A negociação da dívida externa para levantar a “Terra arrasada” deixada por Macri

Alberto Fernández no seu primeiro giro pela Europa, após uma significativa recepção pelo Papa Francisco, recebe promessas de apoio da Alemanha, Itália, Espanha e França nas próximas negociações com o FMI, cujo efeito é imprevisível, devido ao poder de veto dos EUA no organismo

(Foto: Dir.: ABR)


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O tema central do governo de Alberto e Cristina Fernández nestes dias é a negociação da dívida pública externa acumulada em torno de 95% do PIB, impagável e herdada do governo anterior de “Cambiemos”. Em quatro anos, Macri deixou um país totalmente destruído, como bem reflete o trágico documentário “Terra arrasada”, do cineasta Christian Bauer, atual ministro da Cultura. Eis aí o retrato fiel de um país endividado, à custa do desemprego, da desnutrição e do empobrecimento fatal e massivo de um povo sob as garras do neoliberalismo. Com uma Argentina ao borde do default, o governo atual se  encontra diante de um difícil desafio de evitá-lo para que os trabalhadores, os excluídos e a maioria do povo argentino não padeçam definitivamente no fundo do poço. 

Macri emprestou dólares do FMI para levá-los em fuga do país, enrobustecidos, rumo às contas offshore dos membros do seu governo neoliberal, incluindo seus apoiadores, e familiares; e de passagem, deixar em maus lençóis o governo peronista-kirchnerista sucessor. Um verdadeiro saqueio! Isso demonstra que o chamado “lawfare”, que perseguiu a ex-presidenta Cristina Kirchner e seu governo, é não só judicial-midiático, mas sobretudo, econômico concentrador, orquestrado pelas finanças internacionais. Dos 104 bilhões de dólares de empréstimos assumidos por Macri volatizaram 88 bilhões; os dólares entraram para o ciclo da especulação financeira, com juros altíssimos, em meio a uma acelerada corrida cambiária e se foram ao exterior, sem entrar no investimento produtivo e industrial nacional. Essa dívida sim, é uma herança maldita! O cronograma de vencimento do pagamento das dívidas públicas, para com privados e órgãos bi e multilaterais é (em dólares), durante a gestão de Alberto Fernández, de 30,4 bilhões em 2020; 20,4 bilhões em 2021; aumentando nos anos posteriores devido à componente FMI: 40,7 bilhões em 2022 e 35,4 bilhões em 2023. Leia. Torna-se decisiva a renegociação dos prazos de pagamento para poder cumprir com as metas urgentes de reestruturação da economia e de salvação nacional em função das camadas empobrecidas do país. 

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A alternativa de declarar o “default”, com a maior dívida histórica e um risco país mais alto dos últimos 14 anos na Argentina, seria desastrosa num contexto mundial adverso ao de 2001, de ameaças de guerra mundial, econômica entre EUA e China, em fase de atos declarados como o ataque ao Irã e o assassinato do seu líder Soleimani, e outros eventos suspeitosos, bacteriológico-midiáticos, em torno a um Coronavirus, dito “chinês”, interceptando a rota da seda asiática rumo à Europa e o mundo. 

Evitando o “default”, o governo da Frente de Todos lança-se à renegociação da dívida macrista com o FMI. Ao mesmo tempo, o nomeado Ministro da economia, Martin Gusman, já lhe antecipou que não pagará os empréstimos previstos até 2023 e que “essa é uma condição necessária” para discutir uma reestruturação da dívida. Diferentemente do que fez Macri e seu governo que contraiu dívidas asfixiantes sem consultar o Parlamento, o governo de Alberto-Cristina submete à aprovação do Congresso uma lei de renegociação da dívida pública. 

