A morte política de Mikhail Gorbachev ocorreu há mais de 30 anos
Sua morte política ocorreu quando se consumou a trajetória de traição à revolução e ao socialismo, escreve o jornalista José Reinaldo
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Por José Reinaldo Carvalho, 247 - A morte de Mikhail Gorbachev na última terça-feira (30), lamentada em textos que mais lembravam um réquiem e falas que mais pareciam litanias, foi apenas o seu desaparecimento físico, contingência natural da vida.
Sua morte política ocorreu pelo menos 30 anos antes, quando sua trajetória de traição à Revolução e ao socialismo foi consumada, na companhia do grupo revisionista, oportunista de direita e liquidacionista que dominava a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e o Partido Comunista da União Soviética.
Mikhail Gorbachev deixa como maiores legados um terremoto político que alterou por longo tempo a correlação de forças mundial, cujos reflexos são sentidos ainda hoje. A contrarrevolução de 1989 a 1991 e o período imediatamente posterior foram acontecimentos tenebrosos na história da humanidade, geraram uma espécie de noite dos tempos, quando se estabeleceu a chamada “novíssima ordem” no mundo, em que os Estados Unidos agiam “com a graça de deus”, segundo George Bush, nas guerras desencadeadas visando a impor sua hegemonia unipolar pós-Guerra Fria e pós-soviético. Os acontecimentos que marcaram a Europa do Leste desde 1989 até o final de 1991 não representaram uma ofensiva apenas contra os postulados dos partidos comunistas, mas uma deriva reacionária contra o pensamento progressista em geral, englobando mesmo a negação do espírito e dos valores das revoluções democráticas, antimonárquicas e anti-imperiais de finais do século 18 e meados do 19. Foi para os movimentos revolucionários e progressistas uma derrota histórica, estratégica, da qual a rigor ainda não se recuperaram.
Para além dos problemas geopolíticos, é imperioso relembrar o sentido ideológico da dissolução da URSS e do Partido que liderou a Revolução Socialista e a construção da nova sociedade. Os atos finais da derrocada da superpotência socialista, que durante mais de sete décadas mudou a face de um país outrora feudal, imperial (prisão de nações e povos, como dizia Lênin), comandou a vitória dos povos soviéticos e da humanidade contra o nazifascismo e alterou a correlação mundial de forças, foram perpetrados por Mikhail Gorbachev, um líder político que entrou para a história como um dos maiores traidores do próprio povo e de outros povos, como corolário de um processo de degeneração política e ideológica do Estado socialista e do Partido Comunista.
A queda do grande bastião do socialismo no mundo resultou de um processo corrosivo gradual, que teve como marco o 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956, já sob a liderança de Nikita Krushev, que deu início a um processo de elaboração e aplicação de uma plataforma oportunista de direita, em contraste com o socialismo científico leninista. Gorbachev foi o principal continuador dessa tendência.
A regressão foi tamanha que abalou as estruturas do Movimento Comunista Internacional, com reflexos em todos os países. No Brasil, a consequência mais imediata foi a adoção pelo então PCB da Declaração de Março de 1958, base para a resolução política do 5º Congresso (1960), a entronização do "nacional-desenvolvimentismo" e da estratégia de colaboração de classes.
Política e ideologicamente, os partidos comunistas e demais correntes revolucionárias, um quarto de século depois, já sob a liderança de Gorbahev, viveram dissidências, divisões, desfiliações, deserções, perda de prestígio e de ligação com as massas, perda de eleitorado, aprofundamento do revisionismo e do oportunismo de direita, e em alguns casos capitulação e liquidação, um ambiente de pressão ideológica que só poderia ser enfrentado com firme e intensa luta.
Estavam em jogo a identidade comunista dos partidos, o caminho socialista, o caráter de classe das correntes revolucionárias, a defesa do marxismo-leninismo, a valorização do patrimônio de conquistas das experiências de construção do socialismo. Não à toa Gorbachev fundou na Rússia pós-soviética o Partido Social Democrata, como seus seguidores em diferentes latitudes tentam fazer para negar a existência do Partido Comunista. No Brasil, pretenderam diluí-lo em alguma legenda, com a esdrúxula designação "socialistas", como se apregoa intensamente desde 2019.
Foi um período em que se aprofundaram as teses eurocomunistas, o transformismo, a mutação, o oportunismo de direita, a tendência a mudar o nome do partido e a diluí-lo em frentes amorfas. Naquela época houve uma inflação deexpressões com o uso "RE" – renovação, reconstrução, reconfiguração, ressignificação, em nome da adaptação aos novos tempos. Um vício que retorna com força nos dias de hoje, na boca e na pena dos herdeiros de Krushev e Gorbachev.
Disseminaram-se conceitos próprios do oportunismo de direita e do revisionismo como a democracia liberal como valor universal, a conciliação de classes, o nacionalismo burguês, a renúncia ao caminho revolucionário. Mais tarde, para o começo do século 20, apareceram novas manifestações de teses contrárias à teoria e a prática revolucionárias, como o movimentismo e a tendência à dispersão orgânica. Tudo sob a chave geral do “fim da história”.
A evolução dos acontecimentos mostrou que a história não terminou e que no mundo estão sendo criadas novas correlações de forças objetivamente favoráveis para a luta dos trabalhadores e os povos por sua emancipação social. No novo quadro em formação, rememorar esses fatos é fator de aprendizado às forças políticas convictas de que é necessário resistir ao revisionismo histórico e reelaborar uma estratégia e tática revolucionárias para o novo tempo.
Ainda persiste a onda contrarrevolucionária, do oportunismo de direita e do liquidacionismo. Tais tendências hoje são encabeçadas por determinadas lideranças que consideram os ideais revolucionários do socialismo superados e a existência do partido comunista um anacronismo. O fenômeno é mundial e se reproduz também no Brasil.
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