“Acabou, Porra”

Há muitos vencedores. O primeiro êxito é da democracia, o segundo é de Lula e de todas as instituições que sustentaram o Estado Democrático de direito

Presidente Jair Bolsonaro durante pronunciamento no Palácio da Alvorada 01/11/2022
Presidente Jair Bolsonaro durante pronunciamento no Palácio da Alvorada 01/11/2022 (Foto: REUTERS/Adriano Machado)


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A eleição de 2022 foi um divisor de águas. Os brasileiros escolheram entre a barbárie e a civilização, entre a mentira e a verdade, entre a vida e a morte, entre a ciência e o negacionismo, entre a razão e a crença, entre a democracia e o golpismo, entre a transparência e o secretismo, entre o emprego e a miséria, entre a institucionalidade e a milícia, entre a inclusão e o ódio. Escolhas simples que levaram mais de 60,3 milhões de brasileiros a optar pelos conceitos mais elementares da civilidade, do crescimento da economia e da reinserção do Brasil nas discussões relevantes mundiais. Há muitos vencedores. O primeiro êxito é da democracia, o segundo é do Presidente Lula e de todas as instituições que sustentaram o Estado Democrático de direito. Venceram ainda paz, a tolerância, a verdade, a vida, a transparência, a ciência, a institucionalidade.  A votação histórica do ex-presidente impôs uma inédita derrota do capitão que disputou a reeleição no cargo. Lula derrotou o gabinete do ódio, a máquina financeira do Estado, a milícia, as fakes news e o fascismo.

A eleição presidencial de 2022 diz mais sobre princípios civilizatórios e menos sobre política. De um lado a vida, a transparência, a verdade, a democracia, a luz, o emprego e a dignidade. Do outro a morte, os segredos, a tirania, a escuridão, o desemprego e a fome. O ex-presidente Lula era o último entrave ao projeto fascista que pretendia fincar raízes definitivamente no Brasil em pleno século XXI. Muitos atores políticos se omitiram e não perceberam a gravidade disso, ou não quiseram perceber. Em 2022 assistimos as eleições mais sujas e tóxicas do Brasil com mentiras, fraudes, corrupção, bravatas golpistas, descarada compra de votos oficial, assédios empresariais, laranjas, mortes políticas como no Paraná e no Rio Grande do Norte, milicianos atirando contra a polícia, deputada tresloucada e armada ameaçando adversários à luz do dia, montagem de fraudes para melar a eleição e a Polícia Rodoviária Federal instrumentalizada para impedir os nordestinos de exercerem sua cidadania. O Brasil se libertará do esgoto tóxico chamado Bolsonaro. Passaremos, gradativamente, a viver sem sobressaltos, sustos, bravatas, ameaças, tiro, porrada e bomba.

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A vitória de Lula veio das classes economicamente mais baixas, das mulheres, do Nordeste e do Sudeste, principalmente Minas Gerais. A CPI da Pandemia foi estratégica na desmontagem da imagem de um governo genocida, cruel, desumano, incompetente e corrupto. Ela abriu um rombo na avaliação de Bolsonaro que não conseguiu se recuperar diante das mortes, do atraso e corrupção na compra das vacinas, dos remédios ineficazes, descaso e deboche com a vida, boicote ao distanciamento, às máscaras, enfim a anticiência.  Bolsonaro, que perderá a blindagem do Procurador-geral, Augusto Aras, e do Presidente da Câmara, Arthur Lira, haverá de pagar na Justiça pelos crimes cometidos durante sua gestão porca e indigente. Só a CPI da Pandemia o indiciou por 9 crimes, além dos crimes contra a humanidade, que são imprescritíveis e transnacionais. Ele terá o que negaram ao ex-presidente Lula para fraudar o pleito de 2018: direito ao contraditório, ampla defesa, juízes imparciais e paridade de armas. O bolsonarismo é uma árvore podre. Nada se salva. A agenda do ódio, armamentista, persecutória, golpista e mortal vai para lata do lixo. Os legados são funestos e inapagáveis: mortes, mentira, maus militares, mamata, milícia, miséria, nazismo, golpismo, corrupção e segredos.

