A revanche do povo pobre
No Datafolha, Rosário vê "a revanche do pobre após toda a opressão que sofreu desde que as agitações golpistas começaram a produzir crise econômica no país"
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(Publicado originalmente no O Cafezinho)
O último Datafolha trouxe excelentes notícias para Lula, a começar pela consolidação, já vista na pesquisa de maio, de um percentual acima de 50%, em votos válidos, nas simulações de primeiro turno.
A oscilação de um ponto para cima ou para baixo, tanto de Lula e Bolsonaro, deve ser desprezada como insignificante, por estar abaixo da margem de erro.
Precisamente, Lula aparece com 47% dos votos totais (53% dos votos válidos), contra 28% de Bolsonaro e 8% de Ciro Gomes.
Os outros candidatos estão, objetivamente, descartados da competição, pela absoluta falta de competitividade.
Mesmo que não consiga vencer no primeiro turno, o ex-presidente Lula aparece com excelente pontuação nas simulações de segundo turno com Bolsonaro: 57% a 34%. Em votos válidos, isso corresponderia a uma surra histórica de 63% X 37%.
O melhor desempenho do PT, em segundos turnos, ocorreu em 2006, quando Lula venceu José Serra (PSDB) por 61% a 39%.
Lula tem hoje, portanto, o melhor desempenho de um candidato do PT já teve em simulações de segundo turno feitas a mais ou menos 100 dias da eleição.
Observação importante sobre o gráfico acima: na época da pesquisa (junho de 2018), Lula era o candidato oficial do PT a presidência da república; mas ele foi impedido pela justiça eleitoral, meses depois, de disputar o pleito, em virtude de uma condenação criminal (anulada anos depois pelo STF) que o fez cair na lei da “ficha limpa”.
Em virtude da extrema polarização do pleito, é cada vez mais instrutivo analisar os cenários de segundo turno, como expressões de uma dinâmica que pode se repetir já no primeiro turno.
O gráfico abaixo, com alguns setores selecionados, resume muito bem a dinâmica atual das eleições. Entre cidadãos de baixa renda (até 2 salários de renda familiar), que representam 52% do eleitorado brasileiro, o ex-presidente Lula obtém uma performance impressionante, com 73% dos votos válidos. É revanche do povo pobre, após toda a opressão que sofreu desde que as agitações golpistas, sobretudo a partir da Lava Jato, começaram a produzir instabilidade política e crise econômica no país.
Lula também registra bom desempenho fulminante entre mulheres, chegando a 70% dos votos válidos. Em nenhum outro pleito presidencial da nossa história democrática, houve uma alinhamento tão forte das eleitoras mulheres em torno de uma candidatura.
Observação similar se estende aos eleitores jovens. Há muito tempo, um candidato do PT a presidência não tinha um desempenho tão forte, a 100 dias das eleições, entre eleitores com idade até 24 anos. Segundo o Datafolha, Lula pontuaria 69% entre jovens até 24 anos, em votos válidos, num eventual segundo turno com Bolsonaro.
Passemos, no entanto, a analisar os cenários de primeiro turno.
Fizemos uma tabela comparativa dos votos espontâneos do candidato do PT versus o principal adversário do campo conservador, nas últimas seis eleições presidenciais (incluindo a deste ano). Os dados se referem, naturalmente, a pesquisas Datafolha.
Lula pontuou 37% na espontânea, contra 25% de Bolsonaro e 3% de Ciro Gomes. Mas Lula já teve uma performance similar antes, que foi em 2006. Pesquisa Datafolha realizada em 22 de agosto de 2006 trazia Lula também com 37%. Essa foi a pesquisa mais similar à divulgada por estes dias, em termos de distância do pleito, que encontramos no site do Datafolha.
Há diferenças importantes entre o Lula de agosto de 2006 e o Lula de junho de 2022.
Em alguns pontos, o Lula de hoje é mais forte. Por exemplo, o Lula de junho de 2022 tem 43% dos votos espontâneos de eleitores de baixa renda, contra 39% do Lula de agosto de 2006.
