A visão soteriológica da História e Educação

Este é o cerne da pedagogia do oprimido- a autonomia do educando. A sua capacidade de adotar um desvio crítico na leitura do mundo. E sua mudança

(Foto: Amanda Perobelli/Reuters)


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(Observações  críticas sobre o livro de Nilo Agostini. "Os desafios da Educação.  Paulo Freire e Walter  Benjamin". Petrópolis, Vozes, 2019) 

A proposta central dessa tese de pós-doutorado  é  avaliar  "as convergências  e transversalidades"  no pensamento desses dois autores, tendo a Educação  como  eixo principal. 0 autor é  (ou era) um padre franciscano, que ensina num departamento de Educação, da Universidade Federal de São  Carlos  (SP). Tendo feito  um Mestrado e Doutorado na França  sobre a obra de Paulo Freire-" A educação segundo Paulo Freire: da reflexão  a participação." Agostini resolveu  ampliar o trabalho numa tese de pós-doutorado, realizado na França, sob os auspícios  do judeu-trotskysta Michael Lowy, do CNHRES.  Resolveu  então  juntar a obra de Paulo Freire e a de Walter Benjamin, tendo na Educação  o seu foco principal.

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O que  chama atenção  é  o caráter  de divulgação  do pensamento benjaminiano que  o trabalho realiza, a partir de comentadores como Leandro Konder, Flávio Kothe e Michael Lowy, apesar do autor usar as obras  juvenis e as obras  tardias do filósofo alemão. Para  o conhecedor  do "corpus" benjaminiano, a divulgacao do pensamento do autor judeu-marxista  nao traz nenhuma novidade.  Só  repetição, com algumas imprecisões, como chamar o "A origem do Drama Barroco Alemão" de ponto de viragem marxista  ou dizer  que a preocupação  de Benjamin  é  libertar as gerações  futuras, com base  no resgate da memória das gerações passadas. Há  erro também na grafia de nomes próprios: Rosent Wagen ou Bloch .

Mas, para mim, o ponto principal é  "o lugar teológico"  da interpretação  dos autores, e de Walter Benjamin. O que  aproximaria esses autores diferentes seria uma visão  soteriológica da história  ou da sociedade  humana. 0 autor influenciado pela hermenêutica de Michael Lowy, carrega nas tintas quando  acentua em demasia a influência  do messianismo  judaico sobre nosso  autor, para aproximá-lo de Paulo Freire, educador declaradamente católico, cristão ecumênico e religioso (camarada de Jesus Cristo ).

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 Freire parece um adepto das virtudes teologais: fé, esperança e caridade. Seu discurso  é  uma tradução pedagógica  das doutrinas  filosóficas católicas francesas: Maritain, Furter, Moumier. O personalismo  cristão.  Uma variante do existencialismo associado a fenomenologia de E. HUSSERL. O discurso freiriano é  perpassado de temas, tropos e expressões  dessas correntes de pensamento: emancipação, consciência ingênua, consciência crítica, humanização, ser menos, ser mais.  Típicas  do magistério  filosófico do antigo ISEB, por onde  ele passou.  Recebendo a influência de Álvaro Vieira  Pinto, Roland Corbusier,  Tristão de Athayde.

Por mais  que se procure aproximar esse humanismo  cristão  do pensamento caleidoscópico de Walter Benjamin, vai se ver que é  uma construção  forçada, influenciada  pelas crenças religiosas  de Agostini. 

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Walter Benjamin não deve  nada a esses pensadores católicos.  A sua vertente de pensamento se alimenta de uma junção  complicada do messianismo judaico, a contracultura   europeia e o marxismo  de George Lukács. A sua visão da história  (escovar a contrapelo) se baseia no judaísmo, não no cristianismo. Seu objetivo  é  a "apocastateses": salvar todos  os oprimidos do passado, pelo resgate de sua memória de luta e sofrimento  (profetismo). Não as gerações futuras  ou presentes.  

A soteriologia de Benjamin, que contamina seu marxismo, não pode ser confundida com uma escatologia de base profana, como quer o marxismo. Este secularizou a redenção messiânica  em termos de uma revolução  conduzida pelo proletariado  moderno, rumo ao comunismo.

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Ora, nada disso está  presente  na obra freiriana que trata de uma salvação/redenção/ emancipação  - através da educação dialógica e situada na cotidianidade - de camponeses, trabalhadores rurais, moradores  da periferia etc. 0 modelo pedagógico é  centrado  no sujeito-agente, que através  da Educação, diz o mundo com suas palavras.  E ao dizer mundo, rompe a alienação  da consciência  e transforma  a realidade.

Este é  o cerne da pedagogia  do oprimido- a autonomia  do educando.  A sua capacidade  de adotar um desvio crítico na leitura do mundo. E sua mudança. 

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O livro de Agostini  vai além: trata da teoria crítica e do Marxismo.  E às vezes se repete nos  vários  capítulos  que ele contém. 

Eu não tenho dúvida  de que  a religião  possa se tornar  uma grade de leitura muito importante para a História, a política e a Educação.  Mas precisa se submeter à mediação de outros conceitos mundanos e regularizados. Foi esta a lição  que aprendi de meus mestres, no curso  de Filosofia.  Está  aí  a experiência  da Teologia  da Libertação, as comunidades  eclesiais de base e o pensamento de Henrique Dussel para provar esta tese.

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Há  um equívoco em tratar do conceito messiânico de tempo  (Jetsein) como   semelhante ao conceito grego-cristão  de "kairós" - ou tempo da esperança. A temporalidade benjaminiana é o que um estudioso chamou de "transtemporalidade"  (Kothe), realizar os anseios e utopias das gerações passadas no tempo presente e projetar os desejos e  ideais de hoje no tempo passado.

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