A prisão de Bolsonaro é a Justiça de Transição descendente

A estratégia para Lula encerrar de uma vez por todas este ciclo grotesco de golpes e alternância entre democracia e sistemas autoritários no Brasil

Hélio, Bolsonaro e Carlos
Hélio, Bolsonaro e Carlos (Foto: Reprodução)


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Olha! Vou direto ao assunto: o novo governo Lula, para encerrar de uma vez por todas este ciclo grotesco de golpes e alternância entre democracia e sistemas autoritários no Brasil, necessita investir pesadamente em ao menos três dimensões:

i) uma política sistemática de promoção de direitos (trabalho, comida, educação, saúde etc.). Falamos da emancipação estrutural dos sujeitos, estes que viram suas condições materiais e seu futuro dissolvidos por um conjunto de políticas ultra neoliberais avassaladoras nos últimos seis anos;

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ii) uma política efetiva de educação para a democracia, os direitos humanos e a cidadania, cujo mote seja a emancipação cognitiva dos sujeitos, pessoas que viram suas mentes sequestradas pelos conteúdos manipulados e informações falsas, ou de um jogo de alienação como nunca antes neste País. Tenho dito com frequência que, no Brasil, para além da consciência de classe (como nos ensina Marx), é necessária uma consciência decolonial [1] (que vemos na intercomunicação deste texto) a nosso povo;

iii) uma ação concreta dos órgãos de controle e investigação frente aos crimes praticados por Jair Messias Bolsonaro e sua turma de primeiro fronte. A isso (mas não somente) podemos pensar numa espécie de emancipação civilizatória dos sujeitos e da sociedade.

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Sinceramente, ou o governo foca nisso, ou podemos esperar um novo “bolsonaro” surgir bem ali, poucos anos à frente, para nos obrigar a nova resistência e enfrentarmos a dor de um País esfacelado mais uma vez em bem pouco tempo. Ou pensamos realmente sobre estas questões, ou o bolsonarismo funcionará como brotos de erva daninha jogadas em cada rincão deste Brasil aguardando o momento oportuno para tomar de conta (da “plantação”) das estruturas de poder, e da cognição massiva de nossa gente.

Sobre este ponto iii) resolvi centrar o texto de hoje. Mas é fundamental, de largada, deixarmos claro que, o governo centrar seus órgãos de investigação a fim de prover a prisão de Bolsonaro por seus crimes nada tem a ver com sentimento de vingança da sociedade. Nem mesmo saberia dizer se falamos apenas de justiça. Fundamentalmente se trata de pedagogia. Senão, vejamos. Bolsonaro flertou com todos os traumas do povo brasileiro nestes míseros quatro anos: riu da dor das pessoas pelas mortes na COVID-19; humilhou jornalistas e tantos outros sujeitos; ameaçou adversários o tempo inteiro, estimulando inclusive sua morte; operou para uma política de fome e miséria da maioria da população; tornou seu “cercadinho” comunicativo uma ferramenta de beligerância constante; invocou o tempo inteiro as Forças Armadas para um golpe militar (ainda bem que não caíram nisso, embora deram trabalho); retirou com toda a força e terror – claro!, com apoio de um Congresso Nacional de maioria corrupta; cooptada pelo Orçamento Secreto – os direitos da classe trabalhadora. Enfim, fez tudo que um democrata verdadeiro não faria. Fez tudo que um ser humano verdadeiramente humano não faria.

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Entretanto, é fundamental deixar claro que Bolsonaro não praticou essas atrocidades sem apoio popular. Aos moldes de todo fascista – e usando as ferramentas essenciais que os fascistas se utilizam – sequestrou a mente das pessoas para mergulharem em sua seita maldita. Inviabilizou qualquer lógica de debate fraterno entre os sujeitos e os atores sociais distintos. Interditou a racionalidade fática, conduzindo seu rebanho (cerca de 30% do povo brasileiro) para um mundo paralelo tal qual um multiverso da loucura (sem trocadilhos com o filme da Marvel). Portanto, o bolsonarismo somente será eliminado (retomemos a metáfora dos brotos de erva daninha) se houver severa punição àqueles que praticaram crimes graves contra a democracia, a vida e o conteúdo civilizatório de nossa nação. A começar pelo Bolsonaro, outros precisam pagar pelos seus atos deliberados.

A isto, chamemos sem dúvidas por justiça de transição descendente. E por que descendente? Primeiramente, deixemos claro que existem três períodos na história do Brasil que são os mais grotescos, a saber, i) a colonização escravagista; ii) a ditadura militar de 64; e iii) o fascismo bolsonarista. Devemos à sociedade brasileira as agruras da justiça verdadeira (e ela se fará) para todos os tempos, em particular, a estes três que me refiro acima como tempos de destruição de vidas e de conteúdos nacionais elevados à milésima potência. 

