A Rússia corteja países muçulmanos como parceiros estratégicos eurasianos

"A parceria estratégica Rússia-Irã avança paralelamente à entente Rússia-Arábia Saudita, sendo ambos importantes vetores de multipolaridade", diz Pepe Escobar

(Foto: Sputnik/Aleksey Nikolskyi/Kremlin)


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Tudo o que importa no complexo processo da integração eurasiana foi colocado novamente em jogo em Astana,  quando a – renomeada – capital cazaque foi sede da 6ª Conferência sobre Medidas de Interação e Fortalecimento da Confiança na Ásia (CICA).

A lista de chamada foi um objeto de beleza eurasiana – contando com os líderes da Rússia e de Belarus (UEEA), do Oeste Asiático (Azerbaijão, Turquia, Iraque, Irã, Qatar, Palestina) e da Ásia Central (Tajiquistão, Uzbequistão e Quirguistão).

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A China e o Vietnã (Leste e Sudeste Asiáticos) compareceram no escalão de vice-presidentes.  

A CICA é um fórum multinacional focado na cooperação rumo à paz, à segurança e à estabilidade de toda a Ásia. O Presidente cazaque Tokayev comunicou que a CICA acaba de adotar uma declaração visando a transformar o fórum em uma organização internacional.  

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A CICA já estabeleceu uma parceria com a União Econômica Eurasiana (UEEA). Na prática, portanto, ela logo estará  trabalhando conjuntamente e lado a lado com a OCX, a UEEA e, certamente, os BRICS+.

A parceria estratégica Rússia-Irã teve presença proeminente na CICA, em especial após o Irã ter sido recebido na OCX como membro pleno.

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O Presidente Raeisi, dirigindo-se ao Fórum, ressaltou a ideia crucial de uma "nova Ásia" emergente, onde "convergência e segurança" não são compatíveis com os interesses dos países hegemônicos, e que qualquer tentativa de desestabilizar países independentes tem objetivos e consequências que vão além das geografias nacionais e, na verdade, visam a atingir a estabilidade e a prosperidade de países regionais". 

Para Teerã, ser parceiro da integração da CICA no âmbito de um labirinto de instituições panasiáticas é da máxima importância, após décadas da "pressão máxima" desencadeada pelo Hegêmona.

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Além do mais, essa parceria abre uma oportunidade, como observado por Raeisi, de o Irã vir a se beneficiar da "infraestrutura econômica da Ásia". 

O Presidente russo Vladimir Putin, como era previsível, foi a estrela do show em Astana. É essencial notar que Putin "tem o apoio de todas as nações representadas na CICA.

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Uma das reuniões bilaterais de alto nível na agenda de Putin foi com o Emir de Qatar: todos os atores importantes da Ásia querem conversar com a "isolada" Rússia.      

Putin exigiu "compensação pelos danos causados aos afegãos durante os anos de ocupação" (todos sabemos que o Império do Caos, das Mentiras e do Saque irá se recusar a pagar), e enfatizou o importante papel da OCX no desenvolvimento do Afeganistão. 

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Ele afirmou que a Ásia, "onde novos centros de poder vêm-se fortalecendo, desempenha um grande papel na transição para uma ordem mundial multipolar".  

Ele advertiu: "há um perigo real de fome e de choques de grande escala contra um fundo de volatilidade nos preços da energia e dos alimentos no mundo". 

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Ele ainda conclamou pelo fim de um sistema financeiro que beneficia o "Bilhão Dourado" – que vive às custas dos demais" (não há nada de "dourado" nesse "bilhão": na melhor das hipóteses, essa definição de riqueza se aplica a 10 milhões). 

E ele ressaltou que a Rússia vem fazendo todo o possível para "formar um sistema de segurança igualitário e indivisível". E é exatamente isso que enlouquece totalmente as elites imperiais hegemônicas.  

"A oferta que não pode ser recusada" cai por terra 

A iminente justaposição da CICA, da OCX e da UEEA é um outro exemplo de como as peças do complexo quebra-cabeças eurasiano vêm-se juntando.

A Turquia e a Arábia Saudita - em tese fortes aliadas militares do Império – estão ansiosas para se juntarem à OCX, que recentemente aceitou o Irã como membro pleno. 

Isso explica a escolha geopolítica de Ancara e Riad, de vigoroso repúdio à ofensiva imperial de russofobia-sinofobia.  

Erdogan, na qualidade de observador na recente cúpula da OCX realizada em Samarcanda, enviou essa exata mensagem. A OCX vem rapidamente alcançando o ponto em que talvez venhamos a ter, sentados à mesma mesa e tomando importantes decisões consensuais, não apenas os "RIC"s (Rússia, Índia, China) nos BRICS (a serem em breve ampliados para BRICS+) mas também aqueles que podem ser vistos como os principais atores entre os países muçulmanos: Irã, Paquistão, Turquia, Arábia Saudita, Egito e Qatar.

