Ação de Mauat contra o Blog: tiro no pé com dados revelados
O delegado federal Eduardo Mauat, ex-membro da Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba – hoje assessor da Secretaria Nacional de Justiça do ministro da Justiça, Sérgio Moro, sofreu nova derrota na ação que tentava condenar o Blog Marcelo Auler por considerar que reportagem sobre ele foi injuriosa, caluniosa e difamatória. A Justiça rejeitou a ação "por considerar que não houve crime" e "com isso, a Justiça confirmou a veracidade de todos os dados que divulgamos na reportagem", destaca o jornalista Marcelo Auler
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Por Marcelo Auler, em seu Blog e para o Jornalistas pela Democracia - A tentativa do delegado federal Eduardo Mauat da Silva de punir este Blog com uma ação de indenização por possíveis crimes de injúria, calúnia e difamação, como noticiamos em 11 de junho de 2018 – Questionado, DPF Mauat, ex-Lava Jato, processa o Blog – acabou resultando em um tiro no próprio pé.
Além de o processo no Juizado Especial Cível de Santa Cruz do Sul (RS) ter sido rejeitado por o juízo entender serem verídicas as informações publicadas na reportagem Delegado Eduardo Mauat: foi por ideologia ou pelas diárias?, a justiça obrigou o Departamento de Polícia Federal (DPF) apresentar dados que o delegado e a sua corporação gostariam de manter em sigilo: os valores das diárias pagas ao servidor enquanto atuava junto à Lava Jato em Curitiba.
Diante da cobrança do juízo, provocado pelo advogado Antônio Carlos Porto Júnior, do escritório Direito Social, de Porto Alegre, que nos defendeu gratuitamente em nome do princípio da Liberdade de Imprensa, o então Coordenador Regional de Combate ao Crime Organizado da Superintendência do DPF no Paraná, delegado Igor Romário de Paula, hoje na diretoria da Divisão de Combate ao Crime Organizado (DCOR) do DPF, em Brasília, viu-se obrigado a revelar o que a Polícia Federal, o ministério da Justiça e a própria Controladoria Geral da União – CGU, tentaram esconder do jornalista.
Segundo o ofício/resposta de Romário de Paula, entre 2014 e 2016, para que Mauat continuasse na Força Tarefa da Lava Jato de Curitiba lhes foram pagas 521 diárias (50, em 2014; 323, em 2015; 128, em 2016) que lhe renderam um total de R$ 93.489,80.
Diárias ajudaram na hospedagem dos cães
Estes R$ 90 mil nominais, sem a devida correção monetária, hoje correspondem a três vezes o salário mensal de um delegado federal classe especial (R$ 30.936). Em janeiro de 2015 o salário era ainda menor: R$ 22.805. Ou seja, em 21 meses, entre outubro de 2014 e 1 de julho de 2016, o delegado recebeu 26 salários atuais, incluindo os 13º de 2014 e 2015. Nos valores da época, foram ainda mais salários. Em 2015, por exemplo, os R$ 60 mil que recebeu correspondiam a 2,66 salários da época de um delegado especial. Nada mal, para quem, na realidade, continuou trabalhando onde já estava lotado.
Mauat, como explicamos na reportagem contestada por ele, foi quem pediu, no início de 2014, sua remoção de Curitiba para a delegacia de Santa Cruz do Sul. Apesar de transferido – a pedido próprio, repita-se -, permaneceu em Curitiba.
Coincidência ou não, a transferência foi pedida após terminar uma relação com a delegada Erika Mialiki Marena. Mas na ação que impetrou contra o Blog ele justificou seu ingresso no Concurso de Remoção alegando que desde a sua entrada na Polícia Federal, em 1999, “nunca tinha sido lotado no seu estado natal”. Lembrou ainda que tem “pais idosos e residente no Rio Grande do Sul”. Apesar disso, dez dias depois de ser oficializado naquela delegacia, ele retornou à Curitiba, convocado para auxiliar na Força Tarefa. Passou então a, legalmente, ter direito a diárias.
