A máscara rasgada

"Se não houver uma reviravolta em 2022, seguiremos ladeira abaixo sem perspectiva de nos reerguer"

Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada, em Brasília
Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada, em Brasília (Foto: REUTERS/Adriano Machado)


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Desde a queda de Dilma Rousseff o nível da política brasileira vem baixando de padrão assustadoramente. Se não houver uma reviravolta em 2022, seguiremos ladeira abaixo sem perspectiva de nos reerguer. O Presidente Jair Bolsonaro, em tal panorama, possui em seu favor a coragem de não mentir. Desde o início de sua trajetória, com as teses mais estapafúrdias, ele as apresentou como se estivesse acima do bem e do mal, escancarando quase ao cinismo a má qualidade das suas ideias. Nem todo mundo segue o seu modelo. Na atual corrida eleitoral, atrás de uma “terceira via” setores do quadro partidário e seus adeptos se esforçam para valorizar um nome com o qual acham ter condições de enfrentar o favorito nas pesquisas, o ex-Presidente Lula. Este se apresenta com moral e currículo. Saiu incólume das acusações forjadas contra o seu passado e oferece a seu favor os antecedentes de um ótimo governo, com números expressivos nos mais diversos setores. 

Não seria improvável improvisar uma terceira via, nem Bolsonaro, nem Lula. No entanto, o que dá a impressão de se consolidar aos poucos traz contra a sua possibilidade as atuações de um juiz parcial e manipulador, desmoralizado depois de perder em instâncias superiores cada uma de suas decisões. O tempo lhe rasgou a máscara. Sobre a toga, já nem se fala, uma vez que a deixou mofando tão logo assumiu o cargo de Ministro da Justiça do governo empossado, função na qual, aliás, não se saiu com o brilho de uma boa performance. Ninguém duvida, a esta altura, que Sérgio Moro, como o Deltan Dallagnol das apresentações em power point à conclusão final das duras sentenças proferidas, tinham fortes e disfarçadas ambições políticas. Os papéis (ou as máscaras) caíram. Um na corrida para a presidência da República e o segundo aparentemente atrás de um mandato de deputado federal. No filme de Hitchcock, Cortina rasgada, de 1966, no auge da Guerra Fria, contava-se a história de um físico norte-americano em visita à Leipzig, na Alemanha Oriental. Tudo girava em torno da disputa de segredos envolvendo destruição e hegemonias. E o titulo fazia referência à “cortina de ferro”, como os americanos gostavam de designar o bloco comunista. Aqui, a máscara, em plena epidemia da Covid-19, dizia respeito a sistemas de proteção contra o contágio. Em Sérgio Moro, enquanto juiz em Curitiba, protegido pela austeridade das funções que exercia, a cara dura em favor do bom comportamento contra a corrupção, valeu-se dos mais diversos artifícios mais tarde contestados pelo Supremo Tribunal Federal. Tratava-se de clara fragilidade das argumentações e parti pris contra os réus, em esforços para conduzi-los à cadeia e removê-los da cena política. Graças a isso, Lula ficou impedido de concorrer ao pleito de 2018, no qual surgia como favorito. Deu no que deu. Na primeira oportunidade, com uma aura de honestidade e correção, o antigo juiz alçou-se à pasta de Ministro da Justiça de Bolsonaro a quem ajudara nas eleições, riscando do mapa o seu principal adversário.  

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Impossível imaginar maior desfaçatez no quadro das ambições pessoais. Uma vez denunciada aos olhos da população, o agora apenas advogado Sérgio Moro, desmascarado, devia enfiar a cara num buraco e esconder-se para a eternidade. Mas estamos no Brasil, um país de padrões morais ainda em busca de afirmação, no qual gritantes aventuras parecem permitidas. Nem primeira, nem segunda, nem terceira via, deviam ser permitidas a um indivíduo com o seu currículo. Mesmo assim, aí está: sem máscara e com a maior cara de pau. Se o povo for bobo, a estratégia dará certo. No entanto, nós nos deixamos enganar uma vez; a segunda já é difícil; a terceira, promete se mostrar impossível.

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