A opção Mourão: Kant contra Bolsonaro
O velho Kant usaria certamente a sua definição da “Crítica da Razão Prática” de “fanatismo moral”, para caracterizar Bolsonaro como pessoa que tem o direito de “substituir a virtude, que é a intenção moral em luta” (…) pela “santidade, de quem se crê possuído pela pureza perfeita das intenções da vontade”
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O velho Kant não deixaria por menos se escrevesse sobre o Presidente Bolsonaro. Usaria certamente a sua definição da “Crítica da Razão Prática” de “fanatismo moral”, para caracterizá-lo como pessoa que pensa estar fazendo o bem, “por inspiração, por entusiasmo, por um impulso que naturalmente satisfaça sua própria natureza”, que tem o direito de “substituir a virtude, que é a intenção moral em luta” (…) pela “santidade, de quem se crê possuído pela pureza perfeita das intenções da vontade”. O fanático moral se imagina um santo e portanto se julga um ser superior que pode celebrar a tortura, adorar a morte e chamar de idiotas àqueles que a ele se opõem dentro do rito democrático.
O Presidente vai, cada vez mais, para o isolamento e não se corrige. Porque a sua inspiração e entusiasmo ao que tudo indica não conseguem adquirir racionalidade política. A esfera das políticas de estado na democracia é a esfera dos contratos, das oposições de pensamento, das sínteses superiores para debelar impedimentos: é a esfera da luta e dos consensos, onde os organizações e instituições políticas e as pessoas, perseguem objetivos pautados por determinados princípios. Quem escolhe declinar de demonstrar escolhendo se apresentar – sem demonstração possível – como santidade e pureza, foge dos caminhos da razão e pode chegar (ou já chegou) à loucura.
O que espanta foi a escolha irracional, seguindo a trilha da autoflagelação, que as classes dominantes fizeram açoitadas pela mídia oligopólica, ao tentar promover seus interesses “reformistas”, imaginando que Bolsonaro – sempre transtornado e alheio a qualquer formulação política coerente – pudesse resultar em algo positivo para os seus negócios. Somente pessoas com graves limitações de cognição política poderiam pensar que o atual Presidente poderia unir e melhorar o país, para termos um pouco do reconhecimento global que recuperasse algo do prestígio que Lula nos legou.
A opção Mourão começa a se apresentar como factível no cenário político, e não é uma invenção da oposição. O Vice-Presidente tem feito seguidas manifestações de sensatez mínima para se opor a Bolsonaro, porque a doutrina da Escola Superior de Guerra – que ele certamente aprendeu – valoriza extremamente a “paz social”, seja ela obtida de forma autoritária, seja ela conseguida pelas vias democráticas. No presente, Bolsonaro tanto é uma má possibilidade de obtê-la de forma autoritária, como o é pelo consenso mínimo que uma democracia com líderes respeitados pode construir.
O Presidente disse, no seu país preferido, que a imprensa brasileira é um ninho de esquerdistas e os seus milicianos virtuais ou reais apontam a Rede Globo como comunista. Talvez isso possa inocular neste pessoal um pouco de senso prático kantiano pelo menos, e eles comecem – como alguns jornalistas já começaram – a se dar conta que se o insano chegar ao poder absoluto eles vão conosco para as trevas da violência sem limites, onde a tortura e a morte não são apenas bravatas de fanáticos.
Se me perguntassem num processo eleitoral em quem eu votaria se a opção fosse Bolsonaro e Mourão eu diria que em nenhum dos dois. Não votaria no primeiro por razões de sanidade mental, aliadas a outras razões políticas de princípio, vinculadas à questão democrática. E não votaria em Mourão, por motivos vinculados à questão democrática e às reformas que ele apoia. No concreto, todavia, poderá se configurar nos próximos meses uma nova linha divisória na nova política do país pós-golpe: você apoiaria uma solução ou o “impeachment” de um insano, em favor de um outro que não é? É bom ir pensando sobre isso.
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