A morte

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A pulsão de morte acompanha Bolsonaro. Na pandemia, com mais de 688 mil mortes, desprezou os brasileiros com “e daí?” “Eu não sou coveiro”. O culto à morte, às armas e aos assassinos resume o ideário macabro. Existem mais de 300 declarações, que se converteram em ações, minimizando a Covid-19, sabotando a ciência ou conspirando contra uso de máscara, o isolamento e até boicote às vacinas.  Ao votar contra Dilma Rousseff, Bolsonaro reverenciou Carlos Alberto Brilhante Ustra, síntese do sadismo assassino da ditadura. Na presidência estendeu o tapete vermelho para outro facínora, major Sebastião Curió, comandante da repressão no Araguaia, que resultou em 41 assassinatos. Enalteceu o ditador Alfred Stroessner e Augusto Pinochet: “Pinochet devia ter matado mais gente”, disse o capitão. A psicopatia do extermínio é constante: “Espero que (Dilma Roussef) acabe hoje, infartada ou com câncer”. “Isso é que dá torturar e não matar”, defendeu em junho de 1999. “O grande erro da ditadura foi não matar vagabundos e canalhas como Fernando Henrique”, pontificou em julho de 1997. A campanha de 2018 ficou eternizada pelo gestual da arma e pela vontade manifestada de “fuzilar a petralhada”. Sua existência é tracejada pelo extermínio, pela covardia, pelo desejo de ferir, pela índole de eliminar e pela compulsão em matar. Na campanha um bolsonarista executou um líder do PT. Outro aliado, Roberto Jefferson, atirou contra a PF para matar e a deputada Carla Zambelli correu pelas ruas de São Paulo empunhando uma arma contra um petista negro, desarmado e da periferia.

A mentira

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Reiterar a mentira é um método nazista de desconexão da realidade. O estudo da agência “Aos Fatos”, quantificou a tática de Bolsonaro. Foram 6,9 mentiras por dia. A média ultrapassa o acumulado de inverdades ditas por ele desde a posse, de 4,3/dia. Em 2019, 606 declarações foram catalogadas como inverídicas. Uma média diária de 1,6. Em 2020 foram 1.592 alegações desvirtuadas, ou 4,36 rotineiramente. Já em 2021, nada menos do que 2.516 falas continham informações improcedentes. Apenas sobre a pandemia, o capitão deu 1.278 declarações mentirosas. Os maiores embustes são de que o STF o impediu de trabalhar na pandemia e que as urnas eletrônicas podiam ser fraudadas. Convocou até o corpo diplomático para mentir sobre a urna. As declarações falaciosas sobre os imunizantes também ganharam mais espaço no universo paralelo de Bolsonaro: foram 357 afirmações falsas e distorcidas sobre as vacinas. A campeã em repetições falsas (52 vezes) foi a declaração de que o Brasil é o que mais vacinava no mundo. Sobre economia ele quintuplicou em 2021 a quantidade de declarações irreais. A mentira repetida 58 vezes foi a de que o país criou mais empregos formais em 2020 do que em 2019. Repetiu a farsa para todo o planeta na abertura anual da Assembleia da ONU em 2021. É um mentiroso compulsivo. Apesar de reiterados escândalos de malversação, afirmava que no governo dele não teve corrupção: rachadinhas, barras de ouro e propinas nas vacinas e na Codevasf o desmentem. Na reta final de campanha o desespero engatilhou outra mentira, rapidamente desmoralizada, a de que emissoras de rádio não teriam transmitido as inserções eleitorais de Bolsonaro. As mentiras de Bolsonaro não são inofensivas. Elas mataram.

Maus militares

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Os militares com função gratificada no governo passaram a ganhar além do teto constitucional. Braga Neto, Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno, os que ecoaram as cornetas golpistas, foram alguns dos privilegiados. Eles ainda se beneficiaram de viagras superfaturados e próteses penianas pagas pelo contribuinte.  A ocupação de milicos em cargos de confiança cresceu 193% com Bolsonaro, imaginando que com isso compraria a honorabilidade da instituição. A farra com leite condensado, picanha, cervejas superfaturadas coroam a impudicícia dos maus militares que integraram e ainda integram o governo. Estrela reluzente do caos generalizado é Eduardo Pazuello. Ministro da Saúde no pico da pandemia, foi o responsável pela contratação de R$ 1,6 bi de uma vacina superfaturada, sem testes, nunca entregue. Enquanto desprezava as 170 milhões de doses ofertadas pela Pfizer e Butantan, Bolsonaro pediu em carta a vacina Covaxin. Dois dias antes de Bolsonaro fazer lobby, uma empresa parceira, a Precisa Medicamentos, participava de reuniões na embaixada brasileira em Nova Delhi, afiando as agulhas da corrupção. A empresa pertence a Francisco Maximiano e deu um calote de cerca de R$ 20 milhões no Ministério da Saúde quando Ricardo Barros era ministro. Bolsonaro soube das denúncias pelos irmãos Miranda (um deputado e outro servidor do MS) e cruzou os braços.

