A noite é mais escura antes do amanhecer
É tempo de continuar lutando, de levantar as velas para que se inflem com os ventos da liberdade, da justiça e da democracia e sobretudo de ter coragem e esperança porque, no horizonte, a luz começa a romper uma das noites mais trágicas de nossa história
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É muito difícil compreender com clareza nossa própria época. Submersos que estamos em determinada conjuntura falta-nos o distanciamento, que só o tempo trará, quando finalmente o presente será, ou não, convertido em história. Apesar disso estamos obrigados, por nosso compromisso com a humanidade e responsabilidade com a vida, a decodificar as conjunturas de nosso tempo e operar sobre elas para melhorar o mundo em que vivemos. Desvendar este período da conjuntura brasileira, não em toda sua complexidade, tarefa impossível agora, mas o bastante para perceber as maiores questões e tensões, ou, mais resumidamente, descobrir para onde os ventos sopram é tarefa fundamental para definir nossos próximos passos.
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As referências são confusas, como é próprio de processos tão complexos. Na mesma semana em que derrotamos a reforma da previdência dos golpistas o presidente ilegítimo determinou uma impensada intervenção militar no Rio de Janeiro. Dois atos de força diferentes que me parecem clarear um pouco o momento em que estamos. Nossa vitória foi obtida como resultado de um ascenso de mobilização popular que vem se agigantando rapidamente e que dá sinais de que continuará crescendo na proporção em que o golpe persiste e arbitrariedades contra Lula se avolumam. A cada dia em que os objetivos dos golpistas se tornam mais claros nós nos tornamos mais fortes. De um período, imediatamente anterior e posterior ao golpe, em que parecia que tínhamos perdido o debate sobre o passado e também sobre o futuro, evoluímos, em velocidade antes inimaginável, para um cenário em que triunfamos na luta pela memória, a saudade de Lula expressa nas intenções de voto do povo brasileiro são a comprovação mais clara disso, e em que reabrimos o debate sobre o futuro.
O ato de força do golpe, a intervenção, é o lamento de morte de uma quadrilha que tem visto sua legitimidade esvair na mesma proporção em que suas intenções ficam claras. Engendraram um golpe publicitário, inócuo nos efeitos e espalhafatoso nas promessas, quer intenta, entre outras coisas, construir uma cortina de fumaça para seus mal feitos, catapultar suas combalidas candidaturas entre os setores médios através de uma redistribuição provisória da violência, concentrando-a por um tempo nas áreas mais pobres, atrair a extrema direita para a candidatura do capital financeiro e contrair para o golpe parte da legitimidade de que gozam as Forças Armadas. Ao mesmo tempo em que superestimam suas forças e possibilidades subestimam a inteligência e capacidade de reação da sociedade. Enfim, trata-se de uma jogada desesperada de uma força em franca decadência que vê as eleições que virão como uma tragédia que tende a varrer os golpistas dos cargos públicos.
Os dois atos me parecem indicar para onde apontam os ventos, eles sopram em direção a democracia, o estado de direito e a reinstalação de um governo popular. O crescimento das forças que sitiam o golpe é resultado de um processo histórico, relativamente curto, mas intenso. Costumamos acreditar que a politização de amplas massas populares é necessariamente antecedida por um longo e profundo processo de educação, na maior parte das vezes não é assim que acontece. A história mostra que o povo se politiza a partir de questões concretas que precisa enfrentar na vida cotidiana. Algo se apresenta na realidade obrigando uma tomada de decisão e um posicionamento inevitavelmente políticos. O golpe, com sua plataforma perversa e concentradora, se apresentou aos trabalhadores como realidade e progressivamente foi rejeitado por quase todos os setores da sociedade, levando a uma escala de politização que está se refletindo no crescimento das mobilizações populares e nas pesquisas que indicam, entre outras coisas, que amplos setores da sociedade esperam a eleição deste ano para acertar, nas urnas, as contas com a quadrilha que está saqueando a nação.
A noite pode parecer mais escura após a intervenção no Rio, acredito sinceramente que sejam as trevas profundas que antecedem o raiar do dia. Apesar disso devemos saber que a aurora não virá sozinha, é preciso resgatá-la da escuridão e suas criaturas, que se permitirmos a manterão para sempre cativa. É tempo de continuar lutando, de levantar as velas para que se inflem com os ventos da liberdade, da justiça e da democracia e sobretudo de ter coragem e esperança porque, no horizonte, a luz começa a romper uma das noites mais trágicas de nossa história.
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