A Ucrânia, os falcões e os pombos

Um balanço do lodaçal ucraniano e mundial, onde a paz está por um fio

Veículos militares russos durante exercício militar na região de Rostov
Veículos militares russos durante exercício militar na região de Rostov (Foto: REUTERS/Sergey Pivovarov)


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Por Flávio Aguiar, no portal A Terra é Redonda

Para entender o que está acontecendo hoje na Ucrânia, é necessário tomar um recuo no tempo, coisa de sessenta anos ou mais, para dizer o mínimo. Peço perdão às leitoras e aos leitores se algumas observações estarão presas à minha biografia pessoal. Isto se deve mais a minha percepção dos fatos do que à natureza dos mesmos. Enfim, eu, como o homem de Ortega y Gasset, sou apenas eu e minha circunstância…

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Quando cheguei aos Estados Unidos pela primeira vez, em 1964, com uma bolsa de estudos do American Field Service para terminar a High School em Burlington, Vermont, e meio fugido da então jovem, mas decrépita ditadura brasileira, encontrei a política externa norte-americana dividida.

De um lado, havia os Hawks, “Falcões”, abertamente militaristas, que pregavam o armamento total contra o perigo comunista. Do outro, os Doves, “Pombos”, que pretendiam se valer da diplomacia e de políticas de alianças contra… o mesmo perigo comunista. Hoje isto se chama softpower, embora o conceito geral seja mais abrangente.

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A fonte de ambas as correntes – naquela época, uma centrada no Pentágono, e outras em alguns setores do Departamento de Estado, era a mesma (a CIA atuava nas duas frentes). Ou seja, as reflexões do diplomata norte-americano George Frost Kennan, que fora embaixador em Moscou. Para Kennan a União Soviética era irremediavelmente expansionista, e o centro da política externa dos Estados Unidos deveria ser a de “contenção” (palavra-chave) da URSS. A divergência entre os Falcões e os Pombos jazia no método.

Exemplifiquemos, de modo sintético, através de duas atitudes complementares. Em 1961 a obstinação do comandante militar norte-americano em Berlim, desafiando os soviéticos no posto de controle de Check-Point Charlie, quase levou a um embate direto entre ambas as potências. Dezenas de tanques de cada lado estiveram frente a frente e prontos para entrar em ação, confronto só evitado graças a um telefonema direto entre John Kennedy e Nikita Kruschev. Eram os Falcões em ação.

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Bem, de certo modo, o Plano Marshall, que seduziu e cooptou a Europa Ocidental, transformando-a num bastião econômico e político anti-soviético, foi inspirado na doutrina desenhada por Kennan. Eram os Pombos em ação. O objetivo era o mesmo: conter a União Soviética. Diga-se de passagem, que Kennan, ao longo do tempo, tornou-se um “Pombo”, adepto do softpower na nomenclatura atual. Posicionou-se contra, inclusive, a intervenção norte-americana no Vietnã.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) criada em 1949, foi adequada à lógica militarista, tendo o mesmo objetivo desde seu começo, ou seja, o cerco da União Soviética. Como aliança militar, não surpreende que pendesse para o lado dos Falcões.

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Estes eram os expoentes do que o presidente Dwight Eisenhower, um republicano conservador, denunciou como “o complexo industrial-militar” que governava a política norte-americana, inclusive a externa, em seu discurso de despedida, em 17 de janeiro de 1961, ao passar o cargo ao democrata John Kennedy.

Desde então as balizas da política externa norte-americana não mudaram muito. Ganharam um componente novo a partir da hegemonia neoliberal consagrada por Ronald Reagan, com ajuda de Margaret Thatcher no Reino Unido e a cruzada anti-comunista de seu valioso aliado, o Papa João Paulo II. Recomendo a leitura da biografia de João Paulo II, escrita por Carl “Watergate” Bernstein e Marco Politi, His Holiness: John Paul II and the History of Our Time, que comprova a articulação Reagan-Tatcher-João Paulo II para derrubar o comunismo e colocar o Vaticano dentre as fileiras do conservadorismo internacional, “corrigindo” a linha adotada por João XXIII e Paulo VI, abortada depois do velado assassinato de João Paulo I, em 1978. O termo “assassinato” é meu, não do livro de Bernstein/Politi. Mas estou convencido disto.

