A ‘vagabunda’ de Fábio Vilas-Boas: Parte 1
Ainda que se tenha notícia do quanto Salvador é escravagista, não custa trajetar o caminho do ex-Secretário de Saúde do Estado da Bahia
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Fábio é branco. Seu pai era branco, família toda branca. Nascer branco na Salvador de 1931 é para “iluminados” como Cícero Vilas-Boas. Gigante, o pai de Fábio foi Procurador do Estado, escritor, poeta e membro da Academia de Letras e Artes do Salvador. Morreu em janeiro deste ano. Graças à sina de um soteropolitano branco, Cícero pôde dar boa educação para Fábio e sua irmã, a advogada e integrante do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-BA, Diana Vilas-Boas Jucá.
O ex-Secretário de Saúde é oriundo do tradicional Colégio Antônio Vieira, fundado em 1911 pela Companhia de Jesus, após os jesuítas serem expulsos de Portugal pela terceira vez. Durante 56 anos o CAV só admitiu homens e, como era colégio de elite, brancos. Era uma escola de homens brancos jesuítas para homens brancos baianos.
A instituição era tão, digamos assim, destacada, que chegou-se a questionar a viabilidade econômica na transferência do colégio para a Distrito da Vitória (hoje bairro do Garcia) já que “tratava-se de uma área basicamente rural e que concentrava uma população de maioria humilde e negra”. O perfil elitista do colégio se mantém até os dias atuais. A mensalidade para o mês de agosto/2021 de um estudante do 1º ano do ensino médio é de R$ 2.165,00.
Foi nesse ambiente que cresceu o ex-secretário, formando-se em 1984. Em 1990 já era médico (UFBA), em 2002 doutor em cardiologia pela USP. Poder-se-ia considerar que o secretário teve uma carreira brilhante não fosse a sina de ser branco na Bahia e, por consequência, de posses. O CAV tem o distintivo histórico de ser uma das instituições responsáveis por colocar nas cadeiras do ensino superior baiano 95% de homens entre 1933 e 1945. Vindo dessa linhagem Fabio não poderia ser impróspero. Certamente no CAV e talvez depois, Fábio nunca viu uma mulher negra em sua sala de aula.
Mas ora! Se elas não estavam nas aulas de História do Brasil no Colégio Antônio Vieira, só podem ser vagabundas!
Em 2016, Fábio discursou na sua posse em uma cadeira da Academia de Medicina da Bahia. Começou logo citando um poeta norte-americano, o Robert Frost: “Uma estrada dividia-se em um tronco amarelo. Uma era claramente a mais usada e, a outra, a grama reluzia jamais pisada. Escolhi a menos viajada e isso fez toda a diferença.”
Agora, aqui entre nós, que conversa mole é essa? Uma pessoa incapaz de lançar crítica sobre a sua ancestralidade senhoria e misógina caminhando, por toda sua vida, por caminhos castigados pelo acoite e deixando o caminho da bondade intacto! Disse ZeroQuatro: “Como disse Chico Sá: saindo as palavras por uma porta e a vida pela outra”, resume bem a narrativa do mais novo acadêmico.
E não aprendeu sobre as consequências dos seus atos com o exemplo de outro secretário, o de Direitos Humanos, condenado por aliciar mulheres nas salas do Centro Administrativo da Bahia.
Um destacado homem de virtudes, Fabio fazia turismo náutico na Baía de Todos os Santos acompanhando de sua trupe. Mas o que queria o ex-secretário naquela tarde de domingo na Ilha dos Frades? Queria que seu “sem-o-que-fazer” fosse alimentado por outras pessoas, no caso, no Restaurante Preta. Ou seja, em nome da sua vagabundagem de domingo impunha que alguém estivesse ali ao seu dispor pra alimentar seu grupo, afinal alguém precisa trabalhar na folga dos brancos. É por isso que os pretos e pretas trabalham todos os dias...
Marcelo Nova disse em entrevista recente que “Quando eu estudava no Colégio Antonio Vieira [de Padres Jesuítas], em Salvador, me ensinaram que a raiva era um sentimento negativo, que você não poderia ter raiva porque isso não te levaria a lugar nenhum, que você precisava cultivar o amor e os sentimentos positivos no seu coração…” Apesar do relato, Marcelo é mais um desajustado oriundo do jesuísmo.
Mas voltando ao ensinamento jesuíta do bem-viver, então o ex-secretário Fábio faltou essas aulas? E o Sr. Cícero soube desse desmantelo? Se fosse Seu Matos tinha me dado uns cascudos por faltar aula tão cara, não só pelo valor da mensalidade, mas pela importância que teria agora, de não vomitar as suas verdades num momento de ira como um menino mimado que continua sendo, de entender as dificuldades históricas da mulher negra na Bahia, de não envergonhar sua família, principalmente Luciana, sua companheira de tantos anos que certamente trabalha muito menos que Angeluci Figueiredo.
Só sinto pena que a sua exoneração, secretário – que era urgente e ocorreu – vá causar furor na igualmente medíocre Ivete Sangalo, com quem o senhor trocou farpas recentemente pela assertiva cobrança de posicionamento dos artistas baianos. Ali o senhor tinha razão. Agora, não terá desculpa.
Fora.
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