A última grande revolução social do século XIX

O desafio da experiência "comunard" francesa à imaginação socialista de nossa época é como conjugar socialismo e autonomia, socialismo e liberdade. Socialismo e respeito às diferenças, num mundo cada vez mais complexo



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Estamos comemorando este ano 150 anos da Comuna de Paris (1871). O EPMARX-UFPE estará realizando um grande seminário, a partir deste mês, para saudar e debater esse evento memorável. A mim, coube fazer o resgate histórico. Quando estudante da pós-graduação, na Universidade Estadual de Campinas, tinha a oportunidade de realizar um seminário sobre a "Comuna". Há ocorrências históricas que se tornam emblemáticas e míticas. A luta dos "comunards" franceses é uma dessas. 

Reverenciada por Marx e Lenin, a Comuna de Paris tornou-se a fonte de um imaginário político auto-gestionário e socialista, a inspirar socialistas do mundo inteiro. Objeto de disputas retóricas e historiográficas entre anarquistas, socialistas e marxistas, a Comuna continua a suscitar polêmicas e sugestivas opiniões, entre os mais diversos militantes sociais.

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Podíamos começar discutindo as interpretações clássicas que ajudaram a criar esse imaginário político revolucionário e socialista.

Quando eclodiu o movimento, que assinala o fim do ciclo expansionista e militar do governo de Luiz Bonaparte, Marx era o secretário da Primeira Associação Internacional dos Trabalhadores. A hegemonia política da Comuna estava nas mãos dos anarquistas proudhonianos e de socialistas parlamentares como Louis Blanc. Quando as tropas militares do primeiro ministro Thiers esmagou, a ferro e a fogo, o movimento, Marx se imbuiu de produzir um relato edificante que perpetuasse a lembrança da luta dos "comunards" franceses. Essa obra é o que se conhece pelo opúsculo "Guerra civil em França". Um texto laudatório e favorável, exaltando a coragem e a dedicação dos militantes. 

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A obra, feita em nome da Associação Internacional dos Trabalhadores, levaria a uma contenda retórica e política entre os marxistas e anarquistas, alimentada pelo rancor de Marx contra Bakunin, em razão do atraso na tradução de O Capital para a língua russa. Pior, a publicação do posfácio de Engels, mais tarde, comparava a Comuna com o que deveria ser a "ditadura do proletariado". Essa disputa retórica e política entre anarquistas e marxistas conduziu ao fim da Primeira Associação Internacional dos trabalhadores e a separação definitiva entre comunistas e anarquistas. Muitos anos depois, descobriu-se no Museu de História Social de Amsterdam, onde está que sobrou da Comuna de Paris, os manuscritos redigidos por Marx sobre a experiência comunard francesa. 

Esse texto é muito diferente do que Marx havia escrito, como secretário da AIT. É preciso dizer que o seu objetivo era muito distinto: aqui se tratava de fazer uma "autopsia" da estrutura e a política da Comuna, sob a hegemonia dos libertários e socialistas. Já no primeiro escrito, não. Era um epitáfio elogioso. Nesses manuscritos, Marx faz críticas aos militantes sociais, repara as hesitações da liderança em usar o Banco de França como trunfo para deter o massacre. Fala também do caráter pluriclassista da organização política da Comuna e debita tudo isso na conta da influência anarquista da direção do movimento e sua falta de centralização para tomada de decisões rápidas. Lenin não deixaria por menos. 

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Em sua obra: "as duas táticas da socialdemocracia na revolução burguesa", ele critica a confusão entre democracia radical pequeno-burguesa e socialismo, o que teria contribuído para a derrota do movimento.

Apesar de tudo isso, a experiência histórica e política da Comuna de Paris só ajudou a alimentar e reforçar o imaginário auto gestionário e socialista no pensamento social moderno e contemporâneo. A expressão "álgebra social", empregada por um ensaísta brasileiro, para designar o significado histórico do movimento, procurou salvar a longevidade revolucionária do movimento francês, ao sugerir que ele pudesse ser preenchido pelos comunistas subsequentes com outros conteúdos ideológicos mais bem definidos doutrinariamente. 

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De toda maneira, desenvolver essa expressão algébrica da revolução social, exigiria ou extirpar os ressaibos anarquistas ou radicaliza-los, no sentido de uma revolução democratizante no interior de socialismo auto gestionário, nunca num regime autoritário, burocrático ou militar. 

Transformar essa álgebra numa "Ditadura do proletariado" exigiria abjurar de uma vez a concepção blanquista e autoritária do socialismo em favor de uma democracia de base, auto-organizada, parecida com os modelos das sociedade ácratas, defendidos pelos anarquistas. A experiência e tradição bolchevique não combinavam com isso. Nem a centralização dos modernas forças produtivas capitalistas. Ou, como disse Weber, a racionalidade instrumental e burocrática da empresa e do Estado modernos.

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O desafio da experiência "comunard" francesa à imaginação socialista de nossa época é como conjugar socialismo e autonomia, socialismo e liberdade. Socialismo e respeito às diferenças, num mundo cada vez mais complexo.

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