A tempestade não findou

Thiago de Mello
Thiago de Mello (Foto: André Argolo/Divulgação)


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No seu belo poema “Aprendizagem no vento”, Thiago de Mello vaticina: “o vendaval findou, /agora é só o vento, /soprando a sua ferocidade”. Falava de adversidades que iam além do possível, além da política, deixando um rastro de telhados ocos. Parece incrível que tenhamos vivido todas as agruras do mundo e ainda precisemos enfrentar mais, como se cumpríssemos uma condição de inesgotáveis dificuldades. O poema evoca o hoje, depois do amanhã, caminhando para o depois de depois de amanhã. Em meio a uma epidemia que mudou nosso temperamento e nos atingiu em cheio, com seus desdobramentos, nós nos vemos vitimados por uma debilidade inaudita. Nela, encontramos os obstáculos que se interpõem à nossa convivência e o próprio princípio da condição humana: a ideia de fraternidade. Como não podemos nos tocar em presença, muito menos nos abraçar ou declarar ao pé do ouvido a nossa solidariedade, resta-nos pouco, quase nada a comunicar. Claro que, enquanto brasileiros, levamos, de sobrecarga, um governo de hostilidade contra tudo e contra todos, incapaz de trabalhar com as noções de justiça e de cumprimento do dever. No auge da Covid-19, manifestava-se contra a vacinação, exatamente como atualmente, no surto do Ômicron, não simpatiza com a aplicação dos imunizantes para as crianças.

De fato, sempre que a situação apertava, até um tempo atrás, desfrutávamos da companhia de amigos, vizinhos, compatriotas, com os quais nos juntávamos para cumprir a vocação de resistência e assumir a luta antes que a tempestade passasse. Entre nós, agora, somando-se aos estragos conhecidos, seguindo-se a uma seca feroz, assistimos a inundações que levaram de roldão gente da Bahia, de regiões de Minas e pedaços do Norte. É uma população que perdeu as casas, enquanto Bolsonaro pescava nas praias de Santa Catarina, avesso à simples expressão da caridade em qualquer ideologia. É evidente que o vendaval, ao contrário do que profetizara o poeta, não findou e que não lidamos com ventos. 

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O tamanho da catástrofe lembra Kant e seu conceito de sublime. Este, dizia ele, é o sentimento que os homens têm quando, abrigados, testemunham um grande acidente da natureza: um maremoto, um terremoto... Frente ao evento, sentimo-nos pequenos e frágeis, mas, pela consciência de sermos pequenos e frágeis, elevamo-nos às dimensões extraordinárias do desastre e voltamos a nos afirmar. É possível que os ventos a que se refere Thiago de Mello tenham a ver, como Fênix, com a sorte de que nos ergamos das cinzas. Se assim for, talvez retornemos ao projeto que nos reconstituir como humanos, voltando a nos abraçar novamente, depois de superar a luta contra a praga.

O cinema, o teatro, as escolas, as universidades, as arenas esportivas, espaços de convivência, despertavam o que havia de melhor em cada sociedade. Os exercícios on-line, não obstante necessários na vastidão da crise, conservam-nos como fios de esperança. Sem eles, ficaríamos mais do que sós: em total isolamento. No entanto, as notícias correm. Há brisas alvissareiras soprando do Norte para o Sul e do Leste para Oeste. Elas anunciam novidades, uma espécie de restauração, permitindo, sobretudo, que sejamos humanos. Quando isso acontecer, esperemos que saibamos nos orientar pelos convidativos caminhos da esperança. 

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