A tirania

O Judiciário vem assumindo protagonismo sem precedentes, muitas vezes descambando para uma sanha acusatória e sugerindo que qualquer um que discorde dos órgãos de acusação seja visto como inimigo, cúmplice de bandido e favorável à corrupção. Induzem à lógica binária ou booleana, na qual de forma rudimentar "quem não concorda comigo, é meu inimigo"

Constituição Justiça
Constituição Justiça (Foto: Décio Lima)


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A existência humana pressupõe a conformidade dos indivíduos às respectivas greis. Por isso vivemos em permanente tensão existencial, provocada de um lado pela busca da satisfação das necessidades, desejos e aspirações individuais e de outro, pelas limitações decorrentes e necessárias à vida em coletividade. Em outros termos, somos seres individuais, mas também somos seres de bando, condição que compartilhamos com muitas espécies.

Contudo quando a conformidade se dá por sujeição é usual dizer que ocorreu uma situação de opressão ou tirania e o equilíbrio instável da convivência pode se transformar em desequilíbrio e consequentemente em desarmonia.

A opressão era designada, na Grécia clássica, pelo vocábulo "turannos" (tirania) e significava o exercício do poder por um governo ilícito e abusivo. Absolutismo, despotismo ou ditadura correspondem a expressões da tirania e que podem se estabelecer mediante golpe do estado, por usurpação do poder ou, até mesmo através de eleições, em situação de estelionato eleitoral ou giro político (policy switch).

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No Brasil de hoje, governado por usurpadores e agentes de crimes continuados de lesa-pátria (fora outras arbitrariedades), a passividade de algumas instituições e o protagonismo distorcido de outras estão colocando à prova a capacidade de resistência dos valores democráticos. A cidadania parece anestesiada a tal ponto que parcela desesperançada da população começa a supor, equivocadamente, que um governo repressivo possa ser a solução.

Por isso é crucial e urgente atentar para as consequências da indiferença e do cinismo expressos em "tudo está perdido" ou "são todos farinha do mesmo saco". Não podemos esquecer que somos por natureza animais políticos (anthropos physei politikon zoon) conforma proclamou Aristóteles. Não podemos permitir a obliteração da Política.

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A História tem o poder de advertir. As eleições de 1932 permitiram que Adolf Hitler formasse o seu governo porque um grande número de alemães ofereceram serviços voluntariamente, numa espécie de "obediência por antecipação" (expressão cunhada pelo Prof. Timothy Snyder da Yale). Instalados no poder os nazistas entenderam que podiam promover uma reviravolta completa. Todos sabiam como começou, mas não imaginavam que o desfecho seria um circo de horrores e atrocidades.

Tudo muito semelhante à atual situação brasileira. Aqui ocorreu claramente a mencionada "obediência por antecipação". Seduzidos pela mídia comprometida, grande parcela da população foi às ruas para pedir a retirada do governo eleito, em torno de palavras de ordem que sugeriam o combate a corrupção. E o resultado foi o empoderamento de um grupo claramente identificado com a corrupção e com a implantação de um programa de governo que fora derrotado nas urnas.

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Aproveitaram-se do slogan positivista impresso na bandeira e da pirotecnia de um plano que ilusoriamente caracterizaram como "Uma Ponte Para O Futuro" para provocar o maior retrocesso jamais visto na história pátria. Não há ordem, não há progresso e o futuro sem resistência cívica parece sombrio.

As instituições, em especial aquelas constitucionalmente estabelecidas, devem contribuir para preservar a decência. Mas elas não se protegem sozinhas, precisamos de vigilância constante para que elas cumpram o seu papel para resguardar o Estado Democrático de Direito.

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Dentre as instituições que constituem o poder formal, o Judiciário vem assumindo protagonismo sem precedentes, muitas vezes descambando para uma sanha acusatória e sugerindo que qualquer um que discorde dos órgãos de acusação seja visto como inimigo, cúmplice de bandido e favorável à corrupção. Induzem à lógica binária ou booleana, na qual de forma rudimentar "quem não concorda comigo, é meu inimigo". É forma flagrante de tirania.

A presunção de inocência está moribunda, gravemente ferida por abusos. E um dos motivos disso é uso indevido da mídia por instituições. Quem é exposto na imprensa do dia para noite está condenado.

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Vazamentos seletivos ocorrem sistematicamente. Há situações absurdas, advogados se queixam de que necessitando de informações de causas que representam, pediram-nas a um repórter porque no tribunal não foram possível obtê-las. Dificultam o acesso às partes, mas permitem o vazamento para a mídia? E as autoridades constituídas e outros órgãos da sociedade civil que deveriam se pronunciar sobre essas distorções silenciam, por temor, comodismo ou cumplicidade.

Enfim, é preocupante e nos remete a Rui Barbosa: "a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário, contra ela, não há a quem recorrer".

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