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Este componente foi o papel progressivamente decisivo das agências de inteligência e dos serviços secretos, em parte terceirizados para empresas e think-tanks privados, na formulação das políticas externas de vários países, entre eles os Estados Unidos, conforme as denúncias de Edward Snowden. Esta tendência viralizou nos Estados Unidos a partir dos atentados contra as torres gêmeas em Nova Iorque, em 2001. Ela entronizou os Falcões – agora informados também pelas técnicas de guerra híbrida – como os formuladores da política mundial dos EUA.

Digamos assim: Obama, Trump e Biden podem decidir sobre a cor das cortinas da sala e as taças para servir o vinho; mas a cozinha e o cardápio estão nas mãos do novo conglomerado industrial-militar-serviço secreto e suas agências públicas ou privadas, com liderança muito autônoma deste último parceiro, que estabelece limites e alianças, bem como diretivas para o Departamento de Estado, a Casa Branca e o Pentágono, tendo uma linha direta com a OTAN. Esta se comporta como um Estado autônomo dentro da Europa. E estendeu seu raio de ação para o Norte da África.

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Da União Soviética de ontem e da Rússia de hoje entendo muito pouco. Mas posso reconhecer o que se segue. Muito mais do que a burocracia geriátrica do Partido Comunista, a espinha dorsal do mundo soviético era o Exército Vermelho, cujo prestígio e poder interno se desfizeram na sua malfadada aventura no Afeganistão. Carente de inovação tecnológica, a economia soviética foi afundando, também naufragada em meio à completa falta de democracia.

Da debacle de 1989/1991, ao invés do homo sovieticus – solidário, comunista, generoso, militante – o que emergiu foi uma casta de burocratas ex-comunistas ávidos de privatizar tudo o que tinham pela frente, colhendo seu dízimo, uma Igreja Ortodoxa das mais reacionárias, e um bando de oligarcas e mafiosos dominados pelo que o seu tardio espírito burguês captava de pior no capitalismo triunfante: a rapina, amealhando fortunas e comprando tudo pelo mundo afora, de carrões importados a caixas de uísque, de clubes de futebol britânicos a bordeis em Hamburgo, na Alemanha.

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Foi perante este quadro catastrófico que se ergueu, das sombras e cinzas do antigo czarismo filtrado pelo aparato soviético, o carisma de Vladimir Putin, que, com auxílio de seu passado e o conhecimento acumulado como ex-chefe da KGB, a mistura soviética de CIA e FBI, conseguiu cooptar a ortodoxia religiosa, controlar e/ou neutralizar os oligarcas, isolar politicamente as máfias e garantir um mínimo de, digamos, pax romana para as classes médias e trabalhadoras apavoradas e em queda livre.

Assentado sobre o segundo arsenal nuclear do planeta, era natural que quisesse restabelecer o antigo domínio imperial do mundo ex-czarista, ex-soviético, embalado por um nacionalismo russo que nunca se extinguiu. Vem tendo algum sucesso nisto, recompondo a presença geopolítica da Rússia, depois do desastre que foi o governo decadente de Gorbachev e o borracho (em todos os sentidos) de Boris Yeltsin. Teve a ajuda da desastrada política norte-americana na Síria e das catastróficas intervenções dos Estados Unidos no Iraque e da OTAN na Líbia. Os bombardeios anteriores da OTAN na região dos Bálcãs ajudaram o estabelecimento de governos aliados na região, mas não promoveram o prestígio popular da organização nos países atingidos, apesar das atrocidades cometidas durante a guerra civil que se seguiu à dissolução da Iugoslávia.

