A voz rouca das ruas e os ouvidos moucos do Senado

"Como 'não é bom' o povo votar, Renan? Como 'não é bom' realizar consultar populares que estão, sim, previstas na Constituição? A elite política brasileira é que não gosta de fazer uso delas. Quanto menos povo, melhor", diz a colunista Tereza Cruvinel, sobre a reação negativa do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) à proposta de um plebiscito sobre novas eleições, apresentada pela presidente eleita Dilma Rousseff; segundo ela, "Dilma deixa um documento histórico, onde não reivindicou a volta ao governo para concluir seu mandato, mas a submissão da decisão ao voto popular"; essa tese tem o apoio de 61% da população brasileira, mas foi rechaçada pela oligarquia política que impôs, à força e ao arrepio da lei, um parlamentarismo à brasileira

Brasília- DF- Brasil- 10/03/2015- Vice-presidente Michel Temer se reúne com presidente do Senado, Renan Calheiros (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Brasília- DF- Brasil- 10/03/2015- Vice-presidente Michel Temer se reúne com presidente do Senado, Renan Calheiros (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil) (Foto: Tereza Cruvinel)


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Uma das frases mais reveladoras da hipocrisia do Senado no julgamento da presidente afastada Dilma Rousseff foi a de seu presidente, Renan Calheiros, ao comentar a carta em que ela reiterou a percepção de que o impeachment sem crime demonstrado é golpe e propôs um acordo nacional para que o povo decida, em plebiscito, sobre a antecipação das eleições presidenciais: "Na democracia, a melhor saída é sempre a saída constitucional. Plebiscitos, novas eleições, não estão previstos na Constituição. Logo, isso não é bom", disse Renan.

Como “não é bom” o povo votar, Renan? Como “não é bom” realizar consultar populares que estão, sim,  previstas na Constituição. A elite política brasileira é que não gosta de fazer uso delas. Quanto menos povo, melhor. Em 28 anos de vigência da Carta de 1988, fizemos apenas dois plebiscitos nacionais.  O que Renan disse resume bem um dos discursos mais hipócritas dos parlamentares brasileiros. Quando lhes interessa, dizem que são comandados pela voz roucas das ruas. Quando o interesse é outro, fazem ouvidos moucos a esta mesma voz. Neste momento, segundo todas as pesquisas, mais de 60% dos brasileiros querem novas eleições presidenciais.

Mudar de opinião também faz parte do cinismo parlamentar brasileiro. Em abril, Renan disse que via com “bons olhos” a hipótese de antecipação das eleições. Dilma ainda não havia sido afastada e ele ainda se equilibrava entre a lealdade ao governo dela ou a adesão ao movimento conspirador de Temer e companhia. Agora, quando a mesma proposta vem de uma Dilma prestes a ser condenada, e ele já se compôs com o grupo que se assenhorou do governo, acha que “não é bom” o povo exercer a soberania do voto.

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Por estas e outras, a carta de Dilma não deve alterar a correlação de forças favorável a sua condenação e à efetivação de Temer, o simulacro de eleição indireta a que ela se referiu. Ainda assim, a carta foi um passo necessário. Com ela, Dilma deixa um documento histórico, onde não reivindicou a volta ao governo para concluir seu mandato, mas a submissão da decisão ao voto popular. Nas democracias, como diz Renan, as soluções constitucionais devem mesmo prevalecer. Mas aí estão dezenas de juristas, nacionais e estrangeiros, apontando as deformidades do impeachment em curso em relação ao que diz a Carta sobre a matéria. E ademais, na democracia, nada está acima da vontade popular. Mas,  pelo visto, daqui para a frente será assim, como disse Joaquim Barbosa: “basta um presidente contrariar meia dúzia de parlamentares poderosos para ser derrubado”. Danem-se os eleitores e o direito de escolher presidentes.

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