A privatização dos Correios será uma doação entre amigos

Apesar do conjunto de serviços que os Correios oferecem, e sem apresentar prejuízos financeiros, o governo federal insiste em fazer caixa imediato, ignorando o fundamental atendimento à toda a população

(Foto: Ricardo Moraes/Reuters)


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José Álvaro de Lima Cardoso

A Câmara dos Deputados aprovou no dia 5 de julho o Projeto de Lei 591/21, do Poder Executivo, que autoriza a exploração pela iniciativa privada de todos os serviços postais e estabelece condições para privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), conhecida popularmente como Correios. A secretária de privatização, Martha Seillier afirmou, recentemente,  que só será possível calcular o lance mínimo do leilão dos Correios, após a segunda fase dos estudos de privatização, cuja conclusão está prevista para este mês de setembro, e depois que o Congresso confirmar a venda. A secretária falou também que o preço mínimo será muito menor do que o valor dos ativos da empresa, já que o comprador levará em conta os custos que terá de assumir. Segundo ela, além da obrigação de manter o serviço de cartas e correspondências em todo o Brasil, a empresa terá que pagar impostos que hoje a estatal não paga. E arrematou: "Vai sobrar um valorzinho, vamos dizer assim, que é o quanto a gente vai pedir no leilão".

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O governo esqueceu até de manter o discurso farsesco de que a política de privatizações visava obter recursos para fortalecer o caixa da União e, inclusive, para reforçar programas sociais do governo. Querem vender por um “valorzinho” uma empresa que gerou mais de R$ 1,6 bilhão de lucros no ano passado e que, somente neste ano, já acumulou mais de R$ 1 bilhão de lucros. A empresa, segundo o balanço contábil de 2020, tem um patrimônio líquido de R$ 950 milhões (valor dos ativos menos o dos passivos). Somente os imóveis da empresa valem R$ 3,85 bilhões. 

Atualmente, a iniciativa privada participa do mercado dos serviços postais através de franquias, com os preços tabelados pela ECT. Alguns serviços, como envio de carta e telegrama, são monopólios dos Correios. Mas nos serviços de encomendas, por exemplo, o setor privado já atua. Foi aprovado na Câmara Federal, em julho, um substitutivo que estabelece que o monopólio para carta e cartão postal, telegrama e correspondência agrupada ficará com os Correios por mais cinco anos, podendo o contrato de concessão estipular prazo superior.  

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O processo de privatização dos Correios é tão antinacional, que estão realizando a privatização da empresa em “regime de urgência”. Eles têm que fazer o processo a toque de caixa, sem nenhuma transparência. No meio de uma pandemia, onde o Brasil passou à condição de epicentro, na maior crise econômica da história, se apressam em entregar os Correios, por um “valorzinho”, para o capital privado. 

Os Correios são uma estatal bastante eficiente, guardados os limites das condições em que funcionam as empresas públicas em países atrasados e periféricos. Estão presentes, por exemplo, em todos os 5.570 municípios brasileiros. Além de entrega de correspondência e produtos, presta vários serviços em suas agências, como a emissão, regularização e alteração de CPF; emissão de certificado digital; entrada no seguro por acidente de trânsito (DPVAT); distribuição de kit da TV Digital e pagamento a aposentados de INSS. Presta também outros serviços, como emissão de carteira de identidade, em alguns estados. 

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Apesar de todo esse conjunto de serviços que os Correios oferecem, e sem apresentar prejuízos financeiros, o governo federal insiste em fazer caixa imediato, ignorando o fundamental atendimento à toda a população. O primeiro impacto a ser sentido será na qualidade do atendimento, principalmente nas cidades do interior brasileiro. O motivo é o fim do subsídio cruzado que permite que as cidades maiores, com maior movimento nas agências dos Correios, mantenham abertas as agências das cidades pequenas.

Segundo os especialistas no assunto, a população dos grandes centros vai sentir mais a privatização no valor do frete das mercadorias. Já a população das pequenas cidades vai sentir duplamente, na demora da chegada das correspondências e também no aumento dos preços. Atualmente, as empresas privadas de entregas de mercadorias utilizam os serviços dos Correios para fazer chegar até a população que mora em locais mais distantes, pacotes de encomendas. Nesse Brasil Continente, os Correios levam dois ou três dias de barco, atravessando o Rio Amazonas para levar a encomenda. As empresas, ao invés de montar estrutura própria para fazer isso diretamente, usam os serviços dos Correios, que sai bem mais barato.

