A “não morte”. É o fim ou o começo?

'Será uma opção se as lutas sociais e a política permitirem que os homens escolham o caminho da paz e do desenvolvimento', diz o colunista Cândido Vaccarezza

(Foto: Roberto Parizotti/ CUT)


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Há alguns anos escrevi, em meu perfil do Facebook, uma postagem que tratava do tema intitulado “Não morte”. Meu objetivo era chamar a atenção de todos que defendem a ciência a assumirem o compromisso de formular uma “Declaração Bioética” no mundo, estabelecendo limites mais claros às pesquisas biológicas.

O desenvolvimento da ciência já é bastante regulamentado no mundo; ao longo da história a ciência sofreu e sofre limitações por pressões ideológicas, religiosas, financeiras, etc. Um exemplo marcante e trágico, entre milhares, é o pedido de perdão de Galileu Galilei, um dos “pais” da ciência, por ter publicado o livro Sidereus Nuncius. Foi obrigado a abjurar, perante a Inquisição, suas teses, pois comprovara que a Terra se movia e não era o centro do mundo. Galileu tinha em mente as torturas e morte selvagens a que foi submetido Giordano Bruno em 1600. 

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Ao defender uma declaração universal, com limites expressos às pesquisas biológicas, considero que as novas tecnologias e os avanços impressionantes da ciência nos colocam num ponto de clivagem que pode, se continuar neste rumo, comprometer o futuro da humanidade. Vejam, meu post motivado pela notícia de que o pesquisador Hiromitsu Nakauchi teria sido autorizado a fazer uma experiência no Japão: cultivar células tronco de humanos para serem, por engenharia genética, implantadas em embriões de animais, estes embriões nasceriam com órgãos humanos completos a serem transplantados, posteriormente, para algum ser humano. Felizmente, esta pesquisa foi desautorizada antes do início da fase prática. Não consegui, até o momento, levantar quantas pesquisas deste tipo estão em execução no mundo. Vamos ao meu post, já alerto que algumas questões que levantei não estão embasadas em rigor científico, foi apenas um post com um interessante tema: 

“A morte, com o avanço da ciência, está cada vez mais distante da morte como a conhecemos hoje. Estamos próximos da discussão da “não morte". Isto tem imensas implicações éticas, sociais, filosóficas, políticas e econômicas. Acho que o mundo deverá estabelecer, em breve, como uma de suas agendas centrais a discussão e elaboração de uma “DECLARAÇÃO BIOÉTICA”. Quem viver verá! 

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Imaginemos uma situação possível, “cientificamente”, no futuro: um cidadão de 70 anos sofre um AVC isquêmico, num lugar distante, e vai a óbito, nos termos como o óbito é definido hoje. Achado o corpo 4 horas depois, em vez de ser declarado o óbito e encaminhado ao IML, como seria feito hoje, será levado para o “Centro de Ressuscitação”. Lá terá seu corpo recuperado, porque células musculares, ósseas e mesmo viscerais morrem mais tarde do que as cerebrais. O seu cérebro será recuperado de forma mais especial. Os neurônios mais resistentes, as sinapses, os vasos sanguíneos e o Sistema Glia, serão reativados, mas as células da massa cinzenta e demais neurônios, menos resistentes, serão reconstruídos a partir de células tronco. Assim o cidadão voltará à vida... Com um cérebro jovem, provavelmente sem nenhuma memória (ainda não sabemos ao certo como ela é guardada), mais inteligente e sem conhecer absolutamente ninguém, nenhuma regra social e talvez nenhum parente. Nada da sua vivência pregressa. Será um idoso, dono das suas posses, pai, irmão, marido e avô e sem conhecer nada do mundo. Pense num problema... 

Agora, pense se alguém ou algum grupo resolver, através das células tronco, reconstituir todo órgão lesado ou envelhecido no ser humano, ou se, neste tempo imaginário futuro, ainda existir diferenças de classes, pense naqueles humanos mais ricos e na massa da população, imagine o tamanho do apartheid… Hoje já temos uma diferença brutal da medicina para rico e pobre. E ainda, se um grupo de "loucos", para não dizer outro nome, chegar ao poder, num determinado país, e resolver construir seres humanizados, “replicantes” com pouca capacidade intelectual, para a execução de trabalhos que não poderiam ser feitos por máquinas…

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Amigos, o futuro nos espera, eu sou totalmente a favor da ciência e da busca de conhecimentos pela humanidade, entretanto, defendo que devam ser estabelecidos padrões éticos para não naufragamos na barbárie. Falta-nos ainda muita elaboração.” 

Sei que a agenda do Brasil está muito atribulada, mas tem coisas acontecendo no mundo que não podemos deixar de lado. Ouvi no rádio, não sei se tem base científica, que a quantidade de interrelação que uma pessoa tem durante um dia, hoje, corresponde a mesma quantidade que um homem simples tinha durante toda a sua vida na idade média europeia. 

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“Ai! tu vês nos teus sonhos de criança A ave do amor que o ramo da esperança Traz no bico a voar; E eu vejo um negro abutre que esvoaça, Que co’as garras a púrpura espedaça Do Manto popular.” (Castro Alves) 

Finalizo voltando à pergunta: É o fim ou o começo? Não é o fim nem o começo. Aliás, o nosso futuro, como o desenvolvimento, não está predeterminado. Será uma opção se as lutas sociais, uma miríade de influências, os acordos, as guerras, a democracia e a política permitirem que os homens escolham o caminho da paz, do desenvolvimento e da tão sonhada utopia do homem não ser o construtor da barbárie, mas da sociedade com igualdade, fraternidade e liberdade. Mesmo assim, como tudo neste mundo que conhecemos, a humanidade se transformará. 

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E quando eu tiver saído Para fora do teu círculo Tempo, tempo, tempo, tempo Não serei nem terás sido Tempo, tempo, tempo, tempo (Caetano Veloso)

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