Acusação contra estudantes divide juízes

"Dos 3 magistrados que examinaram a acusação contra 21 estudantes acusados de formar uma 'associação criminosa' para promover atos de violência e vandalismo, dois se manifestaram contra a denuncia policial," escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247.  "Enquanto os maiores de idade enfrentam o risco de uma condenação a 9 anos, as três acusadas que eram menores de foram inocentadas pela Vara de Infância e Adolescência." O julgamento tem início neste sábado, "com base num relatório policial onde o nome do capitão Willian, agente infiltrado no movimento, sequer é mencionado", escreve PML



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Quem tiver dúvidas sobre o caráter político e superficial da denúncia contra 18 jovens que começam a ser julgados a partir desta sexta-feira, no Fórum da Barra Funda, arriscados de pegar uma pena de 9 anos em função da acusação de “associação criminosa” e de “corrupção de menores”, precisa prestar atenção ao que diz uma sentença sobre três menores que respondiam ao mesmo processo e foram inocentados pelos mesmos fatos e acusações.  

Assinada em maio pelo juiz Edberto de Almeida Penido, da Vara da Infância e da Adolescência, a decisão confirma, ponto a ponto, as alegações formuladas pelos advogados que defendem os 18 rapazes e moças que ficaram presos por 24 horas em 4 de setembro de 2016, quando se preparavam para comparecer ao primeiro grande protesto após a confirmação do impeachment de Dilma Rousseff pelo Senado, em 31 de agosto.

(Você pode ver a reação emocionada de dois pais dos estudantes diante da sentença da Vara da Infância aqui, num vídeo da TV 247).

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A contradição absoluta entre a decisão da Vara de Menores e a decisão da juíza Cecilia Pinheiro da Fonseca, que resolveu dar prosseguimento à denúncia enquanto Edberto de Almeida Penido optou pelo arquivamento, não diz respeito a filigranas eruditas do universo jurídico que frequentemente empolgam o mundo do Direito. Tem impacto direto tanto sobre o debate específico que envolverá os depoimentos no Fórum da Barra Funda, como sobre questões gerais que envolvem os direitos da juventude e a preservação das garantias fundamentais previstas na Constituição.

A sentença sobre as menores -- as detidas com menos de 18 anos eram três adolescentes --  nega, por falta de qualquer prova, eles tenham cometido crime de “associação criminosa”. Não é preciso pensar muito para constatar que, pela lógica, esta conclusão derruba metade da denúncia contra os 18 maiores, que diz respeito à “corrupção de menores”, crime que implica em até 4 anos de prisão.

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Basta recordar que a denúncia original não fala de duas ou mais organizações criminosas para reconhecer que, pela lógica, a acusação de formar "associação"  destinada a cometer atos de "vandalismo e violência" também fica prejudicada pela conclusão da Vara da Infância e Adolescência, que tem a obrigação de zelar pelos direitos e necessidades dos supostos corrompidos.        

A promotora Mariana Apparício de Feritas Guimarães produziu um lúcido documento de quatro páginas, que serviu de base para a decisão do juiz da Vara da Infância e Adolescência. Ela sustenta que a apuração não conseguiu provar o ponto principal – a tese da “associação criminosa” destinada a promover atos de “vandalismo e violência”.

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Lembrando que os adolescentes nunca deixaram de reconhecer que se organizavam para participar de uma “manifestação popular”, o que é um direito de todo brasileiro e toda brasileira, ela dá razão aos argumentos da defesa ao afirmar, de modo taxativo, que “os elementos constantes do inquérito policial não apontam que as adolescentes faziam parte de alguma organização criminosa, já que não há prova de que possuíam relação estável e permanente entre si e com os imputáveis, com a finalidade de cometer crimes”. 

Numa passagem que, sutilmente, sublinha o ambiente politizado da denúncia, a promotora menciona que -- num dos anexos de uma acusação policial --  foram incluídos artigos tanto do conservadorismo culto de Reinaldo Azevedo como do reacionarismo vulgar de Kim Kataguiri, corneta de argumentos abertamente fascistas.

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O ponto de vista da Vara da Infância não é novo no caso nem ponto fora da curva no Judiciário em geral. Na pura matemática, dos três magistrados que examinaram o caso, em fases diferentes do processo, 2 assinaram decisões favoráveis aose estudantes.

Em 5 de setembro de 2016, quando determinou a soltura dos 18 jovens presos no DEIC, onde chegaram a ser mantidos sem assistência de advogado, o juiz de Custódia Rodrigo Tellini Aguirre de Camargo assumiu uma postura na mesma direção: 

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-- A prova do auto de prisão em flagrante é de que todos os detidos estavam pacificamente reunidos para participar de uma manifestação pública, nenhum objeto de porte proibido foi apreendido. 

