A Saga Assange: Praticar o verdadeiro jornalismo é criminalmente insano
A juíza praticava contorcionismo para tentar salvar os EUA da profunda vergonha global de processar um jornalista e editor de fato por revelar crimes de guerra imperiais, e não segredos do governo estadunidense
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Por Pepe Escobar, no Asia Times
Tradução de Patricia Zimbres, para o 247
A sincronicidade, definitivamente, é muito chegada a casas de espelhos mágicos. A saga Julian Assange parecia ter entrado em um novo capítulo, uma vez que ele, pelo menos em tese, parecia estar a caminho da liberdade - condicional - nesta última segunda-feira, apenas um dia após o aniversário do início dos Frenéticos Anos Vinte: o assassinato do Major-General Qassem Soleimani.
O destino do jornalista que o Império tenta eliminar ficou justaposto ao destino do guerreiro-diplomata que o império já havia eliminado.
Dois dias mais tarde, Julian Assange foi de fato novamente encarcerado, exatamente no momento em que o Império era alvo de uma "insurreição" que, sempre que instigada naquele longínquo "Terceiro Mundo", é celebrada no Excepcionalistão como o "poder do povo".
O inestimável Craig Murray, de dentro do Primeiro Tribunal dos Magistrados de Westminster, em Londres, fez uma apresentação meticulosa do quadro geral da insanidade desta quarta-feira.
Esse relato deve ser lido conjuntamente com a sentença positivamente aterradora proferida na segunda-feira no caso Governo dos Estados Unidos contra Julian Assange.
O ponto definidor, para todos aqueles que praticam jornalismo verdadeiro em todo o mundo, é que a sentença reafirma, em termos conclusivos, que qualquer jornalista pode ser processado nos termos da Lei da Espionagem dos Estados Unidos. Desde a emenda aprovada em 1961, a Lei da Espionagem tem jurisdição universal .
O grande John Pilger traz uma descrição memorável da "juíza" Vanessa Baraitser como "aquela mulher gótica". Ela, de fato, é uma servidora pública obscura, não uma jurista. Sua sentença mostra, a cada palavra, ter sido escrita por um picareta novato e bem medíocre. Ou, melhor ainda, evidencia ter sido retirada na íntegra da acusação do Departamento de Estado dos Estados Unidos.
Julian Assange foi absolvido por razões teoricamente humanitárias. O caso, portanto, para todos os efeitos, havia sido concluído. Mas não foi bem assim. Dois dias depois ele foi mandado de volta para Belmarch, uma esquálida prisão de segurança máxima fervilhando de covid-19. A ação, portanto, continua a correr.
A editora da WikiLeaks, Kristinn Hrafnnson, observou corretamente que "é injusto, iníquo e ilógico, quando se leva em conta a sentença de dois dias antes, que menciona que os problemas de saúde de Julian se devem em grande parte ao fato de ele estar na prisão de Belmarsh (…) Mandá-lo de volta para lá não faz o menor sentido".
Faz sentido quando se leva em conta o verdadeiro papel de Baraitser – que é o malabarismo de tentar equilibrar os imperativos da agenda imperial e a necessidade de salvar a face da justiça britânica.
Baraitser é um mero soldado raso de baixa patente tentando mostrar mais força do que realmente tem. O poder real no caso Assange está em mãos de Lady Emma Arbuthnot, que não pode desempenhar um papel de muita visibilidade devido aos vínculos diretos altamente comprometedores que ela e seu marido, Lord Arbuthnot, mantêm com os serviços de inteligência e os militares britânicos, revelados em primeira mão por quem mais? Pelo Wikileaks, é claro.
Foi Arbuthnot que escolheu a obscura Baraitser – que, disciplinadamente, segue as instruções que lhe foram dadas. No tribunal, como Murray descreveu detalhadamente em uma série de relatórios altamente cáusticos. Baraitser, essencialmente, acoberta sua própria incompetência com uma evidente índole vingativa.
Baraitser livrou Julian Assange, segundo seu próprio raciocínio, por não estar convencida de que o aterrorizante gulag americano impediria que ele cometesse suicídio.
Mas a questão-chave é que, antes de chegar a essa conclusão, ela concordou e reforçou praticamente todos os pontos da acusação americana.
Então, a essas alturas, na segunda-feira, a "mulher gótica" praticava contorcionismo para tentar salvar os Estados Unidos da profunda vergonha global de processar um jornalista e editor de fato por revelar crimes de guerra imperiais, e não segredos do governo dos Estados Unidos.
Dois dias mais tarde, o quadro completo ficou meridianamente claro. Não havia nada de "humanitário" em sua sentença. A discordância política foi equacionada a doença mental. Julian Assange foi declarado criminalmente insano. Mais uma vez, a prática do jornalismo foi criminalizada.
Há razões para acreditar, entretanto, que a apelação do governo dos Estados Unidos pode não ter sucesso. Uma Alta Corte britânica relutaria em derrubar uma sentença na qual Baraitser de fato estabeleceu conclusões factuais: uma correlação direta entre o estado do gulag americano e o extremo perigo colocado à saúde de Assange caso ele seja jogado dentro desse sistema.
No ponto em que as coisas andam, nem adiantou a defesa de Assange ter oferecido todo um pacote em troca da obtenção de fiança, desde prisão domiciliar até o uso de tornozeleira. A opinião de Baraitser de que o estado de segurança britânico não seria capaz de evitar sua "fuga" apesar da tornozeleira, em meio a lockdown total tipo estado policial não chega nem a contar como piada.
Julian Assange, portanto voltou ao sofrimento perverso de uma interminável reescritura do poema O Poço e o Pêndulo, de Edgar Allan Poe.
A estratégia jurídica do governo dos Estados Unidos perante a Alta Corte que se reunirá em abril é basicamente a de tentar provar que o gulag americano é competente o suficiente para evitar um suicídio - muito embora o objetivo último dessa Inquisição pós-verdade pareça ser a eliminação de Julian Assange dentro do sistema penal. Esse objetivo não exige uma penitenciária supermáxima no Colorado. Belmarsh também serve.
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