O coronel Marcelo Blanco, discutiu a compra de vacinas com um trambiqueiro, recebido inúmeras vezes no Ministério da Saúde. O estelionatário Luiz Paulo Dominguetti, associado a um reverendo e outros malandros, acusou a cúpula do Ministério da Saúde de cobrar propina de 1 dólar por dose na intermediação de 400 milhões de imunizantes da AstraZeneca. Militares também traficaram cocaína no avião presidencial e não puniram Pazuello por uma transgressão militar. Um destemido general disse que tomou a vacina contra a Covid-19 “escondido”. A Casa Civil, quando tocada pelo general Braga Neto, autorizou a nomeação da filha dele para uma gerência na Agência Nacional de Saúde. A filha de Pazuello emplacou no governo do Rio. A filha de Eduardo Villas Bôas ganhou um posto na pasta de Damares. O filho do vice-presidente Mourão teve 2 promoções no Banco do Brasil. Parte das Forças Armadas endossou o discurso golpista contra o TSE. A desonra os acompanhará pelo resto de suas vidas.

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A mamata

Um dos principais apelos da campanha de Bolsonaro em 2018 foi a imagem de homem do povo. O embuste da simplicidade foi amparado pelo marketing “acabou a mamata”. Na campanha de 2022 tentou repetir a farsa posando todo imundo e comendo em um quiosque. A farsa levou o capitão ao camarote da mordomia do Planalto. Além de não trabalhar, enforcar dias úteis, dissipou o dinheiro público e gastou com todas as anomalias que fingiu combater. As férias nababescas entre os dias 18 de dezembro de 2020 e 5 de janeiro de 2021 desbarataram os cofres públicos em exatos R$2,4 mi. Uma queima diária de mais de R$ 140 mil. Nas férias de 2022 foram torrados pelo menos R$ 900 mil dos cofres públicos com as despesas do presidente e de sua comitiva. No cartão corporativo torrou R$ 21 milhões com farras e viagens em 3 anos. São R$ 7 milhões por ano.

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O filho Flávio Bolsonaro comprou uma mansão com rachaduras do alicerce ao teto. O valor do imóvel – R$ 5,97 milhões – é mais que o triplo dos bens declarados pelo senador em 2018. Ao TSE, o patrimônio informado foi de R$ 1,7 milhão: um apartamento, uma sala comercial, 50% da franquia da fantástica fábrica de chocolates, um automóvel e investimentos. A escritura atesta a quitação de R$ 2,8 milhões de entrada e o financiamento bancário de outros R$ 3,1 mi. Houve um incremento de R$ 1,1 milhão no patrimônio em 2 anos. As 3 transferências bancárias para pagar a entrada somam apenas R$ 1,09 milhão dos R$ 2,8 milhões assinalados na escritura como quitados. Todos os irmãos apresentam o mesmo sucesso no banco imobiliário. A opulência dos imóveis do clã desmente a modéstia e, historicamente, foi bancada pelo dinheiro público. A única máscara que Bolsonaro usava, da falsa simplicidade, caiu há tempos. A família enriqueceu enquanto o Brasil empobreceu. São proprietários de 107 imóveis, 51 deles pagos em dinheiro vivo.

Bolsonaro não desbaratou o dinheiro público sozinho. Privatizou o orçamento público a fim de blindar os pedidos de impeachment. O orçamento secreto é um esquema subterrâneo para subornar parlamentares leais, que puderam definir onde seriam aplicados os recursos sem fiscalização. Os alicerces da transparência, impessoalidade e economicidade foram implodidos. Um ex-líder de Bolsonaro no Senado Federal, Francisco Rodrigues, foi flagrado ocultando perto de R$ 30 mil na cueca. Bolsonaro também se filiou ao PL de Valdemar da Costa Neto, um dos presidiários do mensalão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. É uma velha cortesã que, apesar da prisão e do enxovalho público, segue na mamata pública ao lado de fantasmas, como a Wal do Açaí. O ex-presidente da CEF, Pedro Guimarães, enxotado como um tarado público, acumulava 21 conselhos no governo somando R$ 230 mil de salário.

