A necessidade tem cara de herege

É imperdoável que o preconceito ou o ressentimento político levem essas elites a "lavarem as mãos" diante do perigo que nos ameaça nesta hora, de se eleger um candidato que faz do golpe e do menosprezo pelas leis e a Constituição sua plataforma de campanha, embora se esquive de enfrentar o debate democrático das ideias

A necessidade tem cara de herege
A necessidade tem cara de herege (Foto: REUTERS/Ricardo Moraes)


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Desde a emergência dos regimes nazifascistas que aprendemos - a duras penas - que não existe uma afinidade eletiva entre capitalismo e democracia (seja ela o que for), mais ainda na época do chamado capitalismo tardio, caracterizado pelos monopólios e oligopólios. Os objetivos do mercado são a maximização de seus lucros, seja pela democracia liberal seja através de uma ditadura sanguinária .Neste ponto, é ocioso perguntar pelos princípios, os escrúpulos ou os compromissos da burguesia ou de seus representantes com a manutenção do regime democrático. Quando isto ameaça reduzir ou colocar em risco as imensas margens de lucro dos grandes grupos econômicos (industriais ou financeiros ou agroindustriais), é indiferente para esses grupos se o presidente, o chefe do Executivo ou simplesmente o ditador se apresente com um traje civil, jurando obedecer à Constituição ou um ex-capitão do Exército que promete caçar homossexuais, mulheres, comunistas e outras minorias.

O caso do Brasil é um triste exemplo dessa marcha para um regime político funcional à reprodução dos interesses do mercado. País identificado como de capitalismo tardio, ou hiper tardio, que teria passado por uma variante de "revolução passiva" (Gramsci), conciliando o atraso com a modernidade capitalista às expensas da participação popular, o nosso país, conforme dizia o historiador Sergio Buarque de Holanda, nunca entendeu de fato o que é uma democracia. Sempre gozamos de um arremedo, mal engembrado, do regime democrático, em interregnos entre ditaduras. Copiamos os ritos e procedimentos dos países democráticos, sem ter apreendido os princípios, os valores, a visão de mundo da democracia.

Resultado: o que temos são democratas de ocasião, por conveniência. Quando convém somos democráticos, quando não corremos para o braço forte de um ditador que ofereça segurança e prosperidade. A fragilidade das instituições políticas brasileira não decorre só do mimetismo da engenharia constitucional da Constituição americana, de onde provém o modelo original da nossa primeira Constituição, adaptada ao meio saturado de autoritarismo e liberalismo oligárquico, como foi a República. Advém também da falta de uma cultura política republicana e democrática, subsumida pelo messianismo e o gosto de soluções "pelo alto" patrocinadas pela espada ou o fuzil.

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Dizia-se que a nossa população herdou o senso hierárquico e violento do regime da escravidão, hoje alimentado pela pregação das igrejas neo-pentecostais e pentecostais, na banalização a "la brasileira" desses cultos americanos pelo magistério de pastores semi-analfabetos que fazem uma leitura fundamentalista do evangelho cristão. O preconceito racial, homofóbico, misógino ou antissocialista ou republicano vem junto com a leitura das escrituras religiosas. Não é de se admirar que a população pobre seja facilmente seduzida por esse discurso conservador, que promete o céu na terra ("presente de Deus"). Se é próspero é porque Deus abençoou os frutos do trabalho do cristão. Se é pobre é porque não trabalha, não poupa, não faz abstinência.

Mais grave nesse dilema democrático é a omissão ou a irresponsabilidade das elites políticas, do chamado centro político em relação à manutenção do regime democrático (liberais e socialdemocratas). É imperdoável que o preconceito ou o ressentimento político levem essas elites a "lavarem as mãos" diante do perigo que nos ameaça nesta hora, de se eleger um candidato que faz do golpe e do menosprezo pelas leis e a Constituição sua plataforma de campanha, embora se esquive de enfrentar o debate democrático das ideias. Some-se a essa criminosa omissão a tibieza ou a pusilanimidade do Poder Judiciário, como que antevendo o golpe e se preparando para ele. Como é possível a sobrevivência das liberdades civis e políticas num ambiente como esse, saturado de autoritarismo e cinismo social?

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