A vantagem de Lula entre jovens e eleitores com nível superior apresenta importância estratégica para as guerras culturais que caracterizam hoje a dinâmica político-eleitoral.
Num eventual segundo turno com Bolsonaro, o petista venceria o atual presidente por 55% a 44% entre eleitores com nível superior.
Em junho de 2018, Lula aparecia nas pesquisas com 47% dos válidos entre eleitores com ensino superior, contra 53% de Bolsonaro.
Entretanto, a comparação com eleições anteriores também ajuda a ressaltar alguns números preocupantes para Lula, em especial a sua rejeição, que permanece muito elevada, principalmente em setores de classe média.
Segundo o Datafolha, 57% dos eleitores com renda familiar entre 5 e 10 salários disseram que não votariam em Lula “de jeito nenhum”.
Apesar desse eleitorado representar, segundo o próprio Datafolha, 16% do eleitorado, é um setor social muito barulhento, com atividade intensa nas redes sociais, e será necessário uma estratégia muito bem ponderada para reduzir a rejeição junto a este segmento.
Outro alerta importante: em nenhuma eleição anterior, a direita teve um candidato tão forte no primeiro turno. Segundo o Datafolha, Bolsonaro tem 25% dos votos espontâneos. De 2002 a 2018, o principal candidato da direita sempre partiu de menos de 20% na espontânea a 100 dias da eleição. O que mais chegou perto da pontuação atual de Bolsonaro foi José Serra em 2010, que tinha 19% na pesquisa Datafolha de julho daquele ano.
Isso tem uma explicação simples, contudo, que é o fato dele ser muito conhecido, e ser o presidente da república. Mas isso é um agravante, e não um paliativo. Se Bolsonaro é presidente, significa que tem instrumentos à mão para chacoalhar o tabuleiro, de maneira que é importante, para a militância progressista, jamais subestimar esse adversário.
Conclusão
A conjuntura indica uma situação de amplo favoritismo para Lula.
Simone Tebet, depois de semanas sendo apresentada pela mídia, com grande pompa, como a rainha da terceira via, não emplacou. Ao contrário, caiu de 2% para 1%, de maneira que seu capital político, mesmo que se juntasse a outro candidato, não significaria muita coisa.
Ciro avançou um ponto, mas perdeu capital político, porque está cada vez mais distante dos primeiros colocados, e não conseguiu empolgar nenhum setor da sociedade. Tem apenas 3% do voto espontâneo. O esforço narrativo de sua militância, de fazer uma comparação com o cenário de 2018, em que Bolsonaro teria sido uma “surpresa”, não condiz com a realidade. Em junho de 2018, Bolsonaro liderava a pesquisa espontânea, com 12%, à frente de Lula, que tinha 10%, e sobretudo já era o campeão das classes médias. Aliás, desde 2006, sempre houve um candidato de direita com forte entrada no eleitorado de classe média. Bolsonaro tinha 21% entre eleitores com renda de 5 a 10 salários, no Datafolha de junho de 2018, e hoje tem 42% nesse mesmo segmento! E isso na pesquisa espontânea! Ciro tem 5%.
A sucessão de tiros no pé da parte de Ciro deixa o observador sem fôlego. Num dia arruma briga com um humorista amado pelo campo progressista, e acaba de perder os últimos votos à esquerda que ainda tinha. No outro, associa as Forças Armadas ao narcotráfico e ao crime organizado na Amazônia e destrói as pontes que ele mesmo vinha construindo com setores à direita.