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A milícia

A promiscuidade com a milícia é antiga. Flávio Bolsonaro na Alerj em 2007 fez a defesa dos bandoleiros: “A milícia nada mais é do que um conjunto de policiais, militares ou não, regidos por uma certa hierarquia e disciplina, buscando, sem dúvida, expurgar do seio da comunidade o que há de pior: os criminosos”. O pai respaldou: “Elas oferecem segurança e, desta forma, conseguem manter a ordem e a disciplina nas comunidades. É o que se chama de milícia. O governo deveria apoiá-las, já que não consegue combater os traficantes de drogas. E, talvez, no futuro, deveria legalizá-las”. O pendor por mecanismos paraestatais fundou até uma milícia digital, rastreada pelo STF. Flávio Bolsonaro contratou o PM das ‘rachadinhas’, Fabrício Queiroz. Queiroz era camarada de Adriano da Nóbrega, chefe do Escritório do Crime. Adriano foi condenado por homicídio e o capitão o inocentou no plenário da Câmara. A medalha de Tiradentes a Adriano, outorgada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, foi entregue na cadeia. Tempos depois, o arquivo Adriano foi metralhado. Flávio Bolsonaro empregou em seu gabinete parlamentar a então esposa de Adriano, Danielle Mendonça da Costa, e a mãe dela, Raimunda Veras Magalhães. Os suspeitos pela morte da vereadora Marielle Franco são vizinhos no condomínio de Bolsonaro. Daniel Silveira, que quebrou a placa com nome de Marielle, foi indultado por Bolsonaro, depois de uma sentença de mais de 8 anos de cadeia. Os parentes de Michelle Bolsonaro também são da bandidagem. A avó, falecida, foi encarcerada por tráfico. A mãe respondeu por falsificação de documentos e o tio, João Batista Firmo Ferreira, pegou 10 anos de prisão por integrar uma milícia que vendia lotes ilegais em Brasília. Michele Bolsonaro recebeu R$ 89 mil depositados por Fabrício Queiroz. Indagado sobre a grana, o capitão ameaçou um jornalista: “Minha vontade é encher tua boca na porrada. Seu safado”. Mas a pergunta simples, continua sem resposta.

A miséria

A economia implodiu na gestão Bolsonaro. Anunciado como uma grande astro, Paulo Guedes é um narcisista cego de um espelho imaginário: crescimento em V, PIB privado, qualidade na recessão, semana que vem… são alguns de seus delírios. O teto de gastos foi explodido em nome de uma composição política e a economia desabou na recessão. Gastança eleitoreira e populista. O resultado foi o aumento das contas públicas, maior elevação dos juros, explosão inflacionária, desvalorização do real e o aprofundamento da recessão. A credibilidade de Guedes também desceu ao ralo depois da descoberta de uma offshore com US$ 9,5 milhões nas Ilhas Virgens, onde não paga impostos. Depois de 3 anos de ilusionismo, o saldo da economia foi trágico. A inflação (a maior em 26 anos e quarta no mundo) voltou, a fome ressurgiu, os investidores evaporaram, fábricas fecharam, a dívida pública cresceu, o desemprego sacrificou milhões de pais e mães de família, a renda do brasileiro evaporou, o real foi uma das moedas que mais se desvalorizou no planeta e o Brasil levou um tombo no ranking das economias mundiais. O plano real também foi esquartejado. Guedes é um dos principais responsáveis pelo fracasso do bolsonarismo. Às vésperas do pleito ele confirmou a intenção, caso reeleito, de congelar aposentadorias e o salário-mínimo.

