A potência urbanística dos pequenos municípios
Com até 50 mil habitantes, eles representam 90% das cidades do País. São palco de práticas oligárquicas, mas também de transformações inspiradas no agir local
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Por Márcia Lucena, Flávio Tavares e Raissa Monteiro*
Publicado originalmente no site Outras Palavras
Cidadãos e cidadãs brasileiras foram historicamente excluídos do processo de construção das cidades por decisões políticas que ignoram existências e realidades locais. Muitos nem sabem que voz e participação é um direito – este é um abismo a ser transposto. Se queremos uma gestão democrática e uma população livre dessas históricas amarras, precisamos encontrar formas de transpor o abismo e assumir o compromisso de construir as pontes para se reconectar – convidando e animando quem estiver disposto a atravessar para, juntos e juntas, traçarmos futuros possíveis.
Os pequenos territórios, em especial os municípios de menor porte, são arenas de fortes práticas oligárquicas e opressoras que resistem, ainda muito explicitamente, no dia a dia do Brasil e da América Latina. O Conde, pequena cidade da Paraíba, Nordeste do Brasil, é um espelho muito fiel disso. De um lado, ela é o segundo principal destino turístico da Paraíba, rica em cultura, belas paisagens e recursos naturais. Por outro lado, apresentava, pelo censo de 2010, 62,34% de vulneráveis à pobreza e alarmantes índices de analfabetismo. Se a riqueza de um território não enriquece economicamente e culturalmente o seu povo, precisamos repensar como e quem o administra.
Qual o seu nome? Qual sua história? Em que cidade você quer viver? Dentre todos os desejos e sonhos, como eleger prioridades? Como são executadas e pagas as melhorias que elegemos juntos? Quer participar? Vamos acompanhar a obra?
Perguntas como estas se repetiram inúmeras vezes, em diversas ocasiões, durante a gestão de uma professora, que se candidatou (e se elegeu) pela primeira vez prefeita municipal, e que colocou a discussão sobre o direito à cidade como centro da sua pauta política.
Engajar é uma das tarefas mais desafiadoras nesse processo político-pedagógico. Por vezes frustrante, por vezes surpreendente. Nesse contexto, a gestão do Conde desenvolveu e experimentou muitas metodologias e tecnologias sociais para ouvir o povo. Muitas dessas ações foram transformadas em projetos e/ou políticas públicas inovadoras, como por exemplo, o “Olá Comunidade”, o “Orçamento Democrático” e a “Lei de Gestão Compartilhada”.
Mais do que garantir a participação, esses mecanismos tinham como intenção efetivar na cidade a cultura que uma gestão deve trabalhar pelo bem comum, sem clientelismos. Isso exige o estabelecimento de ritos e expedientes muito claros. Acolher, escutar e conectar-se com franqueza, mantendo a impessoalidade e a transparência, é definitivamente um dos maiores desafios de uma gestão democrática.
O caso de Conde, apesar de ter acontecido no tempo de um mandato, gerou resultados locais esperançosos, que expressam uma forma de aplicação de políticas públicas historicamente defendida e incentivada pelos governos do campo democrático e popular, feita de forma inovadora e criativa, com os recursos e ferramentas possíveis. Essa experiência conquistou importantes espaços nacionalmente em debates nos mais variados eventos e premiações nacionais, como o Prêmio Municiência, da Confederação Nacional dos Municípios em parceria com a União Europeia, que reconheceu o EPA – Escritório Público de Assistência Técnica e o Prêmio Cidades Caminháveis, promovido pelo SampaPé, em parceria com o ITDP Brasil e o Walk 21, apontando a reurbanização do centro da cidade, fruto de um concurso de projetos, como a melhor do Brasil na categoria cidades pequenas.
Por causa dos reconhecimentos recebidos surgiram progressivas demandas para entender melhor as políticas públicas desenvolvidas, seu arranjo institucional e o contexto político e social que viabilizou sua aplicação na prática. Assim, parte da equipe que coordenou essa transformação territorial se reuniu para produzir uma publicação que narrasse os desafios e aprendizados dessas ações locais transformadoras.
Compreender e debater essas oportunidades políticas é fundamental para que possamos gerar cenários de replicação desse modo de agir local em outras realidades nos mais de 90% dos municípios brasileiros que possuem até 50 mil habitantes.
Agir local é intenso desde os bastidores, mas recompensado pela certeza que as experiências propostas serão sempre marcantes e contagiantes – pois tocam diretamente seres humanos. É um ofício de aprendiz, onde precisamos sempre nos reinventar para fazer o melhor com o tempo e os recursos disponíveis, aqui e agora – afinal, já se esperou tempo demais. Os problemas a serem resolvidos nas cidades brasileiras estão expostos e muitos são velhos conhecidos.
* Flávio Tavares é urbanista e atual Diretor-Executivo do Instituto Território. Foi Secretário de Planejamento do Município de Conde/PB e hoje integra o Conselho Superior de Arquitetos do IAB, a rede BrCidades e o Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas de Cidades da Fundação Perseu Abramo.
Raissa Monteiro é arquiteta, urbanista e mestra em Assentamentos Humanos. Foi Coordenadora de Planejamento Territorial na Secretaria de Planejamento de Conde (2017-2020) e integra o Conselho Superior de Arquitetos do IAB e o CAU/PB. Hoje colabora com a implementação do Projeto CITinova no Recife (PE).
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