A metamorfose do trabalhador em 2 quadros

O primeiro é o quadro “Operários”, de 1933, de Tarsila do Amaral, obra clássica do Modernismo brasileiro. E a segunda é uma ilustração de Cristiano Siqueira, ilustrador paulista, feita em 2021 chamada “Empreendedores”

"Operários", de Tarsila do Amaral
"Operários", de Tarsila do Amaral (Foto: Reprodução)


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O primeiro é o quadro “Operários”, de 1933, de Tarsila do Amaral, obra clássica do Modernismo brasileiro. E a segunda é uma ilustração de Cristiano Siqueira, ilustrador paulista, feita em 2021 chamada “Empreendedores”. Entre as duas há muito mais que os quase 90 anos que as separam.

As duas obras, cada uma a sua maneira, registram o trabalho de suas épocas. Enquanto Tarsila registra em seu quadro o período do início da industrialização brasileira, sobretudo paulista, a ilustração de Cristiano retrata a precarização do trabalho, não só em São Paulo, mas em qualquer grande cidade do Brasil.

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Em ambas estão congeladas as faces de trabalhadores que, apesar das diferenças, carregam estampados em seus rostos o cansaço e a desesperança. Embora sejam todos diferentes entre si, percebesse a massificação causada pelo mundo do trabalho.

Em “Operários” estão retratados trabalhadores de diversas raças, mas em sua grande maioria homens brancos, poucas mulheres e muito menos negros. É um retrato da imigração europeia que compôs o operariado do começo da industrialização paulista e se tornou parte da elite bandeirante algumas décadas depois.

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Em “Empreendedores” por sua vez há muito mais não brancos e muito menos mulheres. Isso é significativamente impactante. Não é o retrato de uma migração recente. É o retrato do fluxo das periferias que invade os centros urbanos para oferecer seus corpos e seus veículos como meio de transporte de tudo e qualquer coisa e que sabemos, estão condenados a nenhuma ascensão social por meio desse tipo de trabalho.

Nos quadros as chaminés das fábricas foram substituídas pelos prédios envidraçados das grandes cidades. Enquanto um representava a perspectiva e a esperança de um projeto de desenvolvimento industrial, ainda que tardio, o outro é a constatação de que esse projeto foi abandonado e substituído sem nenhum planejamento pelo Setor de Comércio e Serviços que emprega mais pessoas, mas muito menos qualificadas, o que significa salários menores e maior rotatividade.

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Hoje a Indústria representa em percentual do PIB menos da metade do que era no final dos anos 1980 e 1/4 menos do era em 1947, quando começou a medição na atual metodologia. Nunca a parcela o PIB industrial foi tão pouco representativo do PIB nacional como hoje.

O quadro de Tarsila foi pintado durante a Ditadura Vargas e logo após a Revolução Constitucionalista de 1932. A Ditadura Vargas, apesar de seu caráter antidemocrático, foi talvez o período em que mais se garantiu direitos aos trabalhadores através da promulgação da CLT em 1943. Também foi o período em que se constituiu a Petrobrás, a Eletrobrás e a CSN entre outras empresas estatais que tinham a missão de sustentar o desenvolvimento da indústria nacional.

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A ilustração de Cristiano foi feita durante o governo de Jair Bolsonaro. O governo Bolsonaro se inseri no maior período democrático da história política recente do Brasil, mas eleito como consequência direta do golpe jurídico parlamentar de 2016. Portanto, apesar de ter sido eleito de maneira formalmente democrática, é seguramente o governo mais autoritário e o que mais atacou os direitos dos trabalhadores através das reformas trabalhistas ultraliberais desde o final da Ditadura Militar.

Também foi o período em que mais se atacou e mais diretamente se tentou privatizar diversas empresas estatais, inclusive a Petrobrás e a Eletrobrás entre outras empresas estatais, que abandonaram a missão de sustentar o desenvolvimento da indústria nacional e passaram a se orientar exclusivamente pela lucratividade, sem qualquer preocupação estratégica de longo prazo

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Além disso, tanto para os operários, quanto para os empreendedores a centralidade do trabalho é a grande causadora de adoecimentos e mortes, mas até isso também passou por grandes mudanças nesses quase 100 anos que separam as duas obras.

Na década de 1930 operários moravam em Vila operárias próximas às fábricas onde trabalhavam e, portanto, estavam menos expostos a acidentes de trânsito nesses trajetos, mas se acidentavam muito mais pela falta de EPI’s e pela falta de cultura e disseminação de conceitos de segurança no trabalho. 

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Também não era comum o diagnóstico de adoecimentos mentais ou lesões por esforços repetitivos por conta do trabalho em fábricas. Não haver o diagnóstico não significa que não ocorressem. A prova disso é o que acontece com o Carlitos de Charles Chaplin em Tempos Modernos, filme clássico do cinema mudo filmado apenas 3 anos depois do quadro de Tarsila e que sofre a mesma influência.

Na década atual os empreendedores moram nas periferias das grandes cidades levam horas em meio a um trânsito violento ou expostos às contaminações no transporte coletivo superlotados. Se expõem a jornadas exaustivas e a diversos tipos de adoecimentos mentais como síndrome Burnout, estafa, fadiga, estresse além de assédios morais de toda ordem. 

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Mesmo com tantas diferença ou semelhanças, o fato é que os trabalhadores querem estejam em fábricas, quer estejam nas ruas, quer sejam operários, quer sejam esses falsos empreendedores uberizados dos aplicativos continuam adoecendo e morrendo em função dos seus trabalhos. 

Ninguém deveria sair de casa para trabalhar e voltar sem um dedo, um braço ou uma mão esmagada por uma máquina ou não voltar por causa de um acidente fatal como era comum com os operários dos anos 1930. 

Assim como ninguém deveria sair de casa para trabalhar e voltar sem uma perna, um braço ou em uma cadeira de rodas por causa de um acidente de trânsito ou não voltar por causa desses acidentes, porque contraiu Covid ou porque se suicidou devido ao estresse ou ao assédio como é comum com os motoboys, falsos empreendedores dos dias de hoje.

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