O Nazismo

O que Bolsonaro pensa, diz e faz tem correspondências com o 3 Reich: deslegitimar as instituições, sabotar a democracia, hostilizar a imprensa, culpar a esquerda pelos fracassos, incensar a mitomania, mentir como método, gastar na propaganda de falsidades, pregar o belicismo, a militarização dos cargos civis, estimular a montagem de polícias políticas, de espionagens paraestatais e a disseminação do ódio contra todas as minorias, adversários, pensadores, escritores e a academia. O capitão endossou a selvageria extremista na invasão do Capitólio nos EUA, comandadas por bárbaros ultradireitistas. Em seus porões o governo abrigou eugenistas e supremacistas brancos, além de ter estendido o tapete vermelho para a herdeira do nazismo, a deputada alemã Beatrix Von Storch. A Polícia Rodoviária de Bolsonaro também matou em câmaras de gás improvisadas em camburões. A prática foi elogiada por ele e a vítima chamada de bandido.

A Secretaria de Comunicação da Presidência, então chefiada por Fábio Wajngarten, um dos coordenadores da campanha pela reeleição, produziu uma peça publicitária contra o isolamento em maio de 2020, em plena ascensão da pandemia. Ela foi compartilhada pelo capitão e pregava: “O trabalho, a união e a verdade nos libertará”. Igual à inscrição nazista na entrada do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia: “Arbeit macht frei” (o trabalho liberta). As semelhanças da peça com nazismo são eternas como as câmaras de gás. O ex-chefe da diplomacia ignorante, isolacionista e servil aos EUA, Ernesto Araújo, também foi pressionado a se retratar por comparar erroneamente o isolamento social exigido pela ciência aos campos de concentração. O assessor Felipe Martins também foi flagrado fazendo gestos supremacistas no Senado.

Em janeiro de 2020, ao som do compositor favorito de Adolf Hitler, Richard Wagner, o então secretário de Cultura de Bolsonaro, Roberto Alvim, plagiou trechos de um pronunciamento do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”, tropeçou Alvim em vídeo. Goebbels disse: “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferrenhamente romântica, será desprovida de sentimentalismo e objetiva, será nacional com um grande pathos e será ao mesmo tempo imperativa e vinculante – ou não será nada”.

O golpismo

A índole autoritária foi escancarada no dia 19/4/2020, em frente ao quartel general do exército. O capitão, em uma espécie de teste e transe doentio, disse que não negociaria “nada” e repeliu a “velha política”. Se referia ao centrão, acomodado no poder e remunerado com orçamentos secretos e boquinhas contra o impeachment. No dia 3/5/2020 o capitão afirmou no Planalto ter as forças armadas ao seu lado. Em 22/5/2020, mesmo dia da reunião em que ameaçou intervir, após cogitada a apreensão do celular de Bolsonaro, Augusto Heleno endossou:“…O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. Em 28/5/2020 Bolsonaro trovejou: “Acabou, porra”. Em 27/5/2020, Eduardo Bolsonaro disse que a ruptura era certa. Não era “se”, mas “quando”. Em 17/6/2020 a bravata do capitão atingiu o ápice ao reagir contra a quebra de sigilo de aliados investigados no STF: “Eles estão abusando… está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar”. O capitão se referia ao STF. No dia seguinte Fabrício Queiroz foi capturado e silenciou o toque dos corneteiros da quartelada. O segundo mote da ruptura foi a farsa do voto impresso. Outro golpe frustrado, sustentado para levantar suspeitas infundadas sobre o processo eletrônico, que já conferiu 76 anos de mandatos a toda família Bolsonaro. A tentativa real de quartelada aconteceu em setembro de 2021. O exíguo apoio popular arquivou o golpe. Derrotado, mesmo com a poderosa máquina federal, ainda ensaiou outro golpe com baderneiros bloqueando estradas federais. Fracassou de novo.

A corrupção

Os casos de corrupção se multiplicaram com uma frequência absurda e se amontoaram, empilhando nomes e surrupios inusitados. Os mais estarrecedores estão vinculados ao orçamento secreto. São compras de ônibus escolares superfaturados, tráfico influência dentro do Ministério da Educação em troca de barras de ouro, kits de robótica e caminhões de lixo com sobrepreços assombrosos. O ex-ministro Milton Ribeiro foi preso por corrupção em um governo onde, dizia Bolsonaro, a corrupção inexistia. A oração demoníaca de pastores intermediava favores no Ministério da Educação. Os evangélicos abençoados com acesso privilegiado a diocese satânica eram Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura Correia. Milton Ribeiro, apareceu doutrinando heresias éticas em oferta a Bolsonaro: “Foi um pedido especial que o Presidente da República fez para mim sobre a questão do (pastor) Gilmar”, disse o ex-ministro. Preso no final de junho de 2022, Ribeiro confessou o pecado com os lobistas da pastoral da má-fé. A corrupção na compra dos imunizantes Covaxin e AstraZeneca foi fartamente comprovada pela CPI da pandemia e denunciada nos canais competentes.

