A urgência da MP 1.000
O valor do Auxilio Emergencial foi reduzido à metade em setembro e está previsto para se encerrar em dezembro. O ministro Paulo Guedes insiste na erradicação do auxílio na data proposta, mesmo que esse seja o responsável pela renda básica das famílias e por manter o nível da capacidade de consumo agregado
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No dia 3 de setembro o governo enviou ao Congresso Nacional uma medida provisória portando sobre a continuidade do auxílio emergencial, que havia sido criado no primeiro semestre, para atuar como medida de atenuação dos graves efeitos sociais e econômicos provocados pela pandemia da covid-19.
Até o mês de agosto, a matéria estava sendo abordada pela Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020. Assim, o valor do auxílio emergencial foi estabelecido à época pelo legislativo em um valor equivalente ao triplo que era sugerido pelo governo Bolsonaro. Nas negociações iniciais os representantes do Ministério da Economia acenavam com R$ 200 mensais, mas acabaram sendo atropelados pelo discurso da oposição que propunha R$ 600. Nesse movimento de arrastão, ela trouxe consigo os próprios partidos da base do governo.
Ocorre que o período inicial previsto nessa lei venceu em agosto e o governo editou o novo texto para viabilizar a continuidade dessa política emergencial. Trata-se da simbólica e sugestivamente numerada Medida Provisória n° 1000/2020. No entanto, em razão dos obstáculos apresentados pelo superministro da economia, houve uma séria descontinuidade na implementação desse importante elemento de política pública. O valor do auxílio foi reduzido à metade (R$ 300) e sua data de validade foi fixada de forma burocrática para o final de 2020.
Guedes convence Bolsonaro
Ao que tudo indica, Paulo Guedes ganhou mais uma vez a guerra surda de bastidores do governo. Conseguiu convencer Bolsonaro de que “não há recursos” para bancar a continuidade do auxílio emergencial, tal como vinha sendo mantido desde o início. A forma como a ortodoxia conservadora se agarra aos ditames da austeridade fiscal, que eles mesmo impõem ao País, é impressionante. É mais do que reconhecido por economistas e analistas de quase todas as tendências que a importante queda no Produto Interno Bruto (PIB) só não foi mais acentuada em razão do consumo das famílias. Os – 9,7% que o IBGE apurou para a redução no ritmo das atividades econômicas no segundo trimestre deste ano teria sido muito maior na ausência do auxílio.
Ao contrário das versões propagadas pelo governo, o Tesouro Nacional conta – sim! – com recursos para fazer face a essas e outras despesas necessárias ao combate à pandemia e à limitação dos efeitos negativos provocadas pelo coronavirus sobre a população e a economia. Apesar do catastrofismo de plantão, sempre a serviço das soluções favoráveis ao financismo, não existe contradição entre as propostas de salvar vidas ou reativar a economia. As políticas públicas devem ser mesmo multifacetadas e podem atuar em todos as dimensões existentes.
Além disso, a destinação dos recursos do Auxílio Emergencial para a população da base de nossa pirâmide da desigualdade acaba por provocar o retorno de quase 50% dos valores recebidos pelas famílias aos cofres públicos. Esse fenômeno ocorre em função da elevada regressividade de nosso sistema tributário. Ao taxar preferencialmente o consumo e não o patrimônio, o modelo vigente faz com que a população de renda mais baixa termine pagando proporcionalmente mais impostos do que os setores do topo da concentração. Assim, de cada real recebido pelos mais pobres, quase cinquenta centavos são recolhidos aos cofres dos governos federal, estadual e municipal. Isso significa que o efeito puramente fiscal é bem menor do que o “rombo” bilionário, argumento sempre esgrimado pelos representantes das elites tupiniquins.
Auxílio Emergencial é fundamental na crise
Outro aspecto espertamente deixado de lado no debate refere-se ao estímulo direto e indireto exercido por tal massa de valores do auxílio sobre a manutenção da renda e do emprego. Além de proporcionar condições menos trágicas para que a maioria da população desempregada e na informalidade atravesse a crise da pandemia, o auxílio mantém um certo nível da capacidade de consumo agregado. Trata-se daquilo que o economês chama de “efeito multiplicador sobre o PIB” da transferência de renda do setor público para setores de elevada propensão a consumir. Esse tipo de despesa dinamiza positivamente a atividade econômica de forma geral.
Mas a lógica dos economistas de planilha não consegue absorver essa dimensão da distribuição de renda promovida pelo Estado. Em seu afã em desconstruir alternativas dessa natureza, saem logo bombardeando as propostas, sempre desqualificadas por eles como sendo “populistas” ou “irresponsáveis”. Quando muito, exigem que a fonte de custeio desse tipo solução para os “muito pobres” saiam do corte de direitos dos “pobres”. Uma loucura! Guedes mencionou várias vezes a intenção de cortar benefícios como abono salarial ou o auxílio a idosos e deficientes para financiar programas como o Renda Brasil (que nada mais é senão um Bolsa Família repaginado para Bolsonaro chamar de seu). O descaramento é tamanho que o próprio Bolsonaro preferiu de se esquivar de tal vexame e desautorizou publicamente qualquer tentativa de Guedes nesse sentido.
As ferramentas usuais estão à disposição, mas o governo nem cogita a hipótese de promover uma elevação do endividamento público ou ampliar a base monetária para gerar recursos para tanto. Tampouco pensa na possibilidade mais do que óbvia de impor uma tributação sobre a renda e o patrimônio dos setores mais abastados. Essa ideia, aliás, acabou de ser divulgada por uma instituição absolutamente insuspeita no quesito conservadorismo. O Fundo Monetário Internacional lançou a proposta de um imposto sobre os super ricos como mecanismo de financiamento da crise da covis 19. Mas nesse tipo de questão, o financismo de nossas terras prefere criticar o FMI – logo ele que sempre se revelou tão parceiro em todos os outros momentos.
R$ 600 até o fim
Há correntes na numerologia que apontam no número 1.000 um potencial de renovação e de uma espécie de recomeço. Além disso, ele poderia expressar também uma tendência de se trabalhar com luz e servir aos outros. Ora, se não fossem todos os outros argumentos do campo da racionalidade e da política de justiça social, cabem também esses da mística. Afinal esse é o carimbo com que a medida foi protocolada para efeito de sua tramitação no interior das administrações públicas por onde vai transitar.
Porém, quis também o destino que a briguinha pública entre o Presidente da Câmara dos Deputados e o Ministro da Economia fosse apaziguada durante os últimos dias. Assim, Rodrigo Maia pretende encerrar seu segundo mandato consecutivo à frente daquela Casa com gestos generosos em direção à nata do financismo e ao núcleo do governo. Essa é a razão pela qual ele se esqueceu dos xingamentos recíprocos trocados com o old chicago boy até há pouco e agora decidiu por uma fase de amores com o Palácio do Planalto. Ele garante que vai segurar a tramitação da MP n° 1000 e não pretende colocá-la em votação antes das eleições de novembro. Compreende-se o gesto de boa vontade em direção aos poderosos de todos os tipos. Os parlamentares, bastante envolvidos com a população na disputa do voto para vereadores e prefeitos nos mais de 5.600 municípios do País, certamente pensariam duas vezes antes de chancelar a redução do valor do auxílio à metade. É por essas e outras que as centrais sindicais, os partidos de oposição e as entidades do movimento democrático e progressista de forma ampla insistem na tecla da votação urgente e imediata da MP 1.000. A intenção é aprovar emendas para que se promova o retorno ao valor de R$ 600 e a extensão da validade do programa até o fim da pandemia.
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