Abril, o mais cruel dos meses...
"Abril será um mês cruel, talvez não ainda o mais cruel dos meses. Não há nada que traga esperança no curto prazo de 30 dias", escreve a jornalista Tereza Cruvinel. "As elites, que também não aguentam mais o domínio do vírus e o desgoverno do país, parecem dispostas o arrancar o nabo envenenado. Ainda que isso aconteça, não será questão de dias"
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Por Tereza Cruvinel
Abril, o mais cruel dos meses...
Abril, o mais cruel dos meses,
Narcisos nascem da terra morta.
(T.S. Eliot, A Terra Desolada)
Aqui a terra segue engolindo corpos e sobre as tumbas as famílias não podem verter lágrimas e nem depositar gerânios, ou sequer um cravo de defunto. Nem olhar pela última vez o rosto de uma pessoa amada, que parte sema deus. A roupa de viagem é um saco plástico.
Parece conto do dia da mentira mas abril começa com 3.950 mortos. À noite serão mais de 4 000. Abril será um mês cruel, talvez não ainda o mais cruel dos meses. Não há nada que traga esperança no curto prazo de 30 dias.
As vacinas de abril não virão na quantidade necessária, e nem mesmo na quantidade prometida. Covid é uma peste mundial mas aqui não chegam vacinas porque o governo do grande asno não as comprou na hora certa. Abril não terá as vacinas prometidas porque o governo desumano, constrangido pela iniciativa paulista, apostou em apenas uma, a que a Fiocruz não está conseguindo entregar por falta de insumos importados. E para completar uma máquina quebrou. Todas as pragas caem sobre nossas cabeças.
Não há nada que traga esperança no curto prazo porque a ganância fala mais que o amor à vida: não é só tiranete ignorante e genocida que brada contra o necessário isolamento social, que manda todo mundo ir trabalhar e enfrentar o monstro invisível que, num átimo, pode nos entrar pelo corpo e matar. O tiranete só tem como plano o morticínio, manto para esconder seu grande fracasso. Além dele, prefeitos e governadores, nem todos, é claro, também se vergam à pressão de fabricantes e comerciantes. Vender é mais importante que viver.
Nesta manhã de primeiro de abril caminhei até à avenida e lá estava o vendedor de caquis, o vendedor de panos de chão e sacos de lixo, o pedinte venezuelano que usa uma prótese na perna, a birosca da parada de onibus aberta. Parou um ônibus e muitos desceram. Muitas máscaras eram floridas mas sobre elas os olhos eram vazios e tristes. Estes enfrentam o virus todos os dias, por não terem outra saída. Só agora começará o governo começará a pagar, este ano, um auxilio emergencial pífio, que não alcançará a metade dos necessitados. Os que não receberam o benefício no ano passado, e que no intervalo também cairam na vala, por perda de emprego ou inviabilidade de seus bicos, não poderão se candidatar.
As elites, que também não aguentam mais o domínio do vírus e o desgoverno do país, parecem dispostas o arrancar o nabo envenenado. Ainda que isso aconteça, não será questão de dias. Até lá, teremos um mês cruel, um abril despedaçado, título de um filme que vimos em outra vida, bem antes das duas pestes que nos castigam.
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