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Trata-se da Lei de Restauração da sustentabilidade da dívida pública, para reestruturar os títulos da dívida pública (em dólares) emitidos sob lei estrangeira. A lei teve meia-sanção, na Câmara de Deputados, aprovada com 224 votos a favor, 2 votos contra e 1 abstenção, contando com o apoio transversal de Cambiemos. O Senado também acabou de aprovar a lei por 65 votos a favor contra zero, o que dá faculdades ao Executivo de negociar com o FMI e os credores. O governo de “Frente de Todos” corre contra o tempo, para renegociar os prazos do pagamento da dívida externa, evitando o “default” que provocaria um desordenamento incontrolável de economia capitalista argentina, sem que existam as relações de forças e instrumentos políticos, nacionais e internacionais para impor uma alternativa revolucionária imediata. Aprovada a Lei Gusman, o atual Ministro da Economia, Martin Gusman, reitera que a meta é “encarar nossos compromissos cuidando aos que mais sofrem”

A dívida e o advento do novo governo puseram à tona a crise das forças internas de Cambiemos, que reagem às declarações escandalosas de Macri; durante suas longas férias, tirando o corpo fora, e com cinismo característico, gravou responsabilizando seus ministros pela assunção da dívida (firmada por ele), pois os avisou de que seria impagável: “Cuidado, eu conheço os mercados. Um dia não nos dão o dinheiro e vamos todos para a merda!”. Em seguida, surge o voto transversal de Cambiemos no Congresso, oportunista ou não, a favor da Lei Gusman. São votos taticamente necessários de alguns inimigos de classe do governo. Soma-se nesse momento, a inesperada nomeação mafiosa de Macri como presidente da Fundação FIFA rechaçada na Argentina não só por Maradona, mas pela AFA e políticos-esportistas de amplo espectro. Que coincidência! Um ex-presidente como Macri, presidindo a FIFA sobre a qual recaem muitas suspeitas de circulação ilegal de dinheiro. 

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Enquanto isso, Alberto Fernández no seu primeiro giro pela Europa, após uma significativa recepção pelo Papa Francisco, recebe promessas de apoio da Alemanha, Itália, Espanha e França nas próximas negociações com o FMI, cujo efeito é imprevisível, devido ao poder de veto dos EUA no organismo. Alguma expectativa existe por parte do ministro Gusmán que esteve na conferência organizada pelo Papa em Roma com a nova presidenta do FMI, a búlgara Kristalina Giorgeva (que substituiu Christine Lagarde, badalada por Macri), que expressou disposição à reestruturação da dívida, e elogiou as medidas do governo argentino a favor dos pobres, aconselhadas também no discurso papal: “não se pode pretender que as dívidas sejam pagas com sacrifícios insuportáveis"; “é preciso condenar os paraísos fiscais”; “é um pecado diminuir impostos aos que mais têm”. A tática Argentina da Frente de Todos é apoiar-se num capitalismo europeu em quebra e dividido entre os Brexit e os pró-União Europeia, entre um capitalismo financeiro e industrialista. Ângela Merkel vai na linha deste último ao falar em investir com a Volkswagen na Argentina. 

No outro campo, no popular, Frente de Todos trata de dirigir-se à maioria da sua base social e não trair aos seus eleitores. Santiago Cafiero, o jovem chefe da Casa Civil, que militou nos movimentos sociais, diz: “da nossa parte temos vontade de pagar, mas também temos prioridades”. “Para pagar temos que crescer primeiro, pois a conta tem que fechar com o povo dentro”. Máximo Kirchner, líder da Frente de Todos na Câmara de deputados disse: “O que a Argentina e seus representantes devem fazer nesta negociação é fechar os números com as pessoas dentro. Só isso. Temos que dizer 'nunca mais' à dívida externa e começar a desenhar uma política econômica que elimine esse problema da sociedade ”. O histórico discurso do seu pai, NéstorKirchner, “os mortos não pagam dívidas!” está presente no peronismo atual. 

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Medidas econômico-sociais urgentes correm no trilho paralelo da dívida pública

O país deixado por Macri, se encontra à beira de ser outra Grécia, e o novo governo enfrenta uma emergência: a reestruturação da dívida externa, a recuperação da produção nacional e do Estado para resolver urgentemente as demandas sociais sufocadas. Na realidade estas últimas deverão ir nos trilhos de alta-velocidade e chegar primeiro. Segundo, Claudio Scaletta, colunista do Página12, a mudança que trouxe o kirchnerismo em relação ao peronismo neo-liberal dos anos 90 se sintetiza em quatro pontos: “o estabelecimento das retenções (da renda em dólares) aos principais exportadores, a desdolarização das tarifas dos serviços públicos e dos combustíveis, o desendividamento, e o aumento dos salários; justamente as quatro medidas (da década kirchnerista) que o macrismo reverteu. ”

