A votação Rússia-China
Nem Trump nem Biden podem impedir as duas abordagens radicalmente diferentes do dogma neoliberal do Ocidente que a parceria estratégica Rússia-China oferecem - ambas lideradas pelo Estado. “O que, para o establishment estadunidense, é anátema”, escreve o jornalista Pepe Escobar
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Por Pepe Escobar, para o Asia Times
Tradução de Patricia Zimbres, para o 247
Sejam quais forem as consequências geopolíticas e geoeconômicas da espetacular distopia estadunidense, a parceria estratégica Rússia-China, em registros ligeiramente diferentes, já lançou seu voto quanto ao rumo a ser tomado daqui para frente.
Aqui eu traço um esboço do cerne do plano quinquenal chinês para 2021-2025, aprovado em Pequim, na sessão plenária da semana passada. Aqui vai a interpretação-padrão de um think tank chinês.
E aqui vai uma contextualização particularmente pertinente, que examina a impotência da sinofobia desenfreada frente ao extremamente eficiente modelo de governança Made in China. O estudo mostra como a complexidade da história, da cultura e dos axiomas civilizacionais chineses simplesmente não se encaixa na visão de mundo hegemônica do cristianismo ocidental.
O "segredo" nem tão secreto assim do plano quinquenal da China para 2021-2025 - que o Global Times descreveu como "autossuficiência econômica" - é o de embasar o crescente poderio geopolítico do estado-civilização em grandes avanços tecnológicos.
O ponto crucial é que a China se colocou em um caminho "autopropelido" - dependendo de pouco ou nenhum insumo estrangeiro. Até mesmo um horizonte claro e "pragmático" foi estabelecido: 2035, a meio caminho entre hoje e 2049. A essa época, a China deverá ter-se equiparado ou até mesmo ultrapassado os Estados Unidos em termos de poderio geopolítico, geoeconômico e tecnológico.
Esse é o embasamento lógico por trás do empenho da liderança chinesa em estudar a fundo a convergência da física quântica e das ciências da informação - vista como a espinha dorsal do impulso Made in China em direção à Quarta Revolução Industrial.
O plano quinquenal deixa bastante claro que os dois principais vetores são Inteligência Artificial e robótica - áreas em que a pesquisa chinesa já fez grandes avanços. Inovações nesses campos criarão uma matriz que poderá ser aplicada a todas as áreas, dos transportes à medicina, para não mencionar os armamentos.
A Huawei é de importância essencial nesse processo, porque ela não é uma mera gigante de dados, mas também uma fabricante de hardware, que cria plataformas e infraestrutura física para que uma multidão de empresas desenvolvam suas próprias versões de cidades inteligentes, cidades seguras - ou de medicamentos.
O Grande Capital - do Oriente e do Ocidente - está perfeitamente sintonizado com o rumo tomado por esse processo, que implica também os principais nós das Novas Rotas da Seda. Em sintonia com o enredo da "terra das oportunidades" do século XXI, o Grande Capital, cada vez mais, irá se deslocar para o Leste Asiático, China e esses nós das Novas Rotas da Seda.
Essa nova matriz geoeconômica se baseará, principalmente, em derivações da estratégia Made in China 2025. Uma clara escolha se coloca a todo o planeta: "todos lucram" ou "soma zero".
Os fracassos do neoliberalismo
Depois de observar o choque feroz, agravado pela covid-19, entre o paradigma neoliberal e o "socialismo com características chinesas", o Sul Global está apenas começando a tirar as conclusões necessárias.
Não há tsunami de propaganda ocidental capaz de inventar uma versão favorável ao que de fato é um colapso ideológico tão devastador quanto um direto no queixo.
O fracasso abjeto do neoliberalismo no enfrentamento da covid-19 é fartamente evidente em todo o Ocidente.
A distopia das eleições nos Estados Unidos está agora selando o fracasso abjeto da "democracia" liberal ocidental: que tipo de "escolha" Trump e Biden oferecem?
Tudo isso está acontecendo ao mesmo tempo em que o ultra-eficiente e implacavelmente demonizado "Partido Comunista Chinês" desdobra o mapa que mostra a rota a ser seguida nos próximos cinco anos. Washington não consegue planejar nem o que vai acontecer no dia seguinte.
A intenção original de Trump, conforme sugerido por Henry Kissinger antes da posse, em janeiro de 2017, era jogar o jogo - qual outro seria? - Dividir para Governar, seduzindo a Rússia contra a China.
Isso, para o Deep State e seus lacaios, era absoluto anátema. Daí a implacável demonização de Trump que veio em seguida, com o Russiagate no topo da lista. E então Trump, de forma unilateral, optou por demonizar a China.
Supondo-se uma vitória democrata, o cenário dará uma guinada para a demonização exacerbada da Rússia, ao mesmo tempo em que a histeria da Guerra Híbrida contra a China continuará em todas as frentes - uigures, Tibete, Hong Kong, Mar do Sul da China, Taiwan.
Compare-se isso agora ao mapa de trajeto russo.
A questão foi claramente colocada nas intervenções cruciais do Ministro das Relações Exteriores Sergey Lavrov e do Presidente Putin nos debates recentes do Clube Valdai.
Putin fez a importantíssima afirmação sobre o papel do Capital, ressaltando a necessidade de "abandonar a prática de consumo irrestrito e ilimitado - o hiperconsumo - em favor de uma suficiência judiciosa e razoável, na qual não se vive apenas para o dia de hoje, mas pensa-se também no amanhã".
Putin, mais uma vez, enfatizou a importância do papel do estado: "O estado é uma instituição necessária, não há como [...] prescindir do apoio do estado".
E, em consonância com a interminável experimentação chinesa, ele acrescentou que, na verdade, não há regras econômicas imutáveis: "Hoje, nenhum modelo é puro e rígido, nem a economia de mercado nem a economia de comando, mas temos apenas que determinar o nível de envolvimento do estado na economia. O que devemos usar como base para essa decisão? A conveniência. Temos que evitar o uso de qualquer gabarito e, até o presente momento, o fizemos com sucesso".
O pragmático Putin definiu a regulação do papel do estado como "uma forma de arte".
E, como exemplo, ele mencionou que "manter a inflação um pouco alta tornará mais fácil para os consumidores e as empresas russas pagarem os empréstimos tomados por eles. O que é economicamente mais saudável que as políticas deflacionárias das sociedades ocidentais".
Como consequência direta das políticas pragmáticas de Putin - que incluem amplos programas sociais e vastos projetos nacionais - o Ocidente finge não perceber que é bem possível que a Rússia esteja a caminho de superar a Alemanha como a quinta economia do mundo.
O fato central é que, conjuntamente, a parceria estratégica Rússia-China está oferecendo, principalmente ao Sul Global, duas abordagens radicalmente diferentes do dogma neoliberal do Ocidente. O que, para o establishment estadunidense, é anátema.
Portanto, seja qual for o resultado da "escolha" entre Trump e Biden, o embate entre o Hegêmona e os Dois Principais Soberanos fatalmente irá se tornar ainda mais incandescente.
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