A quem serve o desmonte do Estado?

Em nome de uma fictícia eficiência dos entes privados o espaço público é agora colonizado, velozmente, por interesses particulares e os direitos e patrimônios coletivos são desmontados, em favor dos ricos e em detrimento dos pobres

Bolsa de valores e Michel Temer .2
Bolsa de valores e Michel Temer .2 (Foto: Décio Lima)


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O Estado, contemporâneo das primeiras cidades, surgidas após a invenção da agricultura, se consolidou, historicamente, como um mecanismo fundamental na organização da sociedade. É, em grande parte, resultado da ambiguidade da experiência humana, que é vivida por cada um de nós na condição de indivíduos singulares, cuja existência está, dramaticamente, vinculada a um único organismo, e também como experiência coletiva. Sendo animais gregários dividimos as regras, estruturas, oportunidades e sorte de determinada sociedade. Tal experiência gera, inevitavelmente, dois campos de interesses diversos, os de ordem particular e os de natureza coletiva. O que logo ficou claro para a espécie humana é que se cada um se dedicasse exclusivamente a seus interesses particulares, sem instâncias de mediação com os outros interesses, as necessidades de ordem coletiva sucumbiriam diante de um conflito interminável entre singularidades e a própria sociedade seria arruinada. O Estado surgiu então como um realizador, imperfeito obviamente, dos interesses da coletividade e fonte de mediação e normatização da vida, através da exclusividade na confecção da lei e no direito de usar a violência para punir os crimes.

No decorrer dos séculos os modelos estatais variaram enormemente e podemos afirmar que até a advento da democracia moderna, com a universalização do voto a partir da segunda metade do século XX, os estados eram principalmente instrumentos de manutenção do poder dos setores mais abastados da sociedade, garantindo meios para a concentração privada da riqueza produzida socialmente e usando de violência contra eventuais insurgências dos de baixo. Obtinha assim determinada estabilidade da sociedade, mas não representava os interesses da maioria. A democracia, através de um processo longo, que incluiu o amadurecimento político das classes subalternas, recolocou as funções dos estados nacionais. Se nos modelos anteriores a função do aparelho estatal era garantir a harmonia pelo uso da força agora ele é instado agora a construir o bem-estar de todos os seus cidadãos. A mudança não foi insignificante nem meramente teórica, ela alterou a própria natureza do Estado. A harmonia entre os interesses particulares não é mais suscetível de ser articulada pela força que permitia a concentração de poder e riqueza, ela só se torna possível por uma distribuição mais justa da riqueza e do poder, empreender tal distribuição passou a ser tarefa do Estado. Governantes que antes deviam realizar o desejo dos de cima agora, submetidos a soberania do voto popular, devem atender o andar de baixo.

Obviamente que os setores mais abastados da sociedade ressentiram-se com tal mudança e progressivamente assumiram uma posição política francamente antiestatal e avessa a democracia. Em nosso tempo esse ressentimento está manifesto na plataforma política que conhecemos como neoliberalismo, que é claramente o modelo defendido pela quadrilha que neste momento governa nosso país.O presidente ilegítimo e seu bloco de apoio acreditam na primazia dos interesses particulares sobre os coletivos e que as decisões das massas populares são impertinentes nas decisões do Estado. Dentro de tal projeto a única função do Estado é uso da violência para conter os descontentamentos inevitáveis em uma sociedade em que os pobres, apesar de produzirem a riqueza através de seu trabalho, não tem direito a nada. Em nome de uma fictícia eficiência dos entes privados o espaço público é agora colonizado, velozmente, por interesses particulares e os direitos e patrimônios coletivos são desmontados, em favor dos ricos e em detrimento dos pobres. A retirada dos direitos, a liquidação de fontes de riqueza e conhecimentos coletivos, como a Petrobrás, o Banco do Brasil, as universidades pública e institutos federais, entre outros, são uma das facetas do projeto em curso, a outra é o rápido sucateamento dos serviços públicos mais fundamentais, como saúde e educação, para que diante de sua ruína eles sejam substituídos por empresas privadas que possam realizar ali a fórmula do lucro, serviços ruins, caros e somente para os que puderem pagar. A Samarco e planos de saúde particulares estão aí para exemplificar os resultados da colonização do público pelo privado. Em um passado recente, os dois governos de FHC, esta política lançou o país na miséria mais profunda e arruinou a economia nacional. Seus estragos só não foram maiores porque a democracia não foi rompida e forças oposicionistas e a opinião popular impuseram obstáculos ao saque completo do patrimônio público e ao desmonte dos direitos. Em sua nova fase, golpista, o projeto neoliberal desvencilhou-se da democracia e agora destrói a nação, seu patrimônio físico e civilizacional, ignorando qualquer pudor democrático e mandando as favas a vontade e os interesses da maioria. O equilíbrio entre a concentração privada da riqueza socialmente produzida, também conhecida como capitalismo, e a democracia só é pensável se o Estado os aparelhos públicos tiverem ação fortemente distributiva. O caminho que hora trilhamos, com os entes particulares e o Estado ignorando o interesse público e trabalhando, intensamente, em favor do enriquecimento privado de poucos, leva a economia a ruína, as pessoas a miséria e a democracia a morte

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