A mais nova crise financeira e os criminosos de sempre

O logotipo destruído do SVB (Silicon Valley Bank)
O logotipo destruído do SVB (Silicon Valley Bank) (Foto: REUTERS/Dado Ruvic/Foto ilustrativa)


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A quebra de três bancos nos EUA após a execução de manobras e gestão arriscadas revela uma característica estrutural. Neste mês de março de 2023 o Silicon Valley Bank (SVB, com base no próprio Vale do Silício e também na área de saúde suplementar), o Signature Bank (“especialista” em dividendos de firmas jurídicas, com base em Nova York) e o First Republic Bank (com base na Baía de São Francisco, norte da California) sofreram intervenção federal. De forma direta os dois primeiros e de maneira terceirizada, o terceiro. Seriam “bancos médios”, pois seu risco de quebra não deve gerar um castelo de cartas em função do “baixo volume de derivativos”. Ou seja, como em escala mundo especulam pouco, sua quebra “apenas” deve atingir os correntistas de pequeno porte e fieis depositarios. Nenhum deles é “grande demais para falir”.

Nada disso é algo novo, embora tenha sua particularidade. Dessa vez não se trata dos maiores bancos de “investimento”, como o Bear Sterns (incorporado pela JP Morgan Chase em 2008) ou o caso mais conhecido, Lehman Brothers, quando este quebrou deixando um prejuízo de mais de US$ 3,9 bilhões de dólares.

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Dos três que quebraram neste mês de março, o que mais chama atenção é o SVB. Uma das particularidades da quebra do Silicon Valley Bank (o grande financiador de start ups em tecnologia, tanto nos EUA como na Inglaterra) foi de ter vindo após as demissões em massa nas chamadas Big Techs. As empresas líderes do capitalismo de plataforma (as que têm prevalência no Ocidente) viram suas margens de lucro baixarem no período pós-pandemia e acompanhando a tirania empresarial de Elon Musk no Twitter (demissão de 80% do quadro de funcionários, incluindo os engenheiros e programadores mais experientes), seguiram na trilha da terceirização de mão de obra.

Os conglomerados das Big Techs sempre recrutaram engenheiros na Índia e em parte no Paquistão. Com a privatização das empresas de telecomunicações no início da década de 1990 e o fim da Guerra Fria, o que o mundo anglófono viu foi a terceirização absoluta de sessões inteiras de telemarketing e teleatendimento. Passadas duas décadas deste momento acima, hoje as “gigantes do Vale do Silício” terceirizam unidades de desenvolvimento de sistemas e manutenção de redes. Como sempre no capitalismo mais doentio, a margem de lucro espreme a mão de obra e demite no quarto setor sem dó nem piedade.

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Ao mesmo tempo, as demissões em massa acompanham uma nova frente de “negócios”, como a internet das coisas, os pesados investimentos em Inteligência Artifical (AI na sigla em inglês) e a meta pós-pandêmica de criar metaversos ou realidades paralelas com exploração comercial. Tudo leva a crer que o subcomplexo digital dentro do Complexo Industrial Militar dos EUA está operando acima dos controles clássicos que se dão através de contratos e financiamentos ancorados em mais de 38% do orçamento da potência ocidental. O cassino e a alavancagem financeira sem sistema de garantias colaterais avança por outro mecanismo, o de criptomoedas. Como ativo financeiro, uma Big Tech “investir em criptomoedas” privadas é como vender, comprar, alugar e depois hipotecar terreno em Marte (já que para a lua o herdeiro do Apartheid sul-africano – Elon Musk – parece que vai chegar logo).

Voltando ao SVB, sua quebra é fruto do lobby financeiro, de novo. A “farsa com nome de crise” da bolha imobiliária de 2007 e 2008 (nos EUA) e na União Europeia nos anos seguintes, é consequência direta da desregulação do mercado imobiliário estadunidense e da permissividade na praça bancária europeia de comercializar colaterais (e ativos tóxicos) em bancos de varejo. Antes desse momento, por mais de dez anos foi desmontado o arcabouço legal que protegia mutuários e detentores de hipotecas e impedia que incorporadoras entrassem no sistema de riscos de fundos de investimentos. Todo o sistema de comercialização era conhecido dos controladores dos fundos de risco. Uma espiral de ativos tóxicos, revendendo casas hipotecadas cinco vezes e sendo adquiridas por “compradores” com endividamento mais de dez vezes acima de suas capacidades e renda familiar era conhecido dos controladores dos fundos de risco.

