A vida é frágil
Com atuações comoventes de Françoise Lebrun e Dario Argento, "Vortex" é um dos filmes mais duros sobre a deterioração do ser humano por causas naturais
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Desde a epígrafe, Vortex instala no espectador um sentimento pesaroso, antecipação de um anúncio fúnebre: "A todos aqueles cujos cérebros vão se decompor antes dos corações". Os 142 minutos seguintes só vão confirmar que este é um dos filmes mais duros já feitos sobre a deterioração do ser humano por causas naturais.
São apenas três personagens. O homem, interpretado magistralmente pelo célebre diretor Dario Argento, é um pesquisador de cinema que, já em idade avançada e com sérios problemas cardíacos, escreve um livro sobre cinema e sonhos enquanto tenta reatar contato com uma amante. Sua mulher (Françoise Lebrun) é uma psiquiatra consumida pela Alzheimer. O único amparo do casal é o filho, que enfrenta problemas com drogas, falta de dinheiro e uma esposa com transtornos mentais. Enfim, um núcleo mínimo que se socorre mutuamente na medida do possível – e esse possível é quase nada.
Seguimos os passos da manifestação da demência. Françoise Lebrun tem um desempenho impressionante como a mulher perdida no labirinto de sua mente, materializado seja nos cômodos da casa, seja numa loja onde ela entra sem saber o que quer. As oscilações da memória a levam a desconhecer os parentes e destruir coisas que não podiam ser destruídas. O olhar vazio e assustado, os balbucios e os gestos sem nexo da atriz criam uma caracterização de enorme eficácia.
Vortex se avizinha de clássicos recentes sobre danos de saúde a idosos, como Amor, de Michael Haneke, e Meu Pai, de Florian Zeller. Gaspar Noé usa um dispositivo bastante explícito para realçar a solidão incontornável de cada membro da família: à exceção das duas primeiras cenas, a tela se divide em duas por todo o filme. Cada personagem é seguido por uma câmera. Mesmo que duas ou mais pessoas se encontrem próximas num mesmo recinto, a partição exprime o isolamento fundamental em que cada uma administra (ou não) o seu mundo. Privilegiando o tempo real e as simultaneidades para intensificar o efeito de realidade, cada corte é marcado por um breve escurecimento da tela.
No plano sonoro, também realista ao extremo, ouvem-se dissertações sobre luto, esquecimento ou introjeção do ente perdido, memória saudável e memória traumática, etc. Palavras essas que, soadas no ambiente da casa entulhada de livros, parecem ser ouvidas somente por nós, espectadores, como uma espécie de comentário extradiegético (fora da cena).
Conhecido pela radicalidade com que aborda seus temas, o argentino-francês Gaspar Noé (Irreversível, Viagem Alucinante, Love, Clímax) não abre margem para consolo nessa história em linha reta. A doença (física ou mental) é um vórtice que arrasta vivos e mortos ao encontro de um muro de pedra – imagem que abre e fecha o filme.
A encenação naturalista impecável, se por um lado nos faz imergir naquele pesadelo familiar, por outro pode ser vista também como uma mera exposição da fragilidade e da fatalidade. Depende de como cada um encara esse tipo de filme. De minha parte, achei essa dureza uma grande virtude.
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