O Segredo

O capitão da caserna é devoto das trevas. Tem aversão à luz e ao conhecimento. Vadia no degrau mais abjeto da ignorância, no crepúsculo da civilidade. Quando as labaredas iluminam os ilícitos dele e da família, a saída é golpear a transparência. São inúmeros os expedientes para selar uma opacidade no Brasil e esconder os vestígios delinquentes dos seus parentes e aliados. Empossado, estendeu véu da escuridão, nublando as regras da Lei de Acesso à Informação (LAI). Um ato cinzento ofuscou banalizou o número de pessoas com poder para chancelar o sigilo de dados públicos. O Decreto 9.690/2019 aumentou o número de autoridades que atribuem confidencialidade aos dados antes acessados pela LAI, embaçando a transparência.

No auge da pandemia ensaiaram eclipsar a Lei de Acesso à Informação. O STF cancelou em março de 2020 o trecho da MP 928/20 que suspendia os prazos para resposta dos pedidos da LAI. O plenário do STF referendou a decisão na mesma semana, no dia 30 de março. Frustrado, o governo passou a adotar a ocultação como norma. Assim que Eduardo Pazuello assumiu a Saúde, abortou as entrevistas diárias e deixou de divulgar o balanço diário de infectados e mortes. O Ministério da Saúde passou a esconder os dados oficiais. O boicote estatal à transparência foi substituído por um consórcio de veículos de imprensa que passou a compilar e divulgar os dados sobre a Covid-19.

O Ministério da Saúde colocou sob segredo os expedientes que tratam da aquisição de vacinas da Covaxin, com mais de 20 irregularidades, entre elas corrupção, superfaturamento, pagamentos antecipados e falsificação de documentos. O contrato assinado entre o Ministério da Saúde e a empresa Precisa Medicamentos na intermediação de um negócio de R$ 1,6 bi em vacinas da Índia é um pântano escuro e malcheiroso. Carlos Bolsonaro também foi iluminado em uma reunião no Planalto negociando vacinas da Pfizer. Ninguém explica a participação do vereador, sem cargo no governo, na negociação dos imunizantes. Depois do escândalo, revelado no depoimento do CEO da Pfizer, Carlos Murillo, o governo recorreu à velha tática de eclipsar. Impôs um sigilo secular sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome de Carlos e Eduardo Bolsonaro.

Foi imposto um século de sigilo ao caso do general Eduardo Pazzuello, que participou ilegalmente de atividades políticas. Não são casos isolados. Ao contrário, exibe o expediente das máfias, a Omertá, o código do silêncio. Os trogloditas das catacumbas também classificaram como reservados ou secretos os telegramas diplomáticos trocados entre Brasília e Israel sobre a vexatória viagem para conhecer o spray nasal contra a Covid-19. As informações sobre a viagem do ex-chanceler Ernesto Araújo ao país do Oriente Médio, em março de 2021, serão conhecidas apenas em 2036. São 15 anos de escuridão. Em janeiro de 2021, o governo negou o pedido de acesso à carteira de vacinação do capitão Bolsonaro feito por meio da Lei de Acesso à Informação.

Os malfeitores rodeiam Bolsonaro, os infames o exaltam, os degenerados o louvam, os vis o bajulam, os delinquentes o circundam, os salteadores o protegem, os assassinos o seguem, os fascistas o servem e os golpistas o celebram. Toda horda de facínoras encontrou acolhida no valhacouto bolsonarista. Boa parte dessa súcia será devolvida à sua insignificância, outros conquistaram mandatos, mas serão ofuscados pela vida democrática. A maioria do Brasil disse um sim à vida, à democracia, à solidariedade e repeliu a morte, a mentira, os maus militares, a mamata, a milícia, a miséria, o nazismo, o golpismo, a corrupção, o secretismo e todos os frutos apodrecidos que brotaram nos galhos dessa árvore envenenada. Bolsonaro e sua família terão de se dedicar, cada vez mais, aos processos judiciais. Os brasileiros esperam justiça para esquecê-los. “Acabou, porra”.

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