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Falando de forma direta. Quando há informação perfeita, dificilmente teremos um comportamento não controlado. Ou seja. Não há imponderável se os tomadores são dotados de informação perfeita. Desta forma, a “crise” de 2007 e 2008 também foi fruto de comportameno criminoso, como aliás é a própria natureza da especulação e do capitalismo em sua etapa de acumulação financeira. Com o SVB, foi quase o mesmo. Porque?

A narrativa da “crise” e os meliantes de sempre

A “narrativa” oficial afirma que a subida de juros do FED (o banco central dos EUA) abriu um rombo de crédito e gerou um “default” em algumas operações. O banco teria muitos papeis com juros ainda rebaixados e houve uma corrida para novos títulos, já com o aumento da taxa básica. Não é só isso.

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O presidente dos Estados Unidos Joe Biden vai intervir na gerência dos dois bancos, colocando-os sob controle estatal. Já o banco com base em San Francisco teria depósitos garantidos justamente pelo JP Morgan Chase. Ainda é parte da explicação.

A mutreta foi essa. A lei para evitar novas crises provocadas foi estabelecida em 2010, e definia um “teste de stress” para qualquer instituição com depósitos ou operações a partir de 50 bilhões de USD. Em 2018 o lobby da agiotagem especulativa comprou 50 senadores (maioria republicana) e ainda contou com apoio do gerente de cassino e então presidente, Donald Trump. Com a nova lei, apenas instituições acima de 250 bilhões de USD seriam alvo de “teste de stress”. Desta forma, “bancos regionais” ficariam fora da regulação. Ocorreu o mesmo entre 1987 e 1992 quando o senador Charles Keating e outros 4 eram parte da força tarefa do lobby para quebrar as cadernetas de poupança (savings and loans) em escala regional. Agora a picaretagem deve ter estourado a exposição – operações a descoberto sem seguro, cobertura de depósitos ou resgate – e também abusado da alavancagem. Isso, somada com as demissões em massa das Big Techs, deu-se o rombo e perda de credibilidade.

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Sabem o que vai “salvar” o capitalismo na sua etapa financeira? Os depósitos compulsórios dos demais bancos (a Corporação Federal de Depósitos Compulsórios e Seguros, FDIC) e a autoridade do Poder Executivo (Casa Bramca e Secretaria do Tesouro) intervindo nos ativos de donos de cassino e gerentes de aplicação.

Mais do mesmo e do mesmo. Nenhuma crise dessas opera sem má fé e atos de irresponsabilidade criminosa. Quem esvaziou os depósitos do SVB foram seus próprios controladores, antes do anúncio da quebra. Falência fraudulenta pois poderia ser evitável? Sim. Mais uma.

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Fato curioso é que além de ser quase sempre o mesmo golpe, os golpistas (pessoas físicas) também são os mesmos. Primeiro, o reconhecimento dos pares. A revista Forbes colocou o SVB no ranking das melhores e maiores instituições financeiras dos EUA de 2023. Também classificou o Silicon Valley Bank na lista dos “Financial All-Stars”. Qualquer semelhança com a classificação máxima do Lehamn Brothers por todas as mais importantes empresas de “análise de risco” três semanas antes de sua falência em 2008, não é nenhuma coincidência.

Falando nisso, a malandragem é a mesma. O encarregado da securitização de ativos financeiros da SVB (desde 2007), Joseph Gentile, é ex-Lehman Brothers (gerente de renda fixa) e antes operou no Bank of America como diretor de investimentos bancários e corporativos em escala global. Não chega nem a ser uma teoria de portas giratórias (pois o executivo sequer troca de nicho de trabalho) e sim dança das cadeiras, trocando de posições similares em duas de três instituições que faliram, além de outra que se fundiu com a mega corretora (totalmente envolvida nas fraudes de 2008) Merrill Lynch.

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Repito e insisto. Não se trata de “caso isolado” e sim sistêmico e estrutural. Tampouco existem aleatoriedades quando os tomadores de decisão detêm informação perfeita e controlam o comportamento dos demais agentes. A natureza da atividade especulativa financeira é o risco para a sociedade e a acumulação privada através do aparelho de Estado. No final das contas, o Estado capitalista (geralmente através do Poder Executivo) é o pagador de última instância para cobrir os crimes financeiros de quem incide diretamente no próprio exercício do poder político.

As sociedades do “ocidente” e suas áreas de influência estão reféns – a maior parte delas ao menos – do cassino financeiro e agiotas controladores de gerentes de apostas. Romper com essa dominação direta dos especuladores é tarefa urgente e necessária.

(Publicado originalmente no blog Estratégia e Análise

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