A pedra atirada na sombra

Gal, Boldrin e tantos outros representaram a pedra atirada na sombra de um país que, enquanto se ergue a duras penas, gritaa dor de suas expectativas

Gal Costa em apresentação em Vigo, na Espanha, em julho de 2006 18/julho/2006
Gal Costa em apresentação em Vigo, na Espanha, em julho de 2006 18/julho/2006 (Foto: Miguel Vidal/Reuters)


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Artistas que saem de cena, pela contingência da morte, como Gal Costa e Rolando Boldrin, deixam-nos uma tristeza atravessada pela consciência de tantas alegrias que nos proporcionaram. É como se o espaço vazio sugerisse a falta que, por nosso turno e por nossa conta, jamais preencheremos. Afinal, estamos numa sociedade que luta, às vezes desesperadamente, para existir – e nem sempre satisfaz nossos desejos. Nos últimos quatro anos, um governo irritadiço, dado a brutalidades e insensibilidades, incapaz de derramar uma lágrima pelas vítimas da Covid-19, transmitiu-nos um sentimento próximo do abandono, com poucas margens para compensações. Artistas, apesar de perseguidos e desprestigiados por ele, estiveram, no entanto, em nossa companhia, cantando, rindo e nos divertindo, como se tudo, com eles, se tornasse mais leve. Cumpre confessar que, sem alegria, diminuímos de tamanho, não alcançamos a verdadeira dimensão do que somos.

Aqui nos vem à mente o clássico de Luchino Visconti Terra trema (1948), passado na Sicília, entre operários que se esforçam por construir quando em volta se acham de fato entre ruínas. Um, na cumeeira de uma casa erguida com seus braços, joga uma pedra na sombra da primeira pessoa que passa. E explica: para construir qualquer coisa é necessário um sacrifício.  

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Gal Costa, Rolando Boldrin e tantos outros representaram a pedra atirada na sombra de um país que, enquanto se ergue a dura penas, grita em certos momentos a dor de suas expectativas. Felizmente, acabamos de participar de uma eleição que deu vitória a Luís Inácio Lula da Silva contra Jair Messias Bolsonaro. Por cerca de quatro anos assistimos a tudo, de mentiras de toda ordem a repetidos apelos por golpes de Estado. O empobrecimento aumentou, o número de desabrigados se multiplicou, faltaram políticas de inclusão social e investimentos em cultura, saúde e educação. No Ministério da Fazenda, o titular da pasta só pensava em privatizações, disposto a fazer encolher a economia. Contou com as boas graças do sistema financeiro. Ainda precisava de mais? Provavelmente, não. Nós sim. Estivemos constantemente aflitos vendo a nação andar para trás, sem estímulos para nos justificar e afirmar.  

Lula diz a que veio. Não suporta testemunhar a miséria do povo. Quer efervescência cultural e desenvolvimento econômico, o que logrou realizar, com efeito, em seus governos anteriores. E não mente. Elegeu-se com bandeiras sociais, disposto a cumpri-las. Por que então as inquietações do mercado? Tem os nervos à flor da pele, não obstante ignore até o perfil da equipe que comporá a nova gestão. Já está saudoso das inconsequências do capitão, o triste e vergonhoso pária das nossas relações internacionais. Aconselha-se paciência. Artistas formidáveis não hesitam. Fazem como em Terra trema: atiram uma pedra na sombra dos que passam. Sacrifícios? Já bebemos do veneno. Como diz Hildegard Angel, falar de teto para quem não tem teto?...

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