Como expôs em petição acostada ao processo em maio passado, sua permanência em Curitiba “se deu em virtude da necessidade e interesse do serviço e não visando a satisfação de vontade própria, como alegou o Réu na matéria publicada”. Algo que jamais afirmamos. Respaldou-se no ofício de Romário de Paula explicando a necessidade de ele ficar na Força Tarefa. Mauat, alegou ainda que a sua manutenção na Operação Lava Jato lhe trouxe despesas extras. Como as diárias pagas em veterinárias para seus cães. No documento ele explica:
“Ainda, como um dos cães estava doente e teve de permanecer em Curitiba (veio a falecer em 2016), teve de desembolsar o custo de hospedagem de dois cães em Santa Cruz e um em Curitiba. Por certo que o Autor não “enriqueceu” com o fato de ter que permanecer em Curitiba, pelo contrário, a extensão da permanência do Autor na cidade de Curitiba trouxeram-lhe prejuízos materiais e pessoais”.
“Empréstimo” de Mauat custou R$ 149 mil ao DPF
Apesar de todas as justificativas oficiais e de o valor da diária paga pelo DPF ser relativamente baixo em comparação a de outros servidores – em torno de R$ 180,00, quando no Ministério Público Federal corresponde a 1/30 do salário, chegando aos R$ 1 mil por dia de viagem – não deixa de ser curioso o fato de um servidor ser transferido a pedido e depois permanecer onde estava recebendo diárias. Em especial ao se saber, como o próprio Mauat alardeou no vídeo que postou nas redes sociais que “há várias pessoas capacitadas dentro do Departamento que podem dar sequência a este trabalho”.
Na reportagem contestada, em momento algum falamos que ele enriqueceu. Apenas e tão somente, atendendo à sua própria sugestão no vídeo em que conclamou a todos a questionarem as autoridades, nós lhe apresentamos uma pergunta: “Delegado Eduardo Mauat: foi por ideologia ou pelas diárias?”
A curiosidade aumenta quando se constata, tal como afirmamos na reportagem contestada e o ofício de Igor de Paulo confirma, que ao mesmo tempo em que pagou diárias a Mauat para ficar no Paraná, o DPF teve que arcar com diárias para delegados do Paraná irem trabalhar na delegacia de Santa Cruz do Sul, local onde Mauat foi lotado a seu pedido, mas não permaneceu trabalhando. No serviço público chamam de “diárias cruzadas”.
A remoção dele, a pedido, foi determinada em 13 de outubro de 2014. Porém, 10 dias depois, a pretexto da convocação para auxiliar na Força Tarefa de Curitiba, retornou para a capital paranaense onde permaneceu trabalhando na Operação Lava Jato até 1 de julho de 2016.
Por decisão do então diretor-geral do DPF, Leandro Daiello Coimbra, ele se viu obrigado a (re)assumir seu posto na delegacia de Santa Cruz do Sul (RS).
Até então, entre a remoção oficial em 13 de outubro de 2014 e a ordem para retornar à sua nova lotação, se passaram 624 dias. Neste período, Mauat permaneceu fora da nova cidade onde tinha optado para morar por nada menos do que 521 dias. Restaram-lhe, teoricamente, 123 dias, incluindo-se aí os períodos de férias, para o trabalho no novo posto.
Por conta da decisão de Brasília é que Mauat recorreu ao vídeo veiculado pelo canal do movimento NasRuas. Na sua fala, omitiu que durante este período em que foi “convocado” para reforçar a Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba fez jus às diárias que, repetia-se, foram pagas legalmente. Mas de legitimidade questionáveis não só por ele ter continuado trabalhando onde já estava. Também pelo pagamento de outras diárias a delegados do próprio Paraná que foram enviados ao Rio Grande do Sul para trabalhar onde ele deveria prestar serviços. Seria ele imprescindível? Insubstituível?
No período em que Mauat deixou a nova delegacia para onde foi transferido, a seu pedido, para ficar em Curitiba, estes delegados foram à enviados à Delegacia Federal de Santa Cruz do Sul a “entre 2014, 2015 e 2016, em diferentes momentos e por período variados”, a título de “suporte de outras unidades do Paraná para auxílio nas atividades cartorárias e investigativas” daquela unidade policial.
