A Nova República morreu, e agora?

A morte da Nova República não significa que o liberalismo será substituído

(Foto: ABr)


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Dizer que a “nova república morreu” significa reconhecer que o pacto político e econômico que teve início em 1985 terminou. 

É verdade que a Nova República estava doentinha desde 2013 e entrou em coma logo após o golpe contra Dilma em 2016, quase sem atividade cerebral; respirou por aparelhos até eleição da extrema-direita em 2018, quando foi a óbito. 

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A eleição da extrema-direita em 2018 foi causada pelo desencantamento dos cidadãos com a Política, duramente criminalizada pelo pessoal da Lava-Jato e que contou com concurso fundamental de parte da imprensa; é possível até fazer um paralelo da eleição de Bolsonaro com a ascensão do fascismo e do nazismo no período entreguerras na Europa num contexto de grande crise política e econômica. 

Num contexto de violência, desqualificação e criminalização da Política e das instituições, crise econômica, temor do comunismo soviético e ressentimento pela derrota na Primeira Guerra, o nazismo surgiu e encontrou terra fértil para e crescer na Alemanha; isso, em certa medida, aconteceu no Brasil tendo como arquitetos do caos Bolsonaro, Olavo de Carvalho e Steve Bannon, que surfaram no desencantamento da sociedade. 

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O processo de desqualificação da política, dos políticos e dos poderes da república, levaram à morte da Nova República; tudo começou nas marchas de 2013; depois veio a Lava-Jato e o chilique do Aécio Neves, ambos em 2014; o hegemonismo do PT, que confrontou Cunha nas eleições para a presidência da câmara e depois na comissão de ética e. por fim o tal “acordo nacional, com o supremo com tudo” sugerido por Romero Jucá, então ministro de Planejamento de Temer, a Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, para tentar barrar a Operação Lava Jato, diálogo tornado público pela Folha de São Paulo. 

Mas voltemos ao obituário da Nova República. 

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Para nossa tristeza ela – a Nova República – segue insepulta, apodrecendo em praça pública e sem “Missa de Sétimo dia”. Fosse na Inglaterra alguém gritaria: “O rei morreu! Viva o Rei!”, mas nós não temos um novo Rei, ou seja, como não se construiu um novo pacto político e econômico para suceder o pacto defunto, o país conviveu com governo genocida, presidido por um apatetado como Bolsonaro no Planalto por quatro anos. 

Nas eleições de 2022 Lula e uma grande coalizão, venceram Bolsonaro, mas não a extrema-direita, sua ignorância e ressentimento. Nem Lula, nem o PT venceram sozinhos a eleição.

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A meu juízo Lula representa a transição da Nova República para um novo pacto político, não o futuro.

O que fazer? Temos que fazer Política, com “P” maiúsculo para alcançar o consenso de um novo pacto político, afinal, não é possível que a nação permaneça refém de gente como Lira, do centrão e da cultura do “toma lá dá cá”. 

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A Nova República representou o período histórico iniciado com o fim da Ditadura Militar e a eleição indireta de Tancredo Neves em 1985; ela pôs fim aos governos ditatoriais capitaneados pelos militares; ofereceu ao país nova constituição em 1988; e legitimou-se através de eleições diretas para os principais cargos públicos, principalmente, a presidência da República em 1989. 

Do ponto de vista estrutural, a Nova República foi a forma de governo necessária para adequar a economia brasileira a uma integração subordinada no processo de globalização neoliberal, “atualizando o caráter dependente do capitalismo brasileiro às novas configurações do sistema mundial”, conforme Roberto Santana Santos, do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana– UERJ e João Claudio Platenik Pitillo do Programa de Pós-graduação em História Social – UNIRIO.

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O arranjo político da Nova República configurou-se como a construção de uma república liberal, baseada na representatividade, contratualismo e no multipartidarismo; mesmo com a alteração do regime político, manteve-se capitalista, inovando ao trazer forças à esquerda , o que possibilitou uma maior pluralidade de vozes que se manifestaram na Constituição de 1988, assegurando dentro do arranjo uma série de direitos sociais e trabalhistas, assim como a participação cidadã em vários mecanismos institucionais em maior ou menor grau. 