Passemos à Ucrânia, palco do atual conflito que periga confluir para uma catástrofe militar de grandes proporções, envolvendo, no limite, as duas maiores potências nucleares do planeta. Uma rápida conferida no mapa europeu nos mostra a enorme extensão de sua fronteira terrestre com a Rússia – quase 1.600 km (um pouco menos do que a distância entre São Paulo e Cuiabá, por estrada), aliada a sua proximidade da capital russa, Moscou, 493 km pela auto-estrada M3 (algo como São Paulo – Rio de Janeiro, pela Rodovia Dutra).

A Ucrânia era parte da URSS. Durante a Segunda Guerra, uma dramática divisão opôs os que favoreciam a ocupação nazista e os que participavam da resistência soviética. Essa divisão deixou cicatrizes indeléveis no país, inclusive regionais, pois aqueles se concentravam mais a oeste, e estes a leste, mais perto da fronteira russa. Os nazistas ucranianos fizeram de tudo, martirizando judeus, poloneses, soviéticos, junto com os alemães.

Em 1986 a Ucrânia foi palco do pior acidente nuclear da história, o de Chernobyl, no norte do país, o que também deixou sequelas. As relações com o conjunto da URSS nunca foram tranquilas, nem mesmo depois que em 1954 Nikita Kruschev transferiu a península da Crimeia para a Ucrânia, num gesto de boa vontade, mas cujas razões ninguém entendeu muito bem até hoje.

Depois da dissolução da União Soviética, a Ucrânia manteve laços próximos com a Rússia, mas se aproximou também da Europa Ocidental e buscou os financiamentos do capitalismo triunfante. Essa situação de equilíbrio, apesar de alguns solavancos e descontentamentos, como a “Revolução Laranja” de 2004/2005, durou até 2013/2014, quando uma sublevação armada, com a cobertura midiática de ser uma revolta popular, conseguiu depor o presidente Viktor Yanukovitch, considerado pró-russo, que se recusara a assinar um tratado de livre-comércio com a União Europeia.

A vanguarda do levante foi ocupada por grupos de extrema-direita, alguns com visível treinamento militar, e os manifestantes foram aclamados no Ocidente como os “Heróis da Praça Maidan”, onde ocorreram muitos dos choques entre policiais e manifestantes/milicianos. Muitos destes “heróis da democracia” tinham claras filiações neonazis, onde nem faltava o secular antissemitismo.

Ficou claro que os Estados Unidos davam apoio aos revoltosos, embora a extensão e profundidade do envolvimento prévio permaneça nebulosa. Também ficou claro que esta revolta estava no radar ou nas telas da OTAN, que já mantinha uma política de expansão para o Leste, contrariando o acordo feito com Gorbachev e Yeltsin à beira e logo depois do fim da URSS. A OTAN foi “tomando” países como a Romênia, Hungria, Polônia, Lituânia, Letônia, Estônia e outros ex-membros do Pacto de Varsóvia com a finada URSS. Esta expansão da OTAN foi brecada pela Rússia quando ela se aproximou da Geórgia e depois da Ucrânia. Hoje a OTAN treina o Exército ucraniano, que recebe armas do Reino Unidos, dos Estados Unidos, de outros países-membros da OTAN, além de apoio logístico da CIA.

Quando o governo de Yanukovich caiu, e este se refugiou na Rússia, esta tomou duas atitudes-chave. Primeira: reanexou a península da Crimeia, considerada estratégica para a sua segurança, por estar às margens do Mar Negro e do estreito que liga este ao Mar de Azov, que também banha suas margens, assim como as da Ucrânia e da Rússia. Nesta região estão os únicos portos russos que permanecem abertos o ano inteiro, sendo vital para seu acesso naval ao Mar Negro e daí ao Mediterrâneo. Tem sido área de atrito moderado com forças do antigo Ocidente, com navios britânicos e norte-americanos bordejando-a, além de haver uma presença aérea significativa.

Segunda: a Rússia apoiou um movimento separatista na região de Donbas, que, na Ucrânia, é vizinha da Rússia. Há ali uma forte presença (como na Crimeia) de uma população de origem russa, e a própria língua russa é de uso comum. A região é rica em carvão e siderurgia e tradicionalmente foi e é palco de um forte movimento de trabalhadores do setor. Foi duramente ocupada pelos nazistas durante a Segunda Guerra, em 1941 e 42, pois Hitler considerava suas reservas de carvão estratégicas para a expansão alemã, até sua liberação pelo Exército Vermelho em 1943.