Entretanto, o que mais tem produzido mal estar, na campanha de Ciro, não é seu aspecto ridículo, como os desenhos animados do Cartunista Tímido, mas as baixarias, distorções e mentiras reiteradas proferidas pelo próprio candidato. Se o PT pegou pesado com Marina em 2014, a campanha de Ciro este ano pode ser considerada a campanha mais baixa e mentirosa de que se tem notícia desde a redemocratização. Mesmo que aponte sua metralhadora giratória também para Bolsonaro, já ficou evidente que seus ataques mais virulentos (inclusive pelo tom emocional que dá a eles) se dão contra Lula. Afinal, Ciro usa a proximidade política de que desfrutou com Lula para fazer violentíssimos e covardes ataques morais, afirmando saber, por experiência própria, que “Lula é corrupto”. Nas últimas entrevistas, passou a dizer que Lula tem “filho ladrão”, uma baixaria que nem Bolsonaro teve coragem de fazer.
Suas acusações contra o processo de “desindustrialização” e “concentração bancária” são irresponsáveis. Ciro finge ignorar que os governos Lula tentaram levar adiante um audacioso programa de industrialização do setor de óleo e gás, e que foi exatamente por isso que a operação Lava Jato foi deflagrada, com auxílio do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. A industrialização do setor de óleo gás, a partir dos investimentos da Petrobrás, inauguraria uma nova era para o setor de energia no país, e consolidaria as bases para um amplo processo de reindustrialização do país.
A concentração bancária do país, por sua vez, começou nas administrações de Collor e Itamar Franco, com a entrega de bancos estaduais para os grandes bancos privados do país, com participação inclusive de Ciro Gomes quando foi ministro da Fazenda ao final do governo Itamar. Culpar Lula por um processo que se iniciou muito antes de sua chegada ao poder, é uma forma covarde e mesquinha de manipular a história.
Lula também comete seus escorregões, mas o seu capital político, infinitamente superior, lhe permite margens de manobra mais folgadas. Além do mais, como Lula conseguiu construir uma base mais ampla, com a participação de sete partidos, e setores plurais da sociedade, essa estrutura serve ao mesmo tempo como retaguarda crítica e blindagem política.
Apesar do cenário ter se mantido estável, de uma pesquisa para outra, o tempo passou. E assim como a gravidade – o poder de atração da matéria – se multiplica conforme nos aproximamos de um objeto de grande massa, o mesmo ocorre na política. A medida em que as eleições se aproximam, o crescimento da expectativa de poder, para um candidato que tem acima de 50% (em votos válidos) nas pesquisas, é mais significativo do que oscilações abaixo da margem de erro.
Ou seja, mesmo tendo oscilado um ponto para baixo no último Datafolha, a expectativa de vitória de Lula cresceu, porque uma pesquisa realizada ao final de junho está mais próxima das eleições do que a realizada em maio.
Além do mais, há outros fatores que fortalecem Lula, além das pesquisas. Diferentemente de outos candidatos, ele está sendo muito bem sucedido na construção de alianças e palanques. Já tem palanques garantidos fortes em todo o Nordeste e Sudeste, regiões que representam cerca de 70% do eleitorado nacional. Em São Paulo, em particular, principal colégio do país, Lula não apenas lidera nas pesquisas realizadas até agora, como tem um candidato de seu próprio partido à frente das sondagens para o governo do estado.
A propósito, reportagens recentes informam que Lula está prestes a resolver o mais importante imbróglio de sua aliança com o PSB, que é a disputa entre Haddad e Marcio França, para definir quem será o candidato do campo progressista ao Palácio dos Bandeirantes. Ao que tudo indica, França aceitará a indicação para o Senado, e apoiará Fernando Haddad. Com isso, Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, e dono de um importante capital político no estado, ficará livre para correr o interior, em busca de votos e alianças para a a chapa da qual é o vice.
Caso essa última notícia se confirme, Lula terá encaixado uma das últimas peças na engrenagem política que deverá usar para vencer as eleições de outubro.
A preocupação central de Lula e seus apoidaores nem deveria ser a vitória em primeiro turno.
Desde que vença o primeiro turno com razoável vantagem, e que seus aliados nos estados também consigam um bom desempenho, Lula poderá construir uma estratégia extremamente eficaz para vencer no segundo. E isso sim é importante, vencer as eleições, derrotar Bolsonaro, seja no início, seja no fim de outubro.
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