamente dividido. As denominadas elites venezuelanas dominavam o país, com o apoio decidido dos EUA, excluindo as grandes massas dos benefícios da abundante renda do petróleo.
Tal exclusão era absoluta: econômica, social e política.
O Pacto de Punto Fijo, apoiado pelos EUA, assegurava que apenas os grandes partidos conservadores (Copei e Ação Democrática) se revezassem no poder, excluindo outras forças políticas e os interesses da maior parte da população da representação política formal. Assim, a Venezuela pré-Chávez era algo muito semelhante à República Velha brasileira.
O quadro social, para um país com a maior reserva de petróleo do mundo, era inacreditavelmente ruim.
A Venezuela chegou ao fim do século XX com uma contradição evidente: apesar das grandes riquezas derivadas da exportação de petróleo, 70% de sua população viviam abaixo da linha de pobreza. Em 1989, no contexto da uma crise econômica, manifestações populares se multiplicaram por todo o país.
Uma delas, o "Caracazo", foi duramente reprimida pelo Estado, cujas forças mataram indiscriminadamente entre 1000 e 3000 pessoas. Na época, os EUA não cogitaram em enviar qualquer "ajuda humanitária".
Chávez implodiu esse sistema profundamente oligárquico e excludente. Promulgou, com ampla participação popular, uma nova constituição, criou uma democracia plena, inclusive com mecanismos de participação direta da cidadania, e passou a usar a renda do petróleo para o benefício da população anteriormente excluída.
Houve, assim, um imenso esforço de inclusão econômica, social e política dos venezuelanos. A desigualdade, medida pelo índice de Gini, foi reduzida em 54%. A pobreza despencou de 70,8%, em 1996, para 21%, em 2010, e a extrema pobreza caiu de 40%, em 1996, para 7,3%, em 2010.
Além disso, o governo chavista livrou o país do analfabetismo e implantou um verdadeiro sistema de saúde público, além do maior programa de habitação popular da história da Venezuela. Isso tornou a Venezuela o país que mais evoluiu no cumprimento das Metas do Milênio, segundo a ONU.
Compreensivelmente, as oligarquias e as classes médias tradicionais venezuelanas, que antes monopolizavam a renda do petróleo, reagiram, de forma violenta, a essas mudanças.
Em 2002, deram um golpe contra Chávez e tentaram matá-lo. Pouco depois, tentaram paralisar a economia venezuelana com o "paro petrolero". Em tempos mais recentes promoveram o "la salida", processo político violento que intentou derrubar Maduro e que resultou na morte de quase 50 pessoas. Agora, aproveitando-se da crise, promovem boicote contra a economia da Venezuela e criam a crise humanitária que pretendem "resolver".
Sejamos francos: boa parte da oposição venezuelana carrega em si o DNA da violência política e do desprezo à democracia e a seu próprio povo.
Nesse quadro, agravado pela influência belicosa de Trump, a derrubada de Maduro seria provavelmente seguida por um aumento da violência política e por uma crônica instabilidade.
No campo político, o cenário mais provável seria o da implantação de uma "caça às bruxas" contra chavistas e esquerdistas de um modo geral, especialmente nas forças armadas e no judiciário, o que poderia levar a uma reação de forças populares.
No campo econômico e social, muito provavelmente os programas sociais de transferência, direta e indireta, de renda para as massas venezuelanas seriam "revistos", o que as jogariam de volta a sua histórica exclusão.
No campo geopolítico, a Venezuela regrediria a sua secular dependência dos EUA, que voltariam a se apropriar, de forma praticamente monopólica, da exploração das reservas de hidrocarbonetos. Com isso, os vastos interesses da China e da Rússia naquele país seriam muito afetados, o que acarretaria o risco de uma internacionalização do conflito interno da Venezuela.
Não se pode descartar, inclusive, a eclosão de uma guerra civil armada, de consequências imprevisíveis.
Para os EUA, esse cenário de caos e violência pouco importaria. Eles não se importam em destruir países e submeter suas populações a sofrimentos indizíveis, desde que possam lucrar com isso. Desde que o petróleo flua livre e barato para suas vorazes refinarias, tudo bem.
Mas é evidente que, para o povo venezuelano e os países vizinhos, que arcariam com o custo humano dessa situação, isso não seria uma solução. Seria uma tragédia.
Desse modo, não há salvação para a Venezuela fora de uma solução negociada e pacífica de seu conflito interno, que minimamente preserve as conquistas sociais e políticas da era chavista e a existência política e física dos bolivarianos. Afinal, essas conquistas pertencem ao povo da Venezuela. Chávez, como Lula, jamais será esquecido.
Antes do golpe de 2016, o Brasil, até mesmo para preservar seus interesses no vizinho e na América do Sul, vinha apostando nessa solução negociada, a única possível.
Agora, por uma fantasia ideológica imposta pelo trumpismo, a direita mais atrasada do planeta, o Brasil se dedica a apostar na violência e na guerra, contrariando nossa tradição diplomática e os princípios constitucionais que regem nossa política externa, antes muito respeitada na região e no mundo.
Hegel dizia que a História nos ensina que os governos nunca aprenderam nada com a História. Sem dúvida, isso se aplica aos governos do EUA e aos governos da direita latino-americana. Sempre acharam que poderiam se impor pela mentira da força e pela força das mentiras. Sempre fracassaram, mas sempre tentam de novo.
Ao final, o que fica na memória popular, o que sempre ficará, é o exemplo de quem realmente fez algo pelo povo. Getúlio, Perón, Allende, Chávez, Lula, esses já entraram no panteão eterno dos heróis do povo. Golpes não atingem o inconsciente coletivo.
Já os que os combateram, quem se lembra deles com admiração? Ninguém, ou quase ninguém. Terão, merecidamente, mil anos de solidão.
E derrubar Maduro na adiantará nada.
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