A mãe abolicionista
"Pureza" é um drama potente sobre trabalho escravo e conta com uma interpretação intensa da atriz Dira Paes
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Pureza é a história de uma heroína da luta contra o trabalho escravo no Brasil. Dira Paes vive com intensidade o papel de Pureza Lopes Loiola, que denunciou a escravização de trabalhadores no Norte do país e foi peça fundamental na criação do chamado Grupo Móvel, órgão federal responsável pela libertação e indenização de dezenas de milhares de trabalhadores desde 1995.
Dois anos antes disso, Dona Pureza saiu de casa no interior do Maranhão, onde vivia da fabricação de tijolos, à procura de seu filho, que partira para o garimpo no Pará e não dava notícia há meses. Nessa saga, abraçada a um exemplar da Bíblia, ela descobriu e desvendou um quadro de exploração e violência em fazendas, garimpos, madeireiras e carvoarias, onde capatazes perversos mantinham lavradores sob o jugo do medo e do endividamento nos armazéns das propriedades. Com o apoio da Comissão Pastoral da Terra e submetendo-se a risco de vida, coletou provas e fez relatos no Ministério Público Federal que contribuíram para o reconhecimento, pelo governo, do chamado “trabalho análogo à escravidão”.
O filme de Renato Barbieri faz um belo esforço para sintetizar essa história de recorte dramático e épico que durou três anos. Não escapou de algumas facilitações dramatúrgicas, como as várias coincidências romanescas e alguns saltos bruscos que conduzem Pureza, senão ao objetivo de encontrar o filho, à descoberta da situação e a sua transformação em lutadora de uma causa. Há mesmo uma tendência a caracterizá-la como uma “mãe” dos trabalhadores. Numa determinada cena, ela chega a aparecer como uma espécie de santa.
Em contrapartida, Pureza nos oferece um painel muito verossímil das condições em que viviam os trabalhadores, inclusive com a participação de pessoas que já haviam vivenciado o cativeiro em propriedades paraenses. Barbieri é autor também do ótimo documentário Servidão (leia aqui), que faz um histórico do assunto desde os tempos da escravidão até dias recentes, passando pelo louvável trabalho do Grupo Móvel.
Ao passar do documentário para para a ficção, o diretor demonstra um domínio admirável da encenação, explorando a visualidade com requintes, mas evitando a estetização. Pureza progride na escala emocional ao mesmo tempo que cresce em suspense. Como produção, é vistosa e impecável. A música do americano Kevin Riepl – especialista em trilhas de games e de séries de ação – pode soar um pouco pesada, mas não deixa de conferir pathos à aventura dessa mãe abolicionista..
O final feliz do filme (em 1996) se contrapõe à realidade atual, em que o combate ao trabalho escravo vem sendo desestimulado pelos governos de direita pós-2016. A servidão volta ao campo, as ONGs são vistas como inimigas do estado, líderes rurais são assassinados e estamos precisados de uma nova Dona Pureza.
>> Pureza está nas plataformas GloboPlay, Google Play, Vivo Play, Youtube Movies e Apple TV.
O trailer:
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