A peste em Nova York

Não é à toa que a peste nos pegou de jeito. Só não desaparecemos com ela, tragados por sua avalanche, porque somos muitos numa nação grande e habituada a sofrer, desde a chegada dos colonizadores portugueses. É certo que uma enfermidade virulenta como essa nos leva de roldão

Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro (Foto: Alan Santos/PR)


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Albert Camus publicou o seu A peste, pela Editora Gallimard, em 1942, quando se achava internado num sanatório de tuberculosos. Na França ocupada de Vichy, a censura não detectou problemas. Era um romance sobre uma peste bubônica, dizimadora. O mundo atravessava um momento de peste própria, sob os efeitos do nazifascismo que, ao mesmo tempo, imobilizava as populações e as convocava a resistir. Não vivemos, na verdade, hoje, algo de muito diferente, pelo menos no Brasil. A visita de Bolsonaro a Nova York, para abrir a Assembleia-Geral da ONU, de acordo com a tradição, trouxe à memória a obra de Camus e sua metáfora em torno da crueldade e da violência da extrema-direita, sob o disfarce de uma enfermidade. Também não sugere como uma analogia gratuita a contaminação de um grupo de pelo menos cinco pessoas, incluindo o dirigente da Caixa Econômica, antes do retorno a Brasília, e as avaliações sobre a pobreza do discurso de abertura do evento, na presença de um conjunto importante de chefes de Estado.

A peste grassa ainda em proporções avassaladoras em território nacional, embora já não pegue as pessoas desprevenidas. Há quem se recuse à vacinação e às medidas de proteção, como o ocupante do Palácio do Planalto, passando pela posição ultrajante de sequer poder entrar num restaurante para uma refeição nos Estados Unidos, tendo de sair por uma porta, enquanto John Biden entrava por outra, para que não se cruzassem. A insistência no negacionismo, a este ponto, ultrapassa o terreno das posições políticas e beira os limites da falta de inteligência. A peste agiu. O filho 03, o Eduardo, com tanto prestígio que deu retoques no discurso do pai, contraiu a Covid-19, junto com Teresa Cristina, da Agricultura, Marcelo Queiroga, da Saúde, e Bruno Bianco, da AGU, obrigados, junto com Jair, a cumprir uma quarentena, para evitar que contagiem novos membros do governo. Isso para não mencionar outro exemplo de enfermidade: o médico Queiroga, naquele instante quem sabe mal da cabeça, exibindo um gesto obsceno para alguém que o cumprimentara com hostilidade.

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A praga atingiu a qualidade do discurso. Assistimos a um Presidente inseguro, de posse de uma verborragia voltada para os seus apoiadores, sem outros interlocutores no restante do planeta. Além disso, recheado de mentiras. Quem acredita que nos transformamos em campeões do meio ambiente, diante das sucessivas queimadas na Amazônia e no Pantanal, assistidas pelos órgãos do governo de braços cruzados, como se estivessem se divertindo com o espetáculo? Difícil imaginar, do nosso ponto de vista, um cenário pior para tocar no assunto, sem que uma gargalhada corresse solta naquele auditório de gente qualificada e intelectualmente preparada.

Não é à toa que a peste nos pegou de jeito. Só não desaparecemos com ela, tragados por sua avalanche, porque somos muitos numa nação grande e habituada a sofrer, desde a chegada dos colonizadores portugueses. É certo que uma enfermidade virulenta como essa nos leva de roldão. Daí a necessidade de muita proteção. Como remédio, necessitaríamos de sensibilidade, quilos de sensibilidade, com os pobres, os oprimidos, os abandonados pela vida, os negros, os desvalidos, os indígenas, etc. – exatamente o que atualmente nos falta. Por reação, pensemos em 2022. As pesquisas anunciam boas novas. Talvez, com elas, nos livremos da pestilência em suas várias dimensões...

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