A mediocridade do não pensar

Não há dúvida de que estamos vivendo uma banalização da violência, por motivações políticas, mas “quem” ou “o que” causou a amplificação do mal na sociedade?

(Foto: Reuters)


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 Mantenho no meu WhatsApp alguns “adolf eichmann”.

 Explico: chamo de “adolf eichmann” todas as pessoas capturadas pela mediocridade do não pensar; antes despidas de discurso, acabaram encontrando no ideário OlavoBolsonarismo que dizer.  

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 Eles me servem como uma “fonte” de informação e suas mensagens dão a dimensão das mentiras que circulam nas redes sociais, do mau-caratismo de quem as produz e da estupidez de quem as faz circular.  

 A maioria dessas pessoas, homens e mulheres de várias idades, tem-se em alta conta, tem de si a melhor imagem, mas são na verdade pessoas más, que fazem e reproduzem o mal e que, ao final do dia, voltam para casa cheias de certezas e convicções, contudo, nada são além de reprodutores do mal que banalizam.  

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 O conceito “banalidade do mal” foi criado pela filósofa Hannah Arendt e apresentado no livro “Eichmann em Jerusalém”; nele Arendt discutiu a perspectiva do mal provocado por pessoas destituídas da capacidade do pensar, incapazes de pensar por si, pessoas contaminadas pela lógica nazista e que, por essa razão, normalizaram todo o mal que vocalizavam, praticavam ou sobre o qual silenciavam.  

 A “banalidade do mal” seria a mediocridade do não pensar, e não exatamente o desejo ou a premeditação do mal, personificado e alinhado ao sujeito demente ou demoníaco; tratar-se-ia de postura política e histórica, e não ontológica; a “banalidade do mal” se instala por encontrar o espaço institucional, criado pelo não pensar.  

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 Em Eichmann, Arendt via não alguém perverso ou doentio, sequer alguém antissemita ou raivoso, mas tão somente alguém que cumpria ordens, incapaz de pensar no que realmente fazia, mantendo o foco somente no cumprimento de ordens.

 Para quem não leu o livro, ou não quer ler, é possível assistir ao filme “Hannah Arendt – Ideias que chocaram o mundo”.  

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 Quantos “adolf eichmann” conhecemos e nem sabíamos? Fato é que as violências físicas e verbais a que testemunhamos, cotidianamente, em redes sociais e pelos jornais, forneceria farto material de estudo para Arendt.  

 O mal normaliza e banaliza a violência, o compartilhamento de fake News, a realização de comentários agressivos e se sobrepõem a amizades, à família e a crenças religiosas; o mal normalizou o “vamos metralhar a petralhada”.

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 Apesar de vencido o principal representante do mal, ele segue a semear-se, pois, enquanto ausente o pensar há espaço para que a banalização do mal se instale. Como combater o mal: pensando criticamente e compartilhando esse pensar, colocando-o em movimento, através da educação, não a bancária, mas a libertaria.   

 Cada um dos “adolf Eichmann” que conhecemos continua sendo vítima de manipulação, acreditam que ocorreu fraude nas eleições, nas urnas, que há uma ditadura no Brasil, que o comunismo é uma ameaça, que a Terra é plana, que o globalismo é demoníaco e que “em seis meses” seremos uma Venezuela (ou seriamos? Afinal, estamos no sétimo mês e nada aconteceu nesse sentido).

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 Ações acríticas, motivadas pelo consenso institucional, pelo senso comum ou pela falta de senso, gerou e gera violência verbal e muitas vezes física. A massa de incautos, incapaz de pensar, age acéfala, não enxerga o mal que pratica, e, ressente-se, quando é agredida, o que a impele a responder, com maior violência ainda: cria-se o círculo vicioso da banalidade do mal.

 Não há dúvida de que estamos vivendo uma banalização da violência, por motivações políticas, mas “quem” ou “o que” causou a amplificação do mal na sociedade?

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 A meu juízo foi a não punição tempestiva de Bolsonaro e daqueles que, como ele, não se constrangem em apresentar-se a favor da ditadura, do pau de arara e da tortura.

 Apesar da derrota de Bolsonaro, seu principal representante, o mal segue forte e perdeu a vergonha porque fomos condescendentes por tempo demais: com o revisionismo, que afirma, desavergonhadamente, que não houve ditadura no Brasil; com os ataques aos afrodescendentes, como fez recentemente um criminoso chamado Gustavo Gayer; com a estupida afirmação de que não existe racismo no país; com o desrespeito aos povos originários; com os ataques à comunidade LGBTQIA+; com a misoginia e com o machismo; com o desprezo à questão ambiental e climática; com os que insistem em criminalizar as periferias e seus moradores; com os milicianos e com aqueles que os condecoram; com o discurso de ódio; com quem rendeu e rende homenagens a um coronel torturador e a um capitão miliciano e assassino; com quem não respeita a nossa latinidade; com quem chamou de escória bolivianos e haitianos e de “paraíba” e “pau-de-arara” o nordestino; com quem negou a pobreza e a fome; com quem negou a gravidade da COVID.  

 Não é possível que não sejamos capazes de explicar que o lema “Deus, pátria e família” tem origem no integralismo do Plinio Salgado e no fascismo de Mussolini, e que ainda agrega ao lema a palavra “liberdade”, como fez o nazismo.  

 Será que o mal é tão poderoso que não seremos capazes de dizer a cada “adolf eichmann”. que o slogan “Brasil acima de tudo” é inspirado no “Alemanha acima de tudo” de Hitler?  

 Tenho dito que a nossa tarefa é voltar a fazer Política, não com vistas apenas as próximas eleições, mas buscando contribuir com o interminável e necessário processo civilizatório; temos que falar fora da bolha, sem medo das críticas, pois, creiam, estamos do lado certo da História.

 Essas são as reflexões.

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