A partir do pátio dos leões

No Pátio dos Leões imaginávamos um futuro pleno em democracia, igualdade, fraternidade, liberdade e pluralidade, mas não tem sido exatamente assim, o mundo está cada vez mais desigual, egoísta, o sistema nos aprisiona e o preconceito viceja. Não imaginávamos conviver com um punhado de alucinados que gritam, por outra ditadura, por uma “intervenção militar”



✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

O obscuro General Braga Netto teria dito ao presidente da Câmara que não haverá eleições em 2022 se não houver voto impresso. Não é um blefe, mas demonstração de que Jair Bolsonaro não está só na sua escalada ditatorial e autoritária.

O jornalista Octavio Guedes diria tratar-se de um despudorado “assanhamento autoritário” de um governo autoritário e esquizofrênico, que cooptou alguns generais para um golpe.

continua após o anúncio

Esse fato me levou de volta ao início dos anos 1980, especificamente ao “Pátio dos Leões”. O “Pátio dos Leões” é um espaço descoberto no prédio central da PUC Campinas, protegido por muros, guardado por dois imponentes leões de pedra que ficam no alto de imponentes colunas, o qual podemos acessar por um grande portão de ferro.

Lá vivemos e compartilhamos validamente sonhos e construímos nossas vidas, lá conheci meus grandes amigos e a Celinha; no pátio aconteceram vários shows, lembro muito do Premeditando o Breque, ou Premê, e o da Cida Moreira. Quem lembra disso?

continua após o anúncio

Nos estertores da ditadura militar o pátio foi nossa trincheira, o ponto de partida para acreditarmos na Política como único caminho legítimo para construção de uma sociedade de iguais.

O pátio era o mundo e o mundo era nosso, e a partir dele fomos a congressos da UNE, UEE, ENED, disputamos, vencemos e perdemos eleições, organizamos movimentos e participamos do histórico movimento pela aprovação da PEC das DIRETAS-JÁ.

continua após o anúncio

Convém lembrar aos jovens que as Diretas-Já foi um movimento de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil ocorrido em 1983/1984. A ideia do movimento foi do então Senador alagoano Teotônio Vilela, que esteve em Campinas para a nossa Semana Jurídica.

Tivesse sido aprovada a PEC do deputado federal Dante de Oliveira, as eleições diretas para presidente aconteceriam em 1985.  

continua após o anúncio

A sociedade movimentou-se e atos lindos aconteceram em todo país; o primeiro ocorreu simbolicamente em 31 de março de 1983, e apesar da violenta repressão do general João Batista de Oliveira Figueiredo, o ditador de plantão - que chamou as manifestações democráticas de atos subversivos - o movimento ganhou força, e em São Paulo ocorreu no Vale do Anhangabaú um ato, onde mais de 1,5 milhão de pessoas se reuniram em apoio às Diretas Já, estávamos lá. O ato foi liderado por Ulisses Guimaraes, Tancredo Neves, Franco Montoro, Orestes Quércia, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Miguel Arraes, Leonel Brizola, Pedro Simon, Luiz Carlos Prestes, dentre outros, além de atletas como Sócrates, Casagrande, artistas, jornalistas e intelectuais. 

É importante registrar que o movimento não teve apoio de toda a mídia, mas contou com apoio genuíno da população, estímulo das organizações sociais, e do concurso de governadores, prefeitos e parlamentares oposicionistas. 

continua após o anúncio

Entretanto, a PEC foi rejeitada, frustrando a sociedade brasileira. 

O povo foi às ruas, mas um congresso covarde, deu de ombros ao desejo do povo, naquele que talvez tenha sido o único momento de consenso político e união nacional na história da nossa sempre anêmica democracia.

continua após o anúncio

Construiu-se consenso em torno do nome de Tancredo Neves (aquele que foi Primeiro-Ministro em 1961, no golpe contra Jango) para disputa no colégio eleitoral, e numa aliança com dissidentes da ARENA, alocados ao recém-nascido PFL, hoje DEM. Tancredo e Sarney venceram Maluf no colégio eleitoral.

A derrota da “emenda das diretas” representou vitória do autoritarismo e ignorou a vontade popular. O professor Roberto Amaral escreveu: “A raiz mais remota desse fracasso rotundo [da nossa república] pode estar nos contornos próprios de nossa formação de país, nação e povo – desgraçadamente nessa ordem –, construindo uma sociedade autoritária e, daí um Estado autoritário, regido por um direito autoritário. O direito da casa-grande que sempre tratou o país, o seu coletivo, o seu ‘povo’, como senzala, com ofício próprio e definido: o trabalho, escravo de preferência. A senzala não podia ter voz, nem a casa grande precisava ouvi-la...”.

continua após o anúncio

Vamos voltar ao tal Braga Neto. É triste constatar e escrever, mas a nossa república nasceu de um golpe militar patrocinado pela elite agrária, vingativa e ressentida. O tal Marechal Deodoro, que dizem era um Monarquista, se prestou ao papel de protagonista de um golpe militar que expulsou do país o imperador, “do dia para a noite”, porque a elite da época queria ser indenizada pela coroa em razão da abolição da escravatura, mas o imperador negou; a indenização acabou sendo paga pelo “presidente” Deodoro. O exército fez-se capacho dos interesses da elite.

Ocorreram outros golpes militares. Há o “Golpe de Três de Novembro”, nesse o presidente monarquista dissolveu o congresso em 3 de novembro de 1891, instaurando um estado de sítio, suspendeu a constituição, direitos individuais e políticos, o exército cercou o senado e garantiu ampla e “espontânea” adesão ao golpe, por fim os “subversivos” foram presos como de praxe. 

Depois vieram os golpes de 1891 (outro golpe, esse dado por Floriano Peixoto) 1930, 1937, 1945, 1954, 1955, 1961, 1964, 1969 e 2016, um dia escrevo sobre cada um deles, mas é necessário registrar que em todos o exército esteve presente para garantir a ruptura institucional, salvo no de 2016.

No golpe do século XXI não se utilizou tanques e baionetas, mas a manipulação de informações, das redes sociais repercutindo fake news, de um juiz de piso parcial e corrupto, além do apoio dos que legitimaram a barbárie com argumentos jurídicos (em troca da manutenção e ampliação de seus privilégios), sempre garantindo um belo verniz à usurpação da soberania e da vontade popular, com diligente concurso de parte da imprensa.

No Pátio dos Leões imaginávamos um futuro pleno em democracia, igualdade, fraternidade, liberdade e pluralidade, mas não tem sido exatamente assim, o mundo está cada vez mais desigual, egoísta, o sistema nos aprisiona e o preconceito viceja. 

É verdade que a constituição de 1988 realizou boa parte dos nossos sonhos, mas não imaginávamos conviver com um punhado de alucinados que gritam, por outra ditadura, por uma “intervenção militar”, nem com a fala assanhada de Braga Netto.

Essas são as reflexões.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247