A base da denúncia contra os 18 jovens que serão julgados no Fórum é o relatório do delegado Fabiano Fonseca Barbeiro, do DEIC. Num documento de 74 páginas, o delegado dedica perto de 20% de seu espaço a especulações sobre a necessidade do país alterar as garantias constitucionais que asseguram a plena vigência do direito de manifestação que, após a Carta de 1988, tornou-se um direito soberano.

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Pela lei em vigor, elaborada num país que encerrava duas décadas de ditadura militar, ninguém precisa pedir autorização para realizar uma manifestação política. Só deve comunicar local e hora às autoridades – garantia que impede que uma garantia constitucional seja submetida aos humores e artimanhas do aparato policial.

Em várias passagens do relatório, o delegado Fabiano deixa clara sua insatisfação com a lei em vigor, sugerindo que prejudica a defesa “da ordem pública e da paz social”. Na mesma toada, o delegado menciona mais de uma dezena de projetos de lei em discussão no Congresso que pretendem modificar a situação.

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Mesmo quem considerar esse debate procedente deve reconhecer que o local natural para uma discussão dessa natureza deve ser o próprio Congresso, espaço político adequado para o debate e modificação de leis. Quem sabe uma Assembleia Constituinte, a ser convocada para reconstruir nossa democracia.

Só não deve ser um relatório policial, cuja finalidade se destina a apontar inocentes e culpados numa denúncia concreta, aqui e agora, que deve ter a legislação em vigor como parâmetro exclusivo. Em qualquer caso, é a liberdade, o direito de cada ser humano, que está em jogo – e não a chance de fazer avançar, ou recuar, determinada ideia política.  

Ao misturar as duas coisas, o delegado produziu um relatório no qual é difícil separar o que são fatos e denúncias concretas e afirmações que apenas refletem uma vontade política de reduzir um ambiente de liberdade que o autor considera desmedido, e mesmo prejudicial ao conjunto da sociedade. Numa análise fria, é difícil deixar de reconhecer que este é o problema de fundo da denúncia levada ao Fórum.

Num aspecto escandaloso, o relatório policial simplesmente ignora a presença do capitão do Exército Willian Pina Botelho, oficial da área de inteligência que se infiltrou entre os estudantes e, conforme o depoimento destes, teve um papel típico de agente provocador.

Foi o capitão Willian, que usava o pseudônimo de Balta, quem articulou uma reunião no Centro Cultural Vergueiro, onde os meninos e meninos eram aguardados por dezenas de soldados da PM escondidos no lugar, inclusive atrás de arbustos. Saíram de lá para passar uma noite na prisão.  

Quem procurar pelos traços do capitão no inquérito encontrará uma remota referência a um “popular” sem nome nem qualquer outra identificação, que teria alertado os policiais para a presença de um grupo “suspeito” no Centro Cultural. 

Os advogados da defesa conseguiram que o capitão fosse chamado a prestar depoimento no julgamento. Já promovido a major, Willian/Balta não estará presente. Vai falar por carta precatória, instrumento perfeitamente legal. O detalhe é que oferece à testemunha maiores possibilidades para evitar questões difíceis.

A atuação de Willian/Balta como agente provocador, produziu as prisões e deu a narrativa que alimentará o julgamento. No plano jurídico, contudo, restou um fiasco essencial. Ele saiu de cena sem produzir uma única prova consistente contra um grupo de 21 jovens – somando maiores e menores – que deveriam ser acusados de praticar atos de violência e vandalismo. Os estudantes foram presos antes do protesto. Quer dizer que, se planejavam algum ato fora dos padrões, esse projeto nunca passou do plano das intenções atribuídas – pois não se prova sequer que tivessem feito planos a respeito.   

Uma barra de ferro, inicialmente apontada como principal instrumento de ataque dos jovens, é denunciada como típica “prova plantada”, recurso frequente na falta de indícios concretos. Nem a mochila onde ela seria transportada pertence ao estudante acusado de pretender fazer seu uso sabe-se lá contra quem, quando – mas a outro jovem, que assumiu a propriedade na frente de todos os colegas no momento em que foram presos. Quanto a barra de ferro, os estudantes garantem que não passa da perna de uma banqueta velha do Centro Cultural.   

Não surpreende, assim, que há um ano, quando determinou a soltura dos 18 jovens aprisionados, o juiz Rodrigo Tellini Arruda de Camargo tenha dito que o “ Estado Democrático de Direito não pode legitimar a atuação policial de praticar verdadeira ‘prisão para averiguação’ sob o pretexto de que estudantes reunidos poderiam, eventualmente, praticar atos de violência e vandalismo em manifestação ideológica”. O juiz ainda acrescentou: ”Esse tempo, felizmente, já passou”.

Essa reação deu aos jovens e seus pais a convicção de que o caso caminhava para o arquivamento. A sequência do julgamento mostra que, mesmo com uma Justiça dividida, terão uma batalha longa e injusta pela frente.

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