A segunda morte do carroceiro Ricardo
Ricardo Silva Nascimento foi executado em 2017, momento em que a brutalidade da PM paulista atingiu o ponto máximo de morbidez
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Quem ainda não perdeu a capacidade de indignar-se diante de atos truculentos das Polícias Militares diante da população pobre e preta do país tem uma nova oportunidade para preocupar-se com um comportamento inaceitável e vergonhoso.
Seis anos depois da execução do carroceiro Ricardo Silva Nascimento em frente a um Pão de Açucar no bairro de Pinheiros, em São Paulo, o Tribunal de Justiça absolveu os policiais José Marques Madalhano e Augusto Cesar da Silva Liberali, acusados pelo crime.
Na sentença, a juíza Michelle Porto de Medeiros Cunha Carreiro acolheu a tese registrada no Boletim de Ocorrência, onde se diz que os dois PMs agiram em legítima defesa ao receberem "ameaças e agressões verbais" do carroceiro.
Na verdade, descreve o BO, Ricardo Nascimento encontrava-se armado com um pedaço de madeira na mão. Mesmo assim, conforme um dos policiais, eles foram levados a atirar num cidadão preto, sem armas de fogo, "para se defender", contra aquele cidadão armado por um pedaço de pau.
Ricardo Silva Nascimento foi executado em 2017, momento em que a brutalidade da PM paulista atingiu o ponto máximo de morbidez, produzindo 878 vítimas letais, contra 780 em 2020 e 543 em 221.
A queda relativa no número de mortes em ações policiais -- que permanece infame sob qualquer ponto de vista -- deve ser atribuído a uma conhecida novidade tecnológica, o uso obrigatório de câmara de TV nos uniformes da tropa.
Adotadas quatro anos depois do assassinato, dados oficiais informam que os batalhões que passaram a empregar as câmeras "Grava Tudo" em seus uniformes tiveram uma redução de 85% nos índices de letalidade.
Este número dá uma noção clara do preocupante volume de mortes ocorridas sem justificativa real, produto de um ambiente de tolerância e permissividade, quando se aperta o gatilho com certeza da impunidade.
As câmaras são uma novidade boa, quando se admite que toda iniciativa que ajuda a poupar vidas humanas deve ser preservadas. A sentença que beneficiou os policiais que mataram o carroceiro, contudo, confirma a permanência de um drama mais profundo.
A tolerância diante da violência extrema contra cidadãos pobres e pretos mostra que, além de realizar indispensáveis investimentos tecnológicos, também é preciso cuidar da formação daqueles que estarão autorizados a empunhar revólveres e fuzis para proteger a vida de brasileiras e brasileiros, qualquer que seja a cor de sua pele, gênero ou a classe social.
A impunidade assegurada aos responsáveis pela morte de Ricardo Silva Nascimento contém outro elemento, contudo.
Cabe lembrar que a Justiça precisa cumprir sua parte, sempre essencial: punir os responsáveis.
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