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As empresas privadas não farão isso, em função da reduzida margem de lucros, nesse tipo de atendimento. A consequência imediata será o aumento dos preços dos serviços de correios para as empresas e para a população em geral. Mesmo com a disseminação das compras via internet, os Correios continuaram ampliando o seu papel. Os livros, os eletrodomésticos, e um conjunto grande de encomendas têm que ser entregues. E os Correios fazem isso. Faz parte dos serviços da empresa a entrega de livros didáticos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no início do período letivo, e das provas do Enem. 

A Companhia vinha sendo preparada para ser privatizada desde o golpe de 2016. Recentemente fecharam o Banco Postal, serviço através do qual era possível para os moradores das pequenas cidades, onde não têm agências bancárias, nem lotéricas, fazerem seus pagamentos, sem necessidade de ir a outra cidade.  Os Correios atualmente têm 99 mil trabalhadores, 23% a menos do que tinha em 2011. Ao mesmo tempo em que reduziram o número de funcionários, ampliaram o atendimento, o que já começa a precarizar os serviços prestados à população. Os atendentes do Banco Postal, para não serem demitidos acabam aceitando a função de carteiros, e no final das contas o prejuízo é da população, que demora mais em ser atendida nas agências. 

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Além de prestar um bom serviço coletivo, os Correios não dependem de recursos do Tesouro Nacional (é uma estatal independente). A Empresa tem dado lucro nos últimos quatro anos, no ano passado este foi de R$ 818 milhões. Portanto, não dá para utilizar prejuízo financeiro como desculpa para privatizar. Além disso, não há monopólio do serviço de encomendas no Brasil, e sim livre concorrência, com várias empresas atuando.

Quase 90% das lojas virtuais brasileiras utilizam os serviços dos Correios. A maioria delas só usa os Correios, apesar de existirem no mercado centenas de competidores no serviço de encomendas. Os preços competitivos e a capilaridade dos serviços dos Correios constituem uma das principais alavancas a favor dos pequenos empreendimentos de e-commerce no Brasil, possibilitando que sejam feitas vendas para qualquer lugar do país ou do mundo. 

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A infraestrutura dos Correios, construída ao longo de mais de 350 anos, cobre o país todo e funciona sistematicamente, integrando o território, e viabilizando megaoperações com êxito, como são os casos emblemáticos da distribuição de livros didáticos, do ENEM, do Seja Digital (distribuição de antenas digitais) e tantos outros. 

Os Correios, ao longo de sua história e, apesar das trapalhadas do Tesouro e do Ministério da Fazenda, tem conseguido se manter sem depender de aportes do Governo Federal. Segundo informações da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), em um conjunto de 270 países, entre desenvolvidos e emergentes, apenas oito têm serviços dos correios privatizados. Portugal e Alemanha, entre os oito, já começam a discutir a reestatização do serviço. A Argentina reestatizou o serviço no governo de Cristina Kirchner, após reclamações da população.

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Os Estados Unidos mantêm o serviço postal, o United States Postal Service (USPS), com 600 mil trabalhadores (seis vezes o número dos Correios). Grandes empresas atuam na área de encomendas, sem concorrer em outros serviços prestados pela estatal norte-americana. É o caso do pagamento do seguro-desemprego, que é feito na estatal. Mas, a exemplo de todas as privatizações do governo Bolsonaro, as razões das privatizações não são técnicas. 

O governo não está privatizando os Correios para melhorar o serviço. Está privatizando justamente porque os capitais privados estão de olho nos 1,6 bilhão de lucros que a companhia apresentou no ano passado. A privatização dos Correios, já se sabe, irá favorecer grupos específicos. Grandes grupos e, possivelmente, internacionais. Vai aumentar imediatamente a remessas de lucros para o exterior, os grupos que adquirem os ativos são estrangeiros, não tem nenhum compromisso com o país. Obviamente remeterão os lucros para as suas matrizes. 

A privatização dos Correios vai implicar em mais demissões, como sempre acontece. Juntamente com as demais demissões, irá agravar a concentração da renda, aumentar a pobreza e a miséria no país, impedindo também o crescimento econômico e a criação de empregos etc. Este é um círculo vicioso interminável e que envolve setores muito poderosos. É também um jogo que somente será virado quando a população perceber que as privatizações são um roubo, puro e simples, com uma tentativa brutal de parecer uma operação legal. 

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