E a direita e extrema-direita, forças civis que sustentaram a Ditadura, “aceitaram” os novos termos e passaram a fazer parte do regime, tornando o retorno do regime de exceção algo totalmente descartado e, até que a campanha eleitoral de 2018, os militares se comportaram, se retiraram da vida pública e se submeteram ao controle constitucional.

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A Nova República se apresentou não como uma experiência ou tentativa de democracia, mas sim, a democracia em si, assumindo um regime calcado no liberalismo político. E o liberalismo se apresenta, até hoje, como uma “não-ideologia, como algo natural, essencialista, como a forma, mas não é, ele é um projeto de classe.

E há uma tragédia nisso tudo: setores progressistas da sociedade - do centro-esquerda à esquerda -, de onde esperamos propostas de superação do status quo -, foram cooptados pelo liberalismo, impedindo movimentos de avanços, nunca contestaram o regime liberal com seriedade, nem se propuseram a superá-lo, essa é uma constatação do sociólogo Francisco de Oliveira.

Todos os partidos que se apresentam como “de esquerda” decidiram que a chegada ao poder deveria ocorrer por meio de eleições, o que está correto, mas, renunciaram ao debate necessário com a sociedade sobre a possibilidade de um novo sistema mais generoso e fraterno ser construído, como isso fortaleceu o liberalismo.

A decisão de ocupar os espaços pela via eleitoral teve consequências negativas, como a incapacidade de questionar a hegemonia neoliberal que se instaurou a partir de Collor e a excessiva institucionalização, que impediu que os setores progressistas propusessem o debate sobre os efeitos do liberalismo e a necessidade de construção de uma democracia com justiça social e participação direta da população.

E não estou falando de “revolução” - isso é bobagem é conversa de adolescente -, estou afirmando que precisamos de um programa social-democrata para o país, sem aventuras esquerdistas ou devaneios liberais; pois, como disse o Professor Chico de Oliveira: “Esse movimento de ida para o centro encontra respaldo na sociedade. O último grande grito pela esquerdização foi do PCdoB. O que é o PCdoB hoje, alguém sabe? Não tem mais sustentação social”.

A Nova república foi um avanço em relação à Ditadura, pois permitiu a construção de um ambiente muito menos opressor do que o regime de exceção e garantiu um conjunto de direitos à população, em proporções até então inéditas, mas ainda assim era um regime de classe, um sistema político montado de acordo com os interesses do mercado.

Mas que fazer diante do defunto? Precisamos enterrá-lo.

Enterrar a Nova República não significa dizer que as forças políticas e os mecanismos de funcionamento do sistema deixaram de existir; elas estarão presentes na sociedade brasileira até que sejam substituídas por outro sistema político; Lula representa um período de transição para algo que ainda está por vir e que ainda não temos elementos suficientes para classificar. Esse vácuo explica a tensão política que o governo Lula: não há projeto político para o país, por isso convivemos com o cadáver insepulto contaminando o ar.

A morte da Nova República não significa que o liberalismo será substituído, o regime político liberal, escudado pelo mercado, seguirá “dando as cartas” por muito tempo, ampliando a concentração de renda e maltratando nossos recursos naturais. 

A novidade é a geopolítica, pois, estamos testemunhando a decadência dos EUA e da Europa, a ascensão da China e dos Brics, além do crescente protagonismo do chamado Sul Global, que tem o Brasil como líder natural, o que haverá de representar e garantir alguns avanços sociais, também por isso Lula representa a transição para o novo.

Por enquanto, usando a linguagem do futebol é: se “zagueiro tem que zagueirar”, nós temos que fazer Política para fora da bolha, pois é tempo não apenas de reconstrução, mas de descoberta do novo e sua construção.

Essas são as reflexões.

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