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Contudo, merecemos distinguir alguns referentes. O primeiro: o que é justiça de transição? Penso ser oportuna esta síntese:

 “A justiça de transição pode ser entendida como um conjunto de ações, dispositivos e estudos que surgem para enfrentar e superar momentos de conflitos internos, violação sistemática de direitos humanos e violência massiva contra grupos sociais ou indivíduos que ocorreram na história de um país. Dentro dos contextos mais distintos que cada país pode oferecer, alguns objetivos comuns podem ser estabelecidos como norteadores gerais da justiça de transição: julgar os perpetradores de crimes e das graves violações de direitos humanos; estabelecer a verdade sobre os fatos ocorridos no período; registrar, reconhecer, e dar visibilidade à memória como construção imprescindível da história do país; oferecer reparações às vítimas; reformar as instituições que participaram direta ou indiretamente das violações cometidas .”[2]

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É fato afirmar que esta categoria conceitual é mais utilizada para o espectro dos tempos de chumbo da Ditadura de 64, contudo, faço questão de estender a dimensão para os fatores, como os coloniais (dos crimes – não tipificados à época – da escravidão). Ora, quer mais atrocidade, tanto física, metafísica, simbólica, cultural, material que as cruezas praticadas contra o povo negro, africanos e brasileiros, usados como força de trabalho por um sistema covarde de desumanização (coisificação) dos sujeitos como os 300 anos em que fora autorizado pela convenção social a escravização destas pessoas? E quando houve a reparação? Quando se fez justiça ao povo negro? Quando haveremos de romper de uma vez por todas com as marcas dolorosas e as cicatrizes não-curadas deste tempo?

Por derradeiro, é fundamental lembrar que a modernidade tem “exigido” novos modos aos sistemas autoritários. Brito et al (2021, p. 242) nos lembra que “o contexto atual de emergência do autoritarismo neoliberal em países latino-americanos provoca impactos significativos no acesso à Justiça e a direitos fundamentais. Diferentemente das experiências pretéritas de regimes ditatoriais, essas investidas autoritárias não surgem como uma ruptura abrupta do que se entende por Democracia; ao revés, no século XXI parecem emergir a partir de instrumentos e de instituições próprias dos locais onde implementadas. O ‘neoautoritarismo’, movimento das últimas duas décadas de ruptura de pactos de solidariedade social, é marcada por partidos políticos racistas, nacionalistas, postura governamental de apoio irrestrito ao capitalismo desenfreado (…)” [3].

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Apoiando-me nos autores para o argumento de que, i) o bolsonarismo é sim um movimento de “neoautoritarismo” que precisa ser extirpado; e ii) não é, contudo, uma ideologia uni-personalística, contudo, uma corrente que vai se formando na sociedade a partir de nossos preconceitos (racismo colonial), nossa frágil cognição política que impõe às coletividades fácil sedução “messiânica”, assim é dissertado que, “a partir dessa concepção, não se pretende desenvolver o mito de uma sociedade civil vitimada. Pelo contrário, é necessário reafirmar que golpes de Estado e permanências autoritárias são sempre materializados com o indispensável apoio de parte da população e de setores coordenados da sociedade civil, como empresas organizações de classe, bancos, entidades religiosas e imprensa (GROPPO, 2015, apud BRITO et al, 2021, p. 245).

Relevante asseverar que na América Latina “são constantes os golpes, diretos ou camuflados, ao regime democrático de países da região” (BRITO et al, 2021, p. 254), como os que acontecem em nosso País pós-2016. Portanto, há, ao lado da necessidade de trabalho e comida no Brasil que advêm, uma sistemática ação ao translado dessa justiça de transição tardia. Isto posto, a expressão descendente (evento cronológico) vem ao encontro de que, de traz para frente, devemos ir virando as páginas trágicas da história de nosso Brasil, começando esta justiça de transição pela prisão do homem que flertou – e matou gente – com seu autoritarismo barato, seguindo para a reparação dos demais momentos crônicos do País, especialmente, o “64” e a colonização (tempos intermináveis), a fim de reescrever de uma vez por todas uma nova história, uma nova – e definitiva – democracia a uma nova estética civilizatória.

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…………………

[1] Por consciência decolonial, entendemos os fatores cognitivos e educacionais que, de um lado localizam as pessoas acerca da história do País nas dimensões que o tempo de Brasil-colônia promoveu todo tipo de espoliação e submissão de alguns sujeitos sobre os demais (que formam a maioria); e do outro empoderam os sujeitos, a partir da compreensão cultural-histórica, para não mais se permitir qualquer nível de exploração e dominação de outrem sobre si e os sobre seus. Trata-se da construção de uma nova mentalidade (para uma ação concreta), decodificando da consciência o impregnado em nós quanto à operacionalização dos instrumentos coloniais (entre os quais, o racismo, o patriarcado e a opressão pacificada). Aqui, as raízes do nosso problema civilizatório.

[2] Retirada do sítio: https://memoriasdaditadura.org.br/justica-de-transicao/. Acesso em: 15 de agos. de 2022.

[3] BRITO, Anne C. R. da S.; SOUZA, Gustavo de A.; KAJARA, João P. H. K.; PASSOS, Manuela de S.; TORREÃO, Marcelo P.; ROCHA, Mariane C. G. da S.; e CHAGAS, Pedro H. F. das. Movimentos Sociais, Acesso à Justiça e Emergência do Autoritarismo na América Latina. In: José Geraldo de Sousa Junior et al. (Org.). O Direito Achado na Rua: questões emergentes, revisitações e travessias.1ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021, v. 5, p. 241-259.

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