Esse processo atualmente em curso, não sem sofrer sérias ameaças, demonstra a intenção conjunta da Rússia e da China de incorporar as terras do Islã como parceiras estratégicas de importância essencial na construção de um mundo multipolar pós-ocidental. Podemos chamar a isso de uma islamização branda da multipolaridade.  

Não é de admirar que o eixo anglo-americano esteja absolutamente petrificado.

Vamos agora a uma ilustração gráfica de tudo o que foi dito acima – a maneira como o jogo vem sendo conduzido nos mercados de energia: a já lendária reunião da Opec+ realizada em Viena na semana passada. 

Uma mudança tectônica na geopolítica já veio embutida na decisão – coletiva – de cortar a produção de petróleo em dois milhões de barris diários. 

O Ministério das Relações Exteriores saudita publicou uma nota muito diplomática contendo uma informação estarrecedora para aqueles capazes de ler nas entrelinhas.

Para todos os fins práticos, o combo por trás do ledor de teleprompter de Washington havia feito uma ameaça caracteristicamente mafiosa, de suspender a "proteção" a Riad caso a decisão sobre os cortes na produção de petróleo fosse tomada antes das eleições de meio de mandato dos Estados Unidos. 

Só que, desta vez, a "oferta que não pode ser recusada" não funcionou. A OPEC+ tomou uma decisão coletiva liderada pela Rússia, Arábia Saudita e UEA. 

Depois do encontro altamente cordial entre Putin e Mohammed bin Salman (MBS), coube a Putin receber o Presidente Sheikh Zayed da União dos Emirados Árabes - ou MBZ, o mentor de MBS – no espetacular palácio de Konstantinovsky, em São Petersburgo, que data dos tempos de Pedro o Grande.

Ocorreu ali uma espécie de celebração informal de como a  OPEC+ havia provocado, com uma única jogada, um debacle estratégico para a superpotência no que se trata da geopolítica do petróleo, que o Império controlava há um século. 

Todos se lembram, depois do bombardeio, invasão e ocupação do Iraque, em 2003, que os neocons se gabavam de serem agora "a nova OPEC".  

Bem, não é mais assim. E a jogada tinha que vir dos russos e dos "aliados" dos Estados Unidos no Golfo Pérsico, quando todos esperavam que isso viesse a acontecer  no dia em que uma delegação chinesa aterrissasse em Riad e pedisse que toda a energia que lhes era necessária fosse paga em yuans.

A OPEC+ desmontou o blefe americano e deixou a superpotência na mão. Então, o que ela vai fazer para "punir" Riad e Abu Dhabi? Chamar o CENTCOM no Qatar e em Bahrain para mobilizar seus porta-aviões e desencadear uma mudança de regime? 

O que é certo é que os straussianos/neocons dementes, que são quem dá as cartas em  Washington, irão dobrar suas apostas na guerra híbrida. 

A arte de "disseminar instabilidade"

Em São Petersburgo, ao se dirigir a MBZ, Putin deixou claro que sua  OPEC+ - liderada pela Rússia, Arábia Saudita e pela UEA – está agora acertando o passo para "estabilizar os mercados globais de energia", para que os consumidores e fornecedores "sintam-se calmos, estáveis e confiantes" e que a oferta e a demanda "sejam equilibradas". 

No setor do gás, na Semana de Energia da Rússia, o CEO da Gazprom, Alexey Miller, deixou claro que a Rússia talvez ainda venha a "salvar" a Europa de um buraco negro energético.  

O Nord Stream (NS) e o Nord Stream 2 (NS2) podem voltar a funcionar: mas todos os obstáculos políticos devem ser removidos antes do início dos trabalhos de reparos nos gasodutos. 

E quanto ao Oeste Asiático, Miller afirmou que acréscimos ao  Turk Stream já foram planejados, para a grande alegria de Ancara, a quem interessa se tornar um pólo de energia. 

Paralelamente, é absolutamente claro que a desesperada jogada do G7, de impor um teto ao preço do petróleo – que significa a extensão do uso das sanções como arma  a todo o mercado global de energia – é uma proposta fracassada.

Pouco antes de um mês antes de receber o G20 em Bali, o Ministro das Finanças indonésio, Sri Mulyani Indrawati, não poderia ter sido mais claro: "Quando os Estados Unidos impõem sanções usando instrumentos econômicos, eles estão criando um precedente para qualquer coisa", disseminando instabilidade não apenas para a Indonésia, mas para todos os outros países". 

Enquanto isso, todos os países de maioria muçulmana vêm prestando muita atenção à Rússia. A parceria estratégica Rússia-Irã avança agora paralelamente à entente Rússia-Arábia Saudita, sendo ambos os países importantes vetores de multipolaridade.  

Em um futuro próximo, todos esses vetores fatalmente irão se unir naquilo que, idealmente, deverá ser uma supra-organização capaz de administrar o andar de cima do século XXI: a integração eurasiana.    

Tradução de Patricia Zimbres

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