Sua relação com o governo de Kiev sempre foi algo tensa, com reivindicações, nunca atendidas, de maior autonomia. A tensão se acentuou depois da independência da Ucrânia, quando uma crise econômica devastou a região. Com a queda de Yanukovych, rebeldes concentrados em centros urbanos de porte como Donetsk e Luhansk proclamaram-se independentes em relação a Kiev. No momento há uma linha de confrontação entre os separatistas e as forças do governo ucraniano, onde a escaramuças são constantes desde 2014, tendo deixado um saldo considerável de vítimas fatais.

Por sua vez, os “heróis da democracia” e “da praça Maidan”, uma vez instalados no poder, promoveram um grande expurgo, em todos os níveis, dos simpatizantes do governo Yanukovych. Foram além: passaram a reprimir o uso da língua russa, o que só intensificou a reação dos separatistas de Donbas e consolidou o apoio da maioria da população da Crimeia à reanexação por parte da Rússia.

Há ainda uma outra personagem neste tabuleiro: a União Europeia. É verdade que nesta altura é uma personagem coadjuvante. Mas que, como está no palco das operações em terra – sejam elas políticas ou militares – pode ter um papel relevante no arranjo para as decisões. O principal ator da União Europeia, a Alemanha, depende umbilicalmente das importações do gás russo, mais ou menos 50% de sua fonte energética. O percentual é menor, mas igualmente relevante, em relação a outros países europeus. A transferência do conflito, hoje ainda restrito às mesas diplomáticas, embora azedas, para a área militar, provocaria um desastre na economia europeia.

Por isto, tanto o chanceler alemão, Olaf Scholz, quanto o presidente francês, Emanuel Macron, vêm se empenhando na busca de uma solução negociada que evite a alternativa militar. O Reino Unido está enviando armas para a Ucrânia, mas a Alemanha se negou a fazê-lo. Apesar das juras de unidade, é evidente que há um desacordo de métodos entre os parceiros anglo-saxões, Estados Unidos e Reino Unido, de um lado, e a França e a Alemanha, do outro. Esta linha de tensão se agravou com episódio em volta da construção de submarinos na Austrália, em que Estados Unidos e Reino Unido “atravessaram” um contrato pré-existente entre Paris e Camberra, provocando seu cancelamento.

No momento, os contendores maiores, Rússia e Estados Unidos, com a OTAN ao lado, procuram explorar as fragilidades do adversário. A Rússia atravessa dificuldades econômicas. A interrupção da exportação de seu gás para a Europa teria um impacto muito negativo nela. Os EUA e a OTAN apostam em que a economia russa não resistiria ao esforço de uma guerra prolongada. De quebra, os EUA vêm no horizonte a possibilidade de que o confronto militar provoque o bloqueio do segundo gasoduto russo para a Alemanha, o Nordstream 2, construído no Mar Báltico, ao lado do Nordstream 1, o que abriria as portas e os portos alemães e outros para importações do gás norte-americano, obtido através do processo chamado de fracking, mais caro e de transporte mais complicado.

Estrategicamente, isto significaria uma dependência menor da União Europeia em relação à Rússia, e maior em relação aos Estados Unidos. O Nordstream 2 está pronto, mas ainda não em uso, e é motivo de controvérsia dentro do próprio governo alemão, com os social-democratas do lado favorável a ele, e os Verdes do lado contrário. No meio fica o parceiro mais agudamente neoliberal, o FDP.

A Rússia aposta na divisão dos adversários. Biden está numa posição fragilizada nos Estados Unidos, acossado pelos adversários Republicanos que querem derrubar a maioria Democrata no Congresso nas eleições parlamentares de novembro deste ano. O mesmo acontece com o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, acuado pelo chamado partygate, as investigações sobre festinhas e festonas organizadas no pátio de sua residência oficial, Downing Street, no. 10, durante a pandemia.