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O lema do novo governo é: “que paguem os que mais podem”. Dado que a maior parte das entradas de dólares ao país ocorrem através das exportações, Alberto Fernández decidiu retomar parcialmente a cobrança de retenções a alguns sectores mais concentrados do setor agropecuário. Ao mesmo tempo, o governador Axel Kicillof da Província de Buenos Aires  (40% do PIB) encontrou uma província arrasada pela ex-governadora Vidal (Cambiemos) com   de dólares de dívida pública. Com uma “Lei impositiva”, aprovada na Câmara Estadual, teve que aumentar em escala proporcional os impostos imobiliários urbanos, até o máximo de 75% para os terrenos rurais acima de 2 mil hectares que correspondem somente a 211 proprietários. Kicillof, incansável executivo, propôs a credores estrangeiros o adiamento do pagamento de uma dívida de 250 milhões de dólares a vencer em fins de janeiro. Negado o apelo, o governador evitou o default recorrendo a um fundo próprio em pesos, contando com novas aplicações de várias instituições financeiras locais. Os tambores de guerra da mídia hegemônica e oligárquica (Clarin e La Nación), instigando a marcha dos tratores, falseando as notícias, alimentando o ódio na classe média, demonizando a imagem de Kicillof e Alberto Fernández giram o mundo como era de se esperar. 

Uma das metas centrais tem sido reativar as PYMES (Pequena e média indústria e comércio – 48 falidas/por dia na era Macri) com a moratória para 10 anos das dívidas com a Receita Federal (AFIP), redução de juros creditícios (com Macri chegaram a 70%) e aumento do consumo interno, favorecendo com medidas de intervenção do Estado dirigidas aos setores empobrecidos da população: criação do cartão de alimentação (Plano Nacional contra a fome) para famílias de baixa renda com menores de 6 anos, mulheres grávidas, e deficientes, que recebem AUH (Ajuda Universal por filho) para aquisição de leite, carne, fruta, farinha, e básicos); aumento urgente para aposentados a partir de março, e maior para pensões mais baixas; congelamento das tarifas de energia; aumenta-se a lista de produtos dos chamados “preços cuidados”(subsidiados e mais baratos) nos supermercados e se cria a lei das prateleiras para o comércio expor todas as marcas. Discute-se também como controlar e obrigar os monopólios que sabotam a fixação dos baixos preços. De fato, a população não sente os efeitos das novas medidas; antes das mesmas vigorarem, os preços foram aumentados pelos comerciantes em 30%. Um forte controle estatal e social está em debate. O estímulo do novo governo à economia popular, pequenos empreendimentos e cooperativas, objetiva reduzir o desemprego, aumentar o consumo, e romper os monopólios fixadores de preços.

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Projeta-se o Plano de reconstrução de escolas criando novas forças de trabalho e apoiados na solidariedade das famílias. Grande expectativa também sobre o Plano habitacional. Macri deixou sem entregar 14 mil moradias construídas desde o Plano Procrear da era de Cristina Kirchner; cometeu o crime dos Bancos, com a falcatrua do crédito hipotecário (UVA) que deixou 130 mil famílias sem moradia, vítimas da corrida cambiária e dos juros de terror. Agora criou-se uma Lei de solidariedade que designou o Banco Central para revisar tal situação. Chegou a hora de mudar cargos também no Banco da Nação. Descobriu-se que enquanto levavam ao desespero pobres cidadãos com a hipoteca, a direção anterior, fazia num toque um empréstimo de 19 bilhões de dólares para uma empresa multinacional agro-pecuária, Vicentin, aprovada para sustentar a campanha de Macri. Declarando-se atualmente em quebra, abriu-se o debate de nacionalizá-la ou não. Já não surpreende, mas amarga, a notícia de que encontraram 100 mil notebooks do Plano Conectar Igualdade, herança do kirchnerismo, sem distribuir às escolas nestes quatro últimos anos. O novo Ministro da Educação, Nicolás Trotta, promete criar projetos de distribuição de livros e estímulo à leitura. Paulo Freire e o cubano Marti, para quem “um povo livre é um povo culto”, estarão renascendo na Argentina. E nos próximos dias as mulheres estarão comemorando sua nova conquista: a Lei do aborto legal, seguro e gratuito que Alberto Fernández irá submeter ao Congresso.