Essa foi outra omissão dele no vídeo postado nas redes sociais. Ali ele não mencionou também que R$ 56.063,91 foram pagos pelo Departamento de Polícia Federal (DPF), como diárias, a sete delegados, de Curitiba e de Maringá (PR), tal como expos o quadro acima, elaborado pelo delegado Romário de Paula, ao responder aos questionamentos feitos pelo Blog e apresentados em juízo pelo advogado Porto Júnior.
Ou seja, por conta do “empréstimo” de Mauat à Força Tarefa, o DPF desembolsou R$ 149.553,71 em diárias ao próprio, que permaneceu trabalhando onde estava, e aos delegados que deixaram o Paraná para trabalhar em Santa Cruz do Sul,
Mauat só decidiu recorrer à Justiça contra o Blog 21 meses depois de nossa postagem. A reportagem foi feita após a iniciativa dele, em meados de 2016, de recorrer às redes sociais para incitar a população a questionar as autoridades sobre um possível desmonte da Força Tarefa. Reclamava da sua dispensa, mas não explicava que ele mesmo, no inicio de 2014, foi quem pediu para ser removido de Curitiba para o Rio Grande do Sul. Nem falava dos pagamentos de diárias.
Na inicial da ação, ele e sua advogada, Márcia Eveline Mialiki Marena – irmã da delegada federal Erika Mialiki Marena – alegaram que a reportagem era injuriosa, caluniosa e o difamava, motivada pela sua atuação na Operação Lava Jato. Em decorrência, pediram a indenização máxima permitida em Juizado Especial: 40 salários mínimos (R$ 37.480). Mas, em momento algum, eles desmentiram os fatos ali narrados. Nem justificaram onde o ataque à atuação dele.
Deram a interpretação que quiseram sem conseguir comprová-la. Mas foram muito bem contestados pela defesa preparada pelo advogado Porto Júnior, gratuitamente, repita-se, em nosso favor. Ele mostrou que os argumentos dos dois eram imprecisos e irreais:
“A matéria não decorre da atuação do autor no Grupo de Trabalho da Operação Lava Jato. Antes, se origina da saída dele e, sobretudo, de sua extremada e inusitada reação pública contra a decisão de seus superiores.
Tanto é assim, que o próprio proponente da ação, no item 8 da parte expositiva de sua petição inicial, admite que “diversos foram os delegados que compuseram a equipe de investigação da Lava Jato na mesma condição do autor, ou seja, recrutados em missão para permanecer extraordinariamente em Curitiba, no entanto, o réu tratou de atacar apenas o autor e apenas após 2016, coincidentemente após o autor ter se manifestado publicamente sua discordância com a decisão da Administração Geral Federal em Brasília em diminuir drasticamente e (sic.) equipe de investigação, quando a demanda de trabalho se avolumava“, contestou Porto Júnior, acrescentando:
“Ora, o autor se torna personagem da matéria exatamente por sua reação pública e inusitada. Ele virou notícia. Sua reação virou notícia. Aviões que decolam e pousam, salvo quando transportam algum passageiro especial, não são notícias. Quando caem, são. O inusual é notícia; o ordinário, não. O comportamento do autor foi extraordinário. Sua conduta – sobretudo a forma explícita, espalhafatosa, desafiante, com largo uso das redes sociais – despertou curiosidade da opinião pública; o autor obteve o que buscou: tornou-se notícia. 1.3.1. Em um vídeo, ata notarial anexa, o próprio autor incentiva a sociedade a perguntar, questionar, interagir, reclamando do havido“.
No transcorrer do processo, durante a audiência de instrução, em 10 de junho de 2018, Mauat ainda apresentou a inusitada e desatinada proposta de retirar a ação caso aceitássemos fechar o Blog e revelar nossas fontes dos bastidores da Operação Lava Jato. Tudo como fizemos constar da ata da audiência o que por nós foi noticiado, quatro dias depois (20/06/18) em: DPF Mauat quer fechar o blog e conhecer nossas fontes.
Mais uma vez, porém, o Poder Judiciário confirmou a veracidade das informações veiculadas por este Blog. Em decisão proferida em 16/12 (segunda-feira), o Juizado Especial Cível Adjunto – Santa Cruz do Sul (RS) rejeitou a Ação Civil movida pelo delegado da Polícia Federal Eduardo Mauat, ex-membro da Força Tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba.
A sentença da juíza leiga Gabriela De Monte Baccar Pilz, homologada na íntegra pelo juiz de Direito Jaime Alves de Oliveira, derrubou todas as acusações elencadas no pedido inicial assinado pela advogada de Mauat. No entendimento dos juízes, “a matéria divulgada abordou situações que ocorreram (remoção, recrutamento à Operação, substituição na Delegacia em que estava lotado e percebimento de diárias), sem ultrapassar os limites impostos à liberdade de expressão, bem como não apresentou nenhum conteúdo difamatório, injurioso ou calunioso à pessoa do Demandante“.
A decisão prossegue: “Depreende-se da reportagem uma matéria voltada acerca da legalidade ou não do percebimento de diárias, quando o Demandante já havia sido removido para Santa Cruz do Sul e também passou a atuar na Operação Lava Jato, concomitantemente.
Ou seja, em nenhum momento a matéria demonstra que o Autor tenha cometido alguma ilegalidade, pelo contrário, explica que o percebimento de diárias é legal.
Assim, o que é questionado efetivamente na matéria é acerca da suposta (i)moralidade do recebimento destas diárias quando houve remoção para outra Delegacia.
Além disso, consta na matéria que esta situação é vivenciada por vários servidores, sendo o Autor mais um exemplo, mas a matéria não ataca em nenhum momento a sua honra ou imagem, de forma que justifique alguma eventual condenação”.
A juíza leiga ainda ressalta o direito constitucional à liberdade de Expressão ao afirmar que a reportagem do Blog: “apenas faz questionamentos dentro do seu direito de informação e expressão“. E conclui que, “não sendo cumpridos os requisitos ensejadores da responsabilidade civil, não há falar em indenização por danos morais, motivo pelo qual improcede este pedido“.
Compromisso com os leitores – Tal como já afirmamos em outras oportunidades, o Blog reconhece o direito de todo e qualquer cidadão questionar o conteúdo de qualquer das reportagens que fazemos. Nos cabe o dever de provar que o que divulgamos é verdadeiro. Porém, sabemos também que a Justiça tem sido utilizada como forma de pressionar jornalistas para tentar intimidá-los. Processos como estes geram não apenas custos, mas trabalho e roubam tempo do nosso exercício diário de reportar.
Mesmo contando com a ajuda de advogados como Porto Júnior, que assumem gratuitamente causa em nome da defesa do Estado Democrático de Direito no qual a Liberdade de Expressão é fundamental, tais ações geram despesas de deslocamento – tivemos que ir à Santa Cruz do Sul em duas oportunidades – despesas cartorárias – para a elaboração de Atas Notariais, por exemplo – assim como na busca de documentos. São gastos para jornalistas independentes que vivem da contribuição de seus leitores, como nosso caso.
O Blog, porém, jamais se intimidará com tais percalços. Continuará fazendo seu trabalho de informar, da melhor forma que for possível, seus leitores. Exercerá o direito à Liberdade de Expressão que, na verdade, é um direito de todos os cidadãos de receberem informações honestas e diversificadas. Contra qualquer censura ou intimidação, responderemos sempre de forma firme. Nem deixaremos que tais ameaças nos desencorajem de prosseguirmos no nosso trabalho.
Agradecimentos: Mais uma vez desejamos agradecer ao advogado Antônio Carlos Porto Júnior, do escritório Direito Social, de Porto Alegre. Nesse caso, além de atuar brilhantemente na nossa defesa, também nos serviu de motorista no deslocamento entre Porto Alegre e Santa Cruz do Sul. Estendemos o agradecimento ao Wilson Ramos Filho que nos aproximou de Porto Júnior.
Renovamos ainda nossa gratidão a todos os demais advogados que atuam, pró Bono, na defesa do Blog nos seis processos que respondemos por conta de nossas matérias. Assunto que abordaremos em nova postagem.
Por fim cabe lembrar de todos os nossos leitores e apoiadores solidários com o Blog, com suas leituras, críticas, sugestões e ainda doações financeiras que nos permitem bancar os gastos que ações como estas nos criaram, assim como com a nossa sobrevivência. A todos, desde já desejamos um Feliz Natal e um Ano Novo que venha com as mudanças que todos torcemos, desejamos e lutamos a favor de uma sociedade mais justa, democrática e, principalmente, humana.
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