A Europa inteira está pressionada por uma inflação inédita há décadas, passando dos 5% anuais, ou mais alta ainda, dependendo do país e do setor analisado, cujo vetor de ponta é o custo da energia, em subida meteórica. A substituição das importações do gás russo seria longa e demorada, mas o efeito de sua suspensão sobre o inverno seria imediato: noites mais frias, mais longas, preços mais altos, além de uma economia entrando em espiral descendente: um desastre. Além disto, as sanções econômicas contra a Rússia, como sua expulsão do sistema SWIFT de macro-transações bancárias, como pregam alguns dos Falcões norte-americanos, seria também catastrófica para empresas europeias e também dos EUA. Quanto a Moscou, este sempre poderia se refugiar sob as asas crescentes de Pequim.

É difícil fazer um balanço deste lodaçal ucraniano e mundial. Não consigo fugir da ideia de que, apesar de toda sua agressividade, uma aventura militar interessa menos à Rússia do que aos Falcões norte-americanos, que permanecem ditando as cartas da política externa dos Estados Unidos. Estes, através da OTAN, parecem mais interessados em provocar duas situações possíveis: (a) a Rússia promove a invasão do território ucraniano, mesmo que limitada; (b) a Rússia não promove a invasão, e os créditos políticos vão para a “posição firme” dos Estados Unidos e de seus aliados, com aqueles ganhando pontos para prosseguir em sua política de cooptação dos ex-membros do Pacto de Varsóvia e de ex-repúblicas soviéticas, como aconteceu recentemente no Cazaquistão, país de grandes reservas minerais e estratégico tanto para a Rússia como para a China. A tentativa fracassou, graças, em parte, à pronta intervenção russa, através do novo acordo militar com algumas das ex-repúblicas soviéticas, mas a hipótese não desapareceu.

Em resumo, a paz está por um fio. E a maior parte da mídia ocidental segue batendo na tecla de que a única agressora é a Rússia, fechando os olhos, as páginas e as telas para a ação agressiva da OTAN. Não quero dizer, com isto, que a Rússia seja angelical: nesta fritura a fogo brando, no caso do confronto diplomático, ou alto, no caso da ação diretamente militar, não há mocinhos nem bandidos, somente interesses em jogo.

PS – O camarada Vladimir Putin convidou o atual usurpador do Palácio do Planalto para uma visita oficial à Rússia, que este deve realizar em fevereiro, apesar do risco de conflito iminente. Para além de uma possível identificação de estilo entre o neoczar de Moscou e o projeto de ditador de Brasília, o motivo do convite permanece envolto em especulações as mais variadas. Li uma interpretação alvissareira de que isto era uma demonstração do “caráter de estadista” de Putin, que não se recusaria a conversar com ninguém. Não duvido do caráter de “estadista” de Putin, que combina o estilo de um sóbrio jogador de pôquer com o de um lutador de karatê um tanto exibicionista. Mas tenho minhas ressalvas.

Não posso deixar de lado o fato de que no passado recente o principal adversário do usurpador, o ex-presidente Lula, foi festivamente recebido pela social-democracia europeia e pelo atual principal líder da União, Emmanuel Macron, com direito a tapete vermelho, guarda republicana e outros ademanes reservados a chefes de estado. Lula e o PT sempre foram mais ligados aos social-democratas da Europa do que aos comunistas, hoje ex-comunistas de Moscou. Macron tem uma clara a justificável antipatia em relação ao usurpador de Brasília. Por sua vez, Putin sempre aposta no enfraquecimento da União Europeia. Na Europa as principais conexões de Putin tendem para a direita ou extrema-direita, que não escondem sua ojeriza pela atual União Europeia.

O melhor para a nossa hoje desprestigiada diplomacia seria garantir que tudo ficasse quieto, sem grandes alardes, o que pode ser muito difícil, dado o caráter de boia de salvação que o convite de Putin tem para o usurpador, hoje um náufrago isolado na geopolítica planetária, a não ser por seus vínculos com o que nela existe de mais reacionário e sórdido.

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