A urgência na reforma do Judiciário

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Tantas denúncias de corrupção e roubo ao patrimônio estatal afloram nessa transição de governo que confirmam as enormes falhas no poder Judiciário alertadas no discurso de posse de Alberto e que justificam sua urgente Reforma Judicial nos próximos meses. 

Uma das maiores injustiças tem sido acometida contra Milagro Salas, deputada do Parlasur, presa política nestes 4 anos, por suposta corrupção sem provas, por ordem do governador de Jujuy, Gerardo Moráles (Cambiemos). Milagro é promotora de uma gigantesca obra de construção de casas populares, e repartições públicas e beneficentes, que o mundo não conhece. A natureza política e a injustiça da sua prisão se desmascaram com a quebra interior dos cúmplices judiciais a serviço da oligarquia. Revelou-se um áudio escandaloso de um juiz, Pablo Baca, presidente da Corte Suprema de Jujuy: “Sala não está presa por seus delitos. Eu creio que Milagro Sala não roubou o dinheiro”. Enfim, como esse, fez parte de um esquema de lawfare mais amplo, no ápice piramidal, o falecido juiz Bonadio que conduziu 8 dos 9 processos sem prova contra a ex-presidente Cristina Kirchner, incluindo outros, dos vários presos da causa “Cadernos”. E o que não dizer do emaranhado da Justiça em torno do Caso Nisman? A transição de governo, retornando a uma gestão democrática, pela justiça e verdade, põe também em relevo o pus das feridas abertas: a nova interventora da AFI, Cristina Caamaño, junto a familiares das vítimas da AMIA denunciam o estado de destruição em que se encontravam os arquivos do atentado. 

Para a maioria do povo argentino golpeado pelo lawfare, nos seus direitos humanos básicos de sobrevivência, há grande expectativa para que se possa reverter a situação e fazer justiça. Anunciou-se que haverá vários processos de corrupção, no exercício abusivo do poder Executivo, contra Macri favorecendo grupos econômicos e familiares. Só para citar algumas causas já conhecidas: o das “Auto-estradas”; dos Parques eólicos; do Correio Argentino; o da anistia aos volumosos capitais não declarados (Blanqueo de capitales); o da falsificação de sustentadores de campanha. Muitos se perguntam se há impunidade e não haverá justiça no caso de ministros como Dujovne que firmou acordos com o FMI à revelia do povo, favoreceu a fuga de capitais, arruinou milhões, e agora parece desfrutar a vida em paraísos alpinos. 

A vice-presidenta Cristina Kirchner, entra em cena para desmascarar o terrível lawfare que fez retroceder a Argentina aos sótãos da democracia. Ela acaba de apresentar duas denúncias na Justiça Federal e na Administração Federal de Arrecadação Pública (AFIP – Receita Federal) macrista de Rio Gallegos, para demostrar que existe um “grupo de tarefas”, com braços na AFI (Agencia Federal de Inteligência) desde o início do governo Macri para montar o “lawfare”: “para os que ainda não acreditam na existência do Lawfare, cujo objetivo é a destruição dos opositores políticos através da utilização ilegal de procedimentos judiciais e administrativos por parte de funcionários públicos e de setores do poder judicial, em perfeita coordenação com os meios de comunicação hegemônicos”. 

Mídia e comunicação

Enquanto as medidas em relação à comunicação pública, componente fundamental para combater o poder hegemônico do lawfare, estarão ainda por ser anunciadas,  Alberto Fernandez comunica de forma ativa e detalhista as medidas de seu governo, a exemplo do presidente mexicano. Lopez Obrador, usa diariamente a coletiva de imprensa. Alberto, aparece sempre em canais como C5N, nas TVs-online independentes que resistiram ao poder hegemônico de Clarin, e nas audições de rádio, pelas quais o argentino têm um bom “vício social” herdado do peronismo.

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