Ação de Temer contra fake news é censura, diz historiadora

Anunciada pelo ministro da Defesa Raul Jungmann, a proposta de formar um grupo de trabalho para monitorar fake news é repudiada pela professora da USP Maria Aparecida de Aquino, que tem uma carreira acadêmica dedicada a pesquisas sobre a censura durante o regime militar; "O nome disso é censura," diz ela; "Quem tem a vara de condão para dizer o que é falso ou verdadeiro numa campanha eleitoral?", questiona, lembrando o artigo 5 da Constituição que assegura a "livre expressão independentemente de censura ou licença"

Anunciada pelo ministro da Defesa Raul Jungmann, a proposta de formar um grupo de trabalho para monitorar fake news é repudiada pela professora da USP Maria Aparecida de Aquino, que tem uma carreira acadêmica dedicada a pesquisas sobre a censura durante o regime militar; "O nome disso é censura," diz ela; "Quem tem a vara de condão para dizer o que é falso ou verdadeiro numa campanha eleitoral?", questiona, lembrando o artigo 5 da Constituição que assegura a "livre expressão independentemente de censura ou licença"
Anunciada pelo ministro da Defesa Raul Jungmann, a proposta de formar um grupo de trabalho para monitorar fake news é repudiada pela professora da USP Maria Aparecida de Aquino, que tem uma carreira acadêmica dedicada a pesquisas sobre a censura durante o regime militar; "O nome disso é censura," diz ela; "Quem tem a vara de condão para dizer o que é falso ou verdadeiro numa campanha eleitoral?", questiona, lembrando o artigo 5 da Constituição que assegura a "livre expressão independentemente de censura ou licença" (Foto: Paulo Moreira Leite)


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Anunciada em Brasília em clima de providência cívica, a formação de um grupo de trabalho dedicado a monitorar a divulgação das chamadas fake news no ano eleitoral de 2018 não passa de uma nova versão para uma velha inimiga da liberdade de expressão -- a censura.

"Isso é censura e não pode haver dúvida nenhuma a respeito," alerta, em entrevista ao 247,  professora Maria Aparecida de Aquino, do curso de pós-graduação de História Contemporânea da Universidade de São Paulo, e uma tese sobre a censura durante o regime militar: "Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978).

"Quem tem a vara de condão para dizer o que é falso e o que é verdadeiro? ", questiona a professora, colocando o problema básico num país onde a Constituição diz, de forma límpida e enfática, no parágrafo IX do seu artigo 5 que: "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

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No Brasil de 2018, num país dividido e polarizado, não faltam questões que podem ser tratadas como fake-news pelas partes interessas em ganhar o debate no tapetão -- a começar pela noção essencial de que o impeachment de Dilma foi um golpe. 

Vamos esclarecer um ponto básico. Com exceção de malfeitores profissionais e seus patrocinadores, ninguém pode ser favorável a divulgação de notícias falsas. Os prejuízos que causam a vida em sociedade e a reputação das pessoas são imensos, injustos e duradouros. São uma forma de corrosão da democracia. 

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O problema é que o combate às fake news não pode servir de cobertura para ações de censura judicial, que tenta condicionar a discussão política e viola princípios elementares da liberdade e do direito. Esta é a questão. 

A divulgação da operação pelo Estado de S. Paulo produziu um fato cômico: uma "fake fake news", ou falsa notícia falsa, que mostra a delicadeza da discussão, como aponta a historiadora. Como argumento para justificar o grupo de trabalho, o jornal escreveu que "em 2014 a corrida eleitoral já havia sido influenciada pelas notícias falsas"e deu um exemplo:"Boatos sobre o Bolsa Família atingiram a então presidente Dilma, levando centenas de beneficiários a agências da Caixa Econômica". Fake: o episódio com uma notícia falsa sobre a Caixa Economica ocorreu, mas em maio de 2013, isto é, um ano e cinco meses antes das eleições.

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A grande fake news de 2014 nasceu na VEJA e foi espalhada as vésperas do segundo turno. Com a manchete "Eles sabiam", a revista sustentava que havia uma delação na qual o doleiro Alberto Yousseff denunciava de forma definitiva o envolvimento de Lula e Dilma nos esquemas da Petrobras. Fake, fake, fake. 

Coordenado pelo ministro Luiz Fux, vice-presidente do TSE, o grupo de trabalho estará a participação do Ministério da Defesa, da Policia Federal e da ABIN, organismos onde a investigação policial anda de braço com questões de natureza política. Ouvido pelo Estado de S. Paulo (31/10/2017) o ministro Raul Jungmann disse: "é da maior importância essa questão dos crimes cibernéticos relativos a eleição e resultados eleitorais". 

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Basta recordar o caráter particularmente decisivo do pleito de 2018, com tantas tensões à vista --a começar pelas perseguição judicial a Lula -- para entender o alcance da discussão em curso. Outro ponto a considerar é o caráter da mídia como um monopólio do ponto de vista da propriedade econômica e também do pensamento único. 

Crítica da proposta, Maria Aparecida de Aquino fez toda a formação acadêmica em pesquisas sobre a censura durante a ditadura militar, tema de suas teses de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Comparou a ação de censores no Estado de S. Paulo, que apoiou o golpe militar e só foi atingido depois do AI-5, enfrentando o monitoramento regular de suas páginas, com o trabalho no Movimento, criado em 1975 por jornalistas de esquerda liderados por Raimundo Pereira, censurado já no número zero.

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"Mais uma vez estamos diante de uma cortina de fumaça, uma brecha que pode abrir uma porta e dar espaço para todo tipo de abusos que já enfrentamos no passado," diz ela. Para a historiadora, "este é um traço característico do golpe que derrubou Dilma. Tudo é feito numa tentativa de manter as aparências, para evitar que as pessoas comuns tenham consciência do que está acontecendo".

A censura à imprensa assumiu várias formas durante o regime militar em nome de um argumento básico. Alegava-se que uma parcela da gigantesca massa de notícias que transitam pelos meios de comunicações deveriam ser impedidas de chegar ao público porque prejudicavam a chamada "segurança nacional". Era um conceito convenientemente vago, capaz de ser usado para justificar decisões que poderiam mudar de uma hora para outra, ao sabor de circunstâncias diferentes, pois, na prática, apenas sua utilidade era impedir a divulgação de informações desagradáveis para uma que tinha necessidade permanente de reafirmar sua superioridade sobre os regimes democráticos. A censura ajudou a esconder um surto de meningite. Encobriu crises periódicas de abastecimento -- como uma dramática falta de carne nos açougues de São Paulo -- e como regra vetava notícias sobre conflitos sociais. Também dissimulou divergências no mundo político, em particular conflitos internos do regime disputas entre empresários.

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Acima de tudo construiu uma rede de mentiras e segredos em torno dos crimes do aparelho de repressão que perseguia, torturava e executava adversários. Neste terreno, a veracidade daquilo que os jornais eram instruídos a publicar envolvia uma noção flexível de verdade e mentira, que incluía uma versão pioneira de fake news. Dois exemplos. Quando o deputado e empresário Rubens Paiva foi morto, massacrado pela tortura, os jornais publicaram um comunicado no qual se dizia que conseguira escapar das forças de segurança com ajuda de um grupo. A morte do jornalista Vladimir Herzog chegou a ser ilustrada por uma foto gentilmente oferecida às redações para alimentar a farsa de que havia sido um suicídio.

"A pesquisa contrariou a visão mais comum sobre o trabalho dos censores", diz Maria Aparecida de Aquino. "Costumava-se dizer que eles eram pessoas despreparadas, que não tinham noção do que estavam lendo e do que queriam proibir. O levantamento mostrou contrário: tinham uma orientação definida para atuar em cada veículo. Sabiam o que estavam fazendo. No Estadão, a prioridade era proibir notícias de Brasília, envolvendo o noticiário político. No Movimento, bastante ocupado com a luta dos trabalhadores e camponeses, a maioria do material censurado envolvia conflitos sociais e organizações populares".

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O debate tem origem nas investigações realizadas em Washington após a eleição de Donald Trump mas já envolveu um primeiro ensaio em Brasília. Quando a Câmara de Deputados fez a discussão final sobre as regras da campanha eleitoral, surgiu uma proposta que permitia a retirada em 24 horas, sem decisão judicial, de "mensagem contendo discurso de ódio, informações falsas ou ofensa" contra partidos ou candidatos. Em função da reação dos grandes meios de comunicação, a proposta foi -- corretamente -- retirada. Renasce agora, numa época da vida brasileira na qual "decisões de natureza política se fazem através da Justiça", afirma Maria Aparecida de Aquino. "É mais uma afronta a nossos direitos num país onde esse tipo de coisa está se tornando cada vez mais comum".

Pelas regras da lei 13.188, que regula o Direito de Resposta no país, o prazo para uma publicação atender a queixa de uma pessoa atingida é de 60 dias. Muito longo numa campanha eleitoral e mesmo na vida real. Tanto é assim que a maioria dos conflitos dessa natureza -- que envolvem a honra, o direito a imagem ou a intimidade de uma pessoa -- costumam ser resolvidos em ações extrajudiciais, que permitem acordos sem a intervenção de um juiz. Fora isso, a retirada de uma notícia inconveniente -- falsa ou não -- é para quem pode.

O receio óbvio, em 2018, é que a caça das fake-news sirva de pretexto para uma intervenção judicial na campanha eleitoral.

"Se nós tivéssemos uma mídia democrática e plural, enquanto a justiça faz seu trabalho a notícia falsa de um veículo já seria contestada no dia seguinte pelo outro," afirma Maria Aparecida de Aquino. "O público estaria corretamente informado para avaliar". 

Em fevereiro de 2017, num episódio que está longe de ser o único, Marcela Temer, mulher do presidente da República, conseguiu que a Folha e do Globo fossem obrigados a apagar de seus sites reportagens sobre uma tentativa de extorsão de um hacker contra ela. O juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, da 21a. Vara Cível de Brasília, alegou que a medida era necessária para garantir a inviolabilidade